📖 Capítulo 1 – Noite Sem Porto
O mar que leva ao Continente da Meia-Noite não é feito apenas de água.
Ele é um abismo em movimento, feito de silêncio, escuridão líquida e gritos submersos.
O barco que trouxe Gustavo era velho, e o capitão, cego de um olho e de fé, recusou-se a dizer uma palavra durante toda a travessia. Os tripulantes apenas rezavam em línguas mortas, olhando para as ondas como se elas escutassem.
Na manhã do quinto dia — embora ali não houvesse manhã nem sol — Gustavo enfim desceu no único porto ativo da costa amaldiçoada: Porto Dol’Murnath.
Era uma vila deserta, composta por restos de barcos antigos, estacas com crânios secos e fumaça pútrida saindo de chaminés que ninguém acendia.
A Hidra, em sua forma diminuta e enroscada no ombro de Gustavo, soltou um sibilo grave.
— "Esse lugar fede a pacto quebrado."
Ele não respondeu. Apenas caminhou. Sua bota afundava na terra lodosa enquanto olhos invisíveis o observavam entre frestas de ruínas e construções tortas.
🕯️ Uma Vila de Sombras
Em uma taverna vazia, o barman — um homem-coruja de olhos opacos — serviu-lhe algo que cheirava a vinho, mas se movia como sangue coagulado.
— “Você vai para o interior?”, perguntou o homem-ave.
— “Até a capital dos vampiros.”
O barman soltou um riso seco e lhe entregou um pedaço de couro marcado com três símbolos queimados: uma árvore dividida, um vale espiralado, e três luas sobre um portão.
— “Você precisa atravessar os três selos. Nenhum deles é hospitaleiro. Se eu fosse você, pediria para a morte esperar sentado.”
Gustavo pegou o mapa sem responder. Quando se levantou, todos os olhos do salão se fecharam ao mesmo tempo.
⚔️ Primeiro Confronto: Os Andarilhos Quebrados
Na saída da vila, a estrada estreita se transformou em pedra rachada. O ar se tornou mais grosso, como se o tempo estivesse em colapso.
Foi ali que surgiram os Andarilhos Quebrados.
Eram altos, com corpos alongados, braços demais e costelas expostas como dentes de besta. Seus rostos estavam envoltos em véus de ferro. Caminhavam sem som, mas o chão tremia sob seus pés.
A Hidra falou em tom sério:
— “Esses não são monstros. São penitentes. Almas recusadas pelo submundo.”
Gustavo desembainhou a Kusanagi. A katana reagiu com um som agudo, como se sedenta.
Quando o primeiro Andarilho saltou com garras esticadas, Gustavo se moveu com precisão cirúrgica — mas algo estava errado. O corte não fez som.
A criatura não sangrou. Em vez disso, se multiplicou.
— "Maldição reflexiva", murmurou ele.
Três contra um.
Gustavo então utilizou a Dança da Lâmina Vazia, criando ilusões suas ao redor. As criaturas atacaram as cópias, enquanto ele surgia por trás com um golpe vertical tão rápido que parecia inverter a gravidade.
O Rasgo Sombrio rasgou uma das criaturas ao meio, finalmente revelando seu núcleo: um osso em forma de cruz invertida.
Ele o esmagou com o pé, e as outras sumiram.
— “Não são tão imortais quanto parecem.”
Ele seguiu em frente, agora atento ao som — ou à ausência dele.
🌲 A Floresta Está Perto… Mas Não Agora
Ainda levaria três dias de caminhada até as bordas das Florestas Gêmeas. Mas o caminho até lá era feito de escuridão densa, corredores naturais com árvores mortas e ruínas antigas de guerras esquecidas.
Durante a noite (ou o que se entende por noite nesse lugar), ele montou acampamento em uma clareira de pedras flutuantes. Dormir era um luxo — mas necessário.
Foi quando os Rastejantes de Névoa chegaram.
Criaturas feitas de vapor sólido, sem forma definida, com bocas onde deveriam haver olhos. Eles se aproximaram devagar, sussurrando memórias que Gustavo havia enterrado: risos de Beatriz, gritos de batalha, o nome "Karina" em tom de desespero.
Ele se levantou com os olhos ardendo.
— “Não toquem nela.”
Com raiva contida, Gustavo ativou o Sepulcro das Sombras. A clareira foi engolida por uma bolha negra onde nenhuma luz penetrava, e os sussurros se transformaram em lamentos.
Em segundos, o chão estava coberto de vapor enegrecido e corpos sem estrutura.
A Hidra não disse nada. Apenas observou.
Na manhã seguinte, Gustavo limpava sua katana com um pano grosso. Seu olhar era fixo na linha do horizonte.
Lá, à distância, ele podia ver os primeiros galhos das Florestas Gêmeas, gigantescos, retorcidos, como se o céu estivesse sendo puxado para baixo.
Ele sorriu de leve.
— “Agora começa de verdade.”
A Hidra assentiu com um rugido contido.
Continua…