O jovem indígena Itzanmnán despertou ao som dos cantos matinais de sua tribo. O cheiro da terra úmida e o calor do fogo sagrado ainda queimando no centro do vilarejo eram familiares, mas algo dentro dele havia mudado.
Ele havia recebido uma habilidade ligada ao fogo, um presente que não compreendia totalmente. Precisava de respostas. Por isso, dirigiu-se até a grande tenda do pajé.
-Ah, meu escolhido dos deuses… O que te traz aqui?-disse o velho pajé, sua voz carregada de sabedoria.
-Quero conversar com você um pouco.-diz Itzanmnán
Antes que pudesse aprofundar a conversa, um alvoroço se formou na aldeia. Homens brancos haviam chegado em barcos. A tribo se reuniu, curiosa e desconfiada. Os visitantes traziam consigo sua cultura, religião e presentes. Os indígenas, acolhedores por natureza, permitiram a festa e a troca de costumes. Havia dança, comida, celebração…
Mas a falsa paz não durou.
Naquela noite, Itzanmnán acordou ao som de gritos aterrorizantes. Saiu apressado de sua oca e o que viu lhe congelou o sangue.
Cinzas cobriam o chão onde antes havia vida. O cheiro de carne queimada sufocava. Guerreiros de sua tribo estavam sendo massacrados, corpos mutilados se empilhavam, enquanto mulheres e crianças eram arrastadas, gritando, pelas mãos dos invasores. Algumas mulheres eram estrupadas sem que ninguém pudesse impedir.
O ódio borbulhou dentro dele como um vulcão prestes a explodir. Seus olhos se encheram de lágrimas e raiva.
-Como… Como puderam? Nós os acolhemos! E eles… Eles destruíram tudo! -gritou, sentindo o fogo dentro de si arder em fúria.
Foi tomado por um impulso incontrolável. Sua pele queimava, seus músculos enrijeceram. E então, sem hesitação, ele se lançou sobre os invasores, matando todos ao seu redor. Cada golpe era um misto de dor e ódio. O sangue tingia o chão, misturando-se à lama e às cinzas. Ele era uma tempestade de fogo e vingança.
Quando o último corpo caiu, Itzanmnán caiu junto. Seu corpo tremeu, e ele ajoelhou-se, ofegante, olhando para os destroços do que antes chamava de lar.
-Eu… Eu vou matar todos eles…-murmurou, sua voz carregada de ódio.
Então, tudo ficou escuro.
Itzanmnán abriu os olhos.
Ele estava caído no chão, sentindo o peso esmagador do corpo de Nickar sobre si.
Nickar se ajoelhou, pressionando o joelho contra o peito de Itzanmnán. Seu olhar era frio, impiedoso.
"Itzanmnán… Perto da minha morte, percebi que o homem que eu mais odiei foi o que eu me tornei."
Sem aviso, Nickar ergueu o escudo e o desceu contra o rosto de Itzanmnán. Um impacto seco. Depois outro. E mais outro. Cada golpe era mais forte que o anterior. O barulho de osso se partindo ecoava pelo ambiente. O rosto de Itzanmnán deixou de ser reconhecível; apenas uma massa disforme de carne ensanguentada permanecia.
Nickar soltou o escudo e, sem hesitação, pegou seu machado.
Ele ergueu a lâmina pesada e a cravou no corpo de Itzanmnán. Cortou. E cortou de novo. Não havia piedade, não havia hesitação. Apenas a brutalidade pura e fria de um guerreiro que já havia perdido tudo.
Quando finalmente parou, diante de si restavam apenas fragmentos do homem que um dia foi.
O povo que havia fugido retornou à aldeia. Homens, mulheres e crianças pararam ao redor do que restava. O olhar deles não era de luto, mas de desprezo.
-Além de nos abandonar, você destruiu o que restava das nossas casas…- disse um ancião, a voz carregada de rancor.
-Você deixou nossos maridos e filhos morrerem! Não lutou ao lado deles… Apenas os condenou!- gritou uma das mulheres, sua voz embargada pelo choro.
A multidão murmurava, acusando Nickar
Landara avançou, o olhar feroz, encarando todos ao redor.
-Ingratos da porra! Vocês vão tratar assim a única pessoa que pode protegê-los? Aqueles que morreram na guerra lutaram até o último suspiro! Eles escolheram lutar, e vocês… Vocês só sabem reclamar, cuspindo na memória deles!-diz landara sua voz ecoou com fúria, silenciando a multidão.
Lucy se aproximou de Nickar, vendo seu corpo queimado.
-Eu posso te curar…- diz Lucy
Nickar ergueu os olhos para ela, sua respiração pesada.
-Não me cure. Eu quero sentir essa dor. Eu mereço sentir cada parte dela.-diz Nickar
E então, ele se virou, sem olhar para trás.
O silêncio que ficou para trás era tão pesado quanto o sangue derramado.
Nickar cuspiu sangue. Suas feridas dos combates anteriores ainda não haviam cicatrizado por completo, e a dor consumia seu corpo. Contra sua vontade, Lucy se ajoelhou ao seu lado, murmurando palavras de cura enquanto colocava as mãos sobre ele.
-Eu não preciso disso…-diz Nickar
mas já era tarde. Sua carne começava a se regenerar, mesmo que ele odiasse a sensação.
Ainda cambaleante, ele se ergueu e começou a caminhar. Cada passo era pesado, carregado por algo muito além da dor física. Seu destino era um só: sua antiga casa.
Quando chegou, encontrou o que restava de sua mãe, um corpo carbonizado, frágil como cinzas ao vento. Ele a segurou nos braços com um cuidado que contrastava com sua força brutal. Não era apenas o corpo dela que ele carregava, mas também a última memória de uma felicidade que há muito se fora.
Sem dizer uma palavra, Nickar caminhou até a margem, onde os barcos repousavam. Colocou o corpo de sua mãe sobre um dos barcos, ajeitando-o com reverência. Pegou uma flecha e uma tocha. Quando estava a uma distância segura, incendiou a ponta da flecha e a disparou.
O barco foi tomado pelas chamas, iluminando a noite silenciosa. Nickar observava o fogo dançar sobre as águas, e lágrimas escorriam por seu rosto marcado pela batalha.
-Eu odeio fumaça... Faz meus olhos arderem…-disse, sua voz entrecortada pelo choro.
Ele ficou ali por um tempo, imóvel, até que as chamas finalmente desaparecessem no horizonte.
Mais tarde, ele se reuniu com Taka, Landara e Lucy. O clima entre eles era pesado, mas ninguém ousou quebrar o silêncio até que Nickar, ainda abatido, falou:
-Então... Agora vamos para a ilha da Landara? - diz Nickar
Lucy balançou a cabeça, hesitante.
-Infelizmente, eu só consigo me teletransportar para lugares onde já estive e me lembro bem... Nunca fui até a ilha dela.- diz Lucy
-Então vamos de barco.-disse Landara, sem rodeios.
Taka, observando o estado de Nickar e sentindo o cansaço pesar sobre todos, interferiu:
-Acho melhor esperarmos até amanhã. O Nickar tá todo fodido e já tá quase anoitecendo.-diz Taka
Nickar respirou fundo e assentiu.
-Se vocês quiserem dormir aqui... Podemos ficar na minha antiga casa.-diz Nickar
Todos concordaram e seguiram para lá.
Assim que entraram, Nickar olhou ao redor, a casa que um dia foi seu lar agora parecia vazia, sem vida. Ele se virou para os outros.
-Aqui tem três quartos. Como vai ser?-disse nickar
-Pra mim e o Taka, não tem problema dormirmos no mesmo.- disse Landara, dando de ombros.
-Então tá bom.-respondeu Nickar, sem insistir no assunto.
Cada um se ajeitou e foi para seus respectivos quartos.
Taka estava sentado na cama, perdido em seus próprios pensamentos, quando a porta se abriu sem aviso. Landara entrou e, sem hesitação, jogou-se sobre ele.
-Oxi! Kkkk... Calma aí!- disse Taka, meio sem graça.
Mas logo percebeu que algo estava errado. Landara tremia contra seu peito, e ele sentiu a umidade das lágrimas em sua roupa.
-O que houve? Você tá bem?- perguntou, sua voz mais suave do que o habitual.
Ela hesitou por um momento antes de responder, sua voz embargada.
-Eu segurei esse choro o dia todo... Eu perdi minha avó e não pude fazer nada…-diz landara
Taka suspirou e passou um braço ao redor dela, trazendo-a para mais perto. Eles se deitaram, e ele ficou ali, em silêncio, apenas segurando-a enquanto ela chorava.
Não havia palavras que pudessem aliviar aquela dor. Mas ele sabia que, às vezes, o silêncio e a presença eram tudo o que alguém precisava.
Na manhã seguinte, todos se reuniram na frente da casa, prontos para partir. Caminharam até encontrar um barco adequado e zarparam para o mar.
O balanço das ondas e o som do vento preenchiam o silêncio entre eles, até que Taka resolveu quebrá-lo.
-Tava pensando numa coisa... Mas não sei se daria certo.-diz taka
Os outros o encararam, esperando.
-Tem uma ilha com um portão... Um dos lugares de onde saem muitos demônios. Tava pensando se, com a Lucy, poderíamos fechá-lo. Depois que Landara receber a bênção de Deus dela, podemos discutir isso melhor.-diz taka
Lucy assentiu.
-Tudo bem.- diz Lucy
Nickar estava sentado na proa, olhando para o horizonte, perdido na própria mente. Ele ainda sentia o peso das últimas horas a despedida de sua mãe, as lembranças da guerra e o cansaço que parecia nunca passar.
Taka, por outro lado, observava Nickar com um olhar analítico. Sabia que o amigo estava carregando um peso enorme, um que ninguém podia aliviar além dele mesmo. Caminhou até onde Nickar estava e sentou-se ao lado dele, sem dizer nada por um tempo. Apenas deixava o vento bagunçar seu cabelo, esperando o momento certo.
-Você tá quieto demais.-disse Taka, sem rodeios.
Nickar soltou uma risada curta, sem humor.
- Eu sempre fui quieto.-diz nickar
-como é?.- pergunta taka
Nickar passou uma mão pelo rosto, suspirando.
-Taka... Eu nunca falei muito disso, mas eu cresci ouvindo as histórias do meu pai. Um guerreiro respeitado, um homem lutado... E agora eu vejo no que me tornei. Matei meu próprio povo. Enterrei minha mãe com as minhas próprias mãos. Você ainda consegue olhar pra mim e dizer que eu sou o mesmo homem que partiu pra essa guerra?- pergunta Nickar
Taka não desviou o olhar. Ele entendia o que Nickar queria dizer. Mais do que ninguém, ele sabia o que era perder o controle, o que era se tornar algo que não queria ser.
-O que aconteceu foi foda. Mas se você fosse um monstro, não estaria se preocupando com isso agora, Você fez o que tinha que ser feito. Se tivesse lá, eles teriam morrido do mesmo jeito.-diz taka
Nickar ficou em silêncio por um tempo, processando as palavras do amigo. Então, olhou para ele e soltou um pequeno sorriso.
-Você fala como um irmão mais velho. -disse nickar
Taka bufou.
-Que porra em, Você é mais velho que eu.-Disse taka
-Idade não importa. Você sempre foi o que me botava no eixo. Disse nickar
Taka deu um soco leve no ombro dele.
-Então para de se lamentar e volta a ser o desgraçado que eu conheço.-diz Taka rindo
Nickar riu, e pela primeira vez desde a tragédia, parecia um pouco mais leve.
Quando a noite caiu, eles se organizaram para dormir no barco. Lucy, que não precisava tanto de descanso, ficou de vigia enquanto os outros se ajeitavam.
Taka estava encostado na lateral do barco, olhando para o céu. Estava acostumado a noites solitárias, mas essa seria diferente. Landara apareceu ao seu lado, sem dizer nada, e se acomodou ali.
-Não consegue dormir?- perguntou Taka.
-Não muito. Minha cabeça ainda tá a mil.-diz landara
Taka olhou para ela. Desde a última noite, as coisas entre eles pareciam... diferentes. Não era só sobre conforto ou amizade. Algo havia mudado.
-Tá melhor?-taka perguntou.
Landara assentiu.
-Sim. Eu precisava chorar... Mas ainda dói.- diz landara
Ele não era bom com palavras de consolo, mas sabia que às vezes só estar ali era o suficiente. Ele puxou Landara levemente para mais perto, e ela apoiou a cabeça no ombro dele.
-Você tem um cheiro bom.- landara comentou do nada.
Taka franziu o cenho.
-Quê?- pergunta Taka com um sorriso de canto
-Seu cheiro. Não sei explicar, mas é reconfortante.-diz landara
Ele ficou sem resposta por um momento, depois deu uma risada curta.
-Tá dizendo que eu cheiro bem depois de três dias de luta e sangue?- diz taka
Landara riu também.
-Estranhamente, sim.- diz landara
O silêncio que veio depois não era incômodo. Era um silêncio bom, daqueles que não precisavam ser preenchidos com palavras.
No dia seguinte enquanto Taka e Nickar treinavam no convés, Lucy e Landara ficaram na parte inferior do barco, onde as provisões estavam guardadas.
-Você tem certeza que tá bem com tudo isso?-perguntou Lucy, observando Landara com atenção.
Landara franziu a testa.
-Tudo isso o quê? - pergunta landara
-Você e o Taka, Eu sou sensível a energia das pessoas, sabe? E desde que vocês voltaram, tá bem claro que alguma coisa mudou entre vocês.-diz Lucy
Landara desviou o olhar por um instante antes de suspirar.
-Eu não sei o que vai acontecer. Mas... Eu gosto dele.-diz landara
Lucy sorriu, satisfeita.
-Então é só não deixa ele morrer.- diz Lucy
Landara revirou os olhos.
-Grande conselho.-diz Lucy
As duas riram.
Na tarde do segundo dia, Taka e Lucy se afastaram do grupo para discutir os planos. Lucy abriu um mapa rudimentar da ilha e apontou para a localização do portão.
-É aqui que a maioria dos demônios sai. Se conseguirmos fechar essa passagem, podemos diminuir drasticamente a presença deles no continente.- diz Taka
Taka observou o mapa, pensativo.
-Eu imaginei que fosse algo assim. Mas não vai ser simples. Preciso de um ponto fixo dentro da ilha para criar uma barreira estável. Se houver resistência, o feitiço pode ser quebrado antes mesmo de ser concluído.-diz Lucy
Taka cruzou os braços.
-Então basicamente temos que segurar qualquer coisa que tente te interromper.- diz taka
Lucy assentiu.
Taka olhou para o horizonte, onde a silhueta da ilha começava a se formar.
Lucy o encarou por um momento antes de sorrir.
-Você acha que conseguimos?- pergunta Lucy
Taka não hesitou.
-Claro. Se a gente não conseguisse, já teríamos morrido faz tempo.-diz Taka
No fim do dia, a ilha apareceu no horizonte. A silhueta negra se erguia contra o céu alaranjado, e a sensação de que estavam entrando em território inimigo era inegável.
Nickar se levantou e apertou o cabo do machado.
-Então é aqui que começa a verdadeira luta.- diz Lucy
Taka apenas sorriu de lado.
-Não me lembro que Era pra ser fácil.-diz Taka
Lucy fechou os olhos por um momento, sentindo a energia ao redor.
-Algo está esperando por nós.- diz Lucy
Landara respirou fundo.
-Então que venham.-diz taka
O barco continuou avançando, e com ele, a certeza de que aquela batalha mudaria tudo.
Assim que o barco encostou na praia, Landara foi a primeira a descer, sentindo o solo de sua terra sob seus pés novamente. O cheiro da floresta, a brisa salgada vinda do mar e os sons familiares da vila preencheram seus sentidos. Os guerreiros que faziam a guarda a reconheceram de imediato, e logo a notícia de sua chegada se espalhou.
Seu pai, Ecoema, veio recebê-la. O cacique era um homem de presença imponente, sua pele marcada por cicatrizes de batalhas e pinturas rituais. Seu olhar era firme, mas carregava o carinho de um pai que não via a filha há tempos.
-**"Ita wexá? Mépa nãkó shepa'î?"** *(Você voltou? Sua jornada foi longa?)*- perguntou ele, sua voz forte ecoando pelo ambiente.
Landara abaixou a cabeça em sinal de respeito.
-**"Mépa nãkó, paita."** *(Sim, foi longa, pai.)*
Ecoema observou os outros chegando atrás dela, seus olhos parando em Taka. Ele assentiu lentamente, como se confirmasse algo dentro de si.
-**"Êrã, jari nãkó tireka. Petã xikau."** *(Entendo, minha filha. Mas já está tarde.)*
Landara suspirou, voltando ao idioma comum para não excluir os outros.
-Tá bom, pai.- diz landara
O cacique olhou novamente para Taka e sorriu.
-**"Nanê'ê ma pã wexá. Kumẽ ixa yîka."** *(Então vamos aproveitar que você e seu marido voltaram.)*
Taka arqueou a sobrancelha.
- O quê?-pergunta Taka
Landara congelou.
-Pai... Deixa isso pra lá, vamos curtir a noite.- diz landara
Lucy cruzou os braços, interessada.
-Espera... Vocês dois são casados?!-pergunta Lucy surpresa
Landara piscou, surpresa.
- Você entende minha língua?!- pergunta landara surpresa
Lucy sorriu.
-.Sim, sua avó me ensinou.**
-Ah…- diz Landara desviou o olhar, sem jeito.
Taka estava parado, absorvendo tudo.
-Pera aí... Eu e a Landara somos o quê?- pergunta taka
Ecoema riu, claramente se divertindo com a confusão.
-E quando vou ter meus netos?-diz Ecoema
Landara fechou os olhos e bufou.
-Isso você sabe falar, né, pai?! Não precisava perguntar isso na língua deles!-diz landara
Nickar riu alto, cruzando os braços.
-Essa é boa! Então vocês já eram casados esse tempo todo?!- diz Nickar
Landara suspirou, tentando explicar.
-Acontece que na nossa cultura existem duas formas de se casar: ou o pretendente luta contra meu pai e vence, ou ele passa por uma série de rituais antigos.- diz Landara
Taka piscou algumas vezes.
-E...?- pergunta taka
-Você não sabia de nada, então você escolheu lutar contra meu pai.-diz landara
Taka ficou em silêncio por um momento, depois apontou para si mesmo.
- Espera, então a gente sempre foi casado?!- pergunta taka
Landara desviou o olhar.
-Tecnicamente... Sim.- responder landara
Taka passou a mão no rosto, respirando fundo.
-Eu juro que sou o único cara que casa sem saber.- diz taka
Ecoema gargalhou.
-É um bom guerreiro, mas meio lerdo.- diz Ecoema
-Não concordo muito com essa tradição…- murmurou Landara, cruzando os braços.
Ecoema apenas sorriu, ignorando o protesto da filha.
-Nãkó wexá, paita."** *(Hoje, vamos comemorar sua chegada, minha filha.)*
E assim, uma festa foi organizada naquela noite. O povo celebrou a volta de Landara, a presença dos forasteiros e a promessa de que algo importante estava prestes a acontecer. As tochas iluminaram a vila, a música ecoou pela noite, e o destino dos guerreiros começou a se entrelaçar com o da ilha.
A lua cheia brilhava no céu quando os tambores começaram a soar. O povo da ilha se reuniu ao redor da grande fogueira no centro da vila, formando um círculo sagrado. O cheiro da terra úmida misturava-se com a fumaça das ervas queimando, criando um ambiente carregado de espiritualidade.
Landara estava no centro do círculo, usando vestes rituais feitas de penas e couro, seu corpo pintado com símbolos antigos que representavam sua linhagem e sua conexão com os espíritos. Ecoema, seu pai, estava à sua frente, segurando um cajado entalhado com runas ancestrais.
— **"Landara, ê rãpã iyêpã. Jari nãkó ixã Guaraci kã!"** *(Landara, chegou sua hora. Os espíritos da luz te esperam!)*
O pajé da tribo aproximou-se, trazendo uma cabaça com um líquido escuro dentro. Ele olhou nos olhos de Landara e ergueu a cabaça acima da cabeça.
— **"Esta é a bênção dos nossos ancestrais. Com ela, você será digna de falar com aquele que habita entre os deuses."**
Landara respirou fundo e tomou o líquido amargo, sentindo seu corpo esquentar como se o próprio sol tivesse tocado sua pele. Sua visão ficou turva, e o som dos tambores começou a se distorcer. A realidade se desfez ao seu redor.
Quando Landara abriu os olhos novamente, não estava mais na aldeia. Estava em um campo vasto, onde a grama dourada se estendia até o horizonte. O céu era um misto de azul e dourado, e no centro daquele mundo estava um homem imenso, de pele de bronze e olhos brilhantes como o sol.
Ele a olhou com um misto de curiosidade e respeito.
-Landara, filha da terra e do sangue guerreiro, por que veio até mim?-diz Guarani
Ela se ajoelhou diante dele, sentindo a imensidão de sua presença.
-Nhanderuvuçu, grande espírito, peço sua bênção para o que está por vir.- diz landara
O Deus Guarani inclinou a cabeça, observando-a com profundidade.
-Você sabe o peso do que está pedindo? Está disposta a carregar esse fardo?- pergunta Guarani
Landara ergueu os olhos, determinada.
-Se eu não fizer isso, quantos mais sofrerão? Eu não posso virar as costas para meu povo e para aqueles que confiaram em mim.- diz landara
O Deus sorriu levemente.
-Palavras fortes. Seu coração carrega o peso de sua linhagem. Mas a bênção que pede não é apenas um presente... é um fardo. Você estará vinculada a essa terra, e sua alma sempre sentirá o chamado dela.-diz landara
Landara assentiu, firme.
-Eu aceito.-afirmar Landara
Nhanderuvuçu ergueu uma das mãos, e um brilho dourado tomou conta do corpo de Landara. Ela sentiu um calor intenso, mas não doloroso, algo parecido com a energia do sol penetrando sua pele, fortalecendo seu espírito.
-Então que assim seja.-diz Guarani
A visão começou a se desfazer, e Landara sentiu seu corpo ser puxado de volta à realidade.
Ela abriu os olhos de volta à aldeia, ainda ajoelhada no centro do círculo sagrado. O povo a observava em silêncio, aguardando sua primeira palavra.
Landara respirou fundo, sentindo a nova força que pulsava em suas veias.
-A bênção foi concedida.-diz landara
Ecoema assentiu, orgulhoso.
Taka, Nickar e Lucy a observavam de longe, cientes de que algo havia mudado. Ela não era mais a mesma.
Seu corpo parecia diferente. Suas vestes rituais, antes simples, agora estavam adornadas com padrões dourados que pareciam pulsar com energia viva. As pinturas em sua pele, antes escuras, brilhavam com um tom amarelado intenso, como se a própria luz do sol tivesse se fundido a ela.
Quando deu o primeiro passo, sentiu uma leveza diferente, como se seu corpo estivesse mais conectado ao mundo ao seu redor.
Nickar observou com os olhos arregalados antes de soltar um comentário direto:
-Você tá brilhando.-brinca nickar
Taka cruzou os braços, analisando-a.
Lucy sorriu levemente, sentindo a mudança na energia de Landara.
-Agora você carrega a bênção de um Deus. Isso não é só um poder, é um vínculo eterno com sua terra.- diz Lucy
Landara passou as mãos sobre os braços, sentindo o calor que irradiava de si mesma.
-Eu me sinto… diferente. Como se tivesse uma chama dentro de mim que nunca vai se apagar.- diz landara
Ecoema assentiu, satisfeito.
Então agora, minha filha, celebre. Sua luta começa em breve.-diz Ecoema
Com isso, a tribo preparou uma pequena comemoração, nada tão grandioso como a festa anterior, mas o suficiente para que todos relaxassem antes do grande desafio. Nickar e Taka participaram das danças, mesmo que de forma desajeitada, enquanto Lucy observava de longe, pensativa.
Quando a noite avançou, um a um, eles se recolheram para descansar. O dia seguinte prometia ser longo.
Em outro lugar, longe da ilha, em uma fortaleza, duas figuras se encontravam diante de uma paisagem desolada. A sala era feita de pedra negra, iluminada apenas pela luz fraca de tochas azuis.
Reomem estava sentado, girando uma adaga entre os dedos, enquanto Haykari olhava para uma grande projeção que mostrava os movimentos de Taka, Landara, Nickar e Lucy.
O silêncio se manteve por um tempo, até que Reomem quebrou com um tom divertido:
-Agora eu entendi porque você mantém esses quatro vivos.- diz Reomem
Haykai não tirou os olhos da projeção.
-Todos nós precisamos de uma diversão.- diz Haykari
Reomem riu baixo, sua voz carregada de sarcasmo.
-Mas então... Eu conheço alguns demônios que adorariam brincar também. E, dependendo da situação, não podemos nos dar ao luxo de perder mais arcanjos.- diz Reomem
Haykai finalmente olhou para ele, um brilho sombrio em seus olhos.
-Então traga-os.- diz Haykari
Reomem sorriu de canto e se levantou, estalando os dedos.
-Vai ser interessante ver até onde eles conseguem ir antes de serem mortos.- diz Reomem
Haykari não respondeu, apenas voltou a observar a projeção. A guerra estava apenas começando.