Capítulo 16

Localização; Avalon

Maeve

Maeve fixava o olhar no teto descascado, perdida em pensamentos enquanto aguardava sua sentença naquela cela sombria.

Os dias se arrastavam, as horas eram torturantes e não havia nada a se fazer para ocupar sua mente.

Tentava, sem sucesso, imaginar o que seus inimigos tramavam. O que pretendiam ao tentar convencê-la a cooperar? Seria tudo parte de uma armadilha? Mais uma tentativa de torturá-la até a morte novamente? Talvez quisessem apenas alimentar uma falsa esperança de sobrevivência. Seria tudo fingimento? Enganação?

Soava natural trazer à tona esses questionamentos, pois ser movida pela raiva sempre fora mais fácil. era simples saber que a odiavam, que armavam contra ela, muito mais fácil do que pensar que pudessem ou se quer quisessem ajudá-la.

Quem poderia querer seu bem nos dias de hoje? Principalmente pessoas tão importantes quanto Davina Justine e Eros Strong? Eles não iriam se comprometer por uma assassina, um demônio, um animal como o príncipe mesmo a chamou quando a conheceu. era impossível, seria como misturar água e óleo.

Além disso, Maeve não queria esse ato de piedade da parte deles, não confiava o bastante para se deixar levar. Essa bondade velada a deixava com os cabelos em pé e ao mesmo tempo demasiada curiosa.

O que poderia oferecer à realeza? talvez ela já tivesse ideia do que era…

Seus pensamentos se dispersaram quando ouviu um barulho de passos pelo teto de cima, alguém vinha, e se ela ainda acreditasse nos deuses rezaria para não ser Eros.

Que homem vil, ela não esperava muito das fênix, muito menos de um príncipe mimado feito ele.

Eros encarava o próprio umbigo como se fosse ouro e carregava uma pose de homem sedutor de quinta categoria.

Maeve o desprezava. Detestava aqueles que chamavam a atenção por meio de humilhações.

Seus punhos cerraram instintivamente, mas o som da porta se abrindo quebrou sua fúria.

Três visitantes surgiram. Nenhum conhecido. Todos receosos em se aproximar se entreolhando a cada passo.

Um deles trazia baldes, o outro toalhas e a última trouxera um vestido delicadamente dobrado.

Seus olhos estreitaram desconfiados, querendo compreender o porquê daqueles criados estarem servindo-a.

Ela perguntou com zombaria.

— Estão por acaso perdidos? Talvez erraram o caminho para o quarto de vossa majestade?

Apoiou-se nas grades com uma mão, deixando o corpo pender levemente para o lado. A costela respondeu com pontadas agudas e seus dedos queimaram ao ponto de soltarem fumaça. Ela endireitou-se com uma careta.

Uma das criadas explicou.

— Quem viemos acompanhar é a senhora. A mando da estimada rainha.

Maeve se contorceu ainda mais, incapaz de entender o fundamento daquela ordem.

— Trouxemos suas roupas e água para um banho, — continuou — Assim ficará apresentável.

— Apresentável para quem? — a serpente perguntou com desdém.

— Para a realeza senhora. Não desejam que se pareça com uma mendiga.

O silêncio caiu sobre eles, sendo substituído pelo barulho da água sendo jogada no balde. Maeve observava, os olhos carregados de curiosidade e escárnio. Sua língua afiada a impediu de ser cuidadosa.

— Algum evento que contará com minha presença?

A criada respondeu sem hesitar — Haverá um banquete.

— Márcia! Cale-se! — o homem que despejava a água interrompeu, irritado. — Faça seu trabalho e saia daqui.

Márcia mordeu os lábios, talvez arrependida de ter falado tanto, mas Maeve sabia que a língua solta da moça poderia revelar mais.

Ela assistiu o criado deixar três baldes, pensando ser um exagero, mas ao olhar sua pele pálida tingida por uma grande sujeira misturada com o suor de noites mal dormidas, sabia que precisava de um banho mais que tudo.

Tendo uma ideia súbita, ela lançou um comentário.

— Falta sabonete.

— O que?

— Se esperam por mim no banquete, no mínimo tenho que ir apresentável, e eu preciso ficar exalando cheiro de rosas. Assim não espanto a nobreza.

O homem bufou, por um segundo pensando em retrucar, mas acabou saindo após terminar seus afazeres. Maeve sorriu satisfeita. Lembrava-se de quando fazia parte da realeza e dava ordens. Não que gostasse de mandar, mas ser obedecida era, às vezes, reconfortante.

Abusando da hospitalidade, pediu a segunda moça.

— Traga mais toalhas. Talvez eu lave o cabelo.

A criada hesitou, mas respondeu com firmeza.

— Não será necessário. A senhora usará a mesma toalha.

Maeve se espantou com a afronta, tendo seu plano jogado por água abaixo, mas não deixou-se abater. Então ameaçou.

— Ontem a rainha me ofereceu de bom grado toda a hospitalidade necessária — começou Maeve, sua voz baixa e ameaçadora — não sei se ela iria apreciar uma criada tão rude. Talvez nem seja necessário contar-lhe esse detalhe… outros farão isso por mim.

Com os olhos arregalados e vermelhos, a moça saiu correndo pelas calçadas. Saltando alguns degraus e deixando Maeve a sós com Márcia.

A serpente não perdeu tempo.

— Me perdoe se a assustei, não foi minha intenção.

A criada deixou seus olhos pequenos em seus afazeres e permaneceu quieta.

Talvez a ameaça foi demais? Maeve tentou de novo.

— Há quanto tempo trabalha para a rainha?

A criada chamada Márcia parou, olhou para soltou e soltou uma respiração profunda.

— Tempo o suficiente, desde que me conheço por gente.

— Então sabe qual a origem do banquete.

Não era uma pergunta, Maeve afirmava com certeza. E seu olhar persistente quase fez a moça ceder.

— Não devo revelar mais, eu me empolguei e soltei mais do que o necessário.

— Não, você fez exatamente o certo.

— Como? O certo é revelar segredos ao inimigo?

— Não deve saber, mas… uma dama tem que estar a par do porque sua presença é solicitada. Principalmente quando se encontra com uma alta patente. — explicou — Não acho que me revelar o motivo do encontro seria errado.

Sua voz nunca saiu tão calma desde que voltou. Agora se via longe de perigo, não era necessário estar na defensiva, o que foi obrigada a maior parte do tempo que esteve em Avalon. Agora ela se portava como uma princesa e exigia o tratamento de uma.

Embora fosse guerreira antes de morrer, Maeve foi ensinada por seu honroso pai a se tornar uma rainha um dia, e sabia se portar e enganar como uma.

Apesar de sua vítima ser alguém inocente que não tinha nada a ver com seus problemas, não podia se dar ao luxo de ter bom senso ou de ser boa. Teria que usar as armas disponíveis para sobreviver pelo tempo que fosse. E iria se deparar sempre com a pergunta: ela ou eles?

Tendo que estar em paz sempre que fosse se escolher.

— Não acredito que seria punida, e sim agraciada. Márcia, não é?

— Sim?

Ela parecia relutante, e Maeve não esperava menos, então não se preocupou em ter que esperar. O criado deveria estar procurando sabonetes igual à agulha lá em cima e a moça que fugiu assustada não voltaria tão cedo, tudo que Maeve tinha era tempo para descobrir.

— Não pode dizer a ninguém que contei… Mesmo que eu não seja punida!

Maeve se animou — Claro, como quiser…

— O rei voltará hoje com sua comitiva, e um banquete está sendo preparado para recebê-lo junto com as centenas de nobres que virão vê-la pessoalmente.

Maeve piscou.

— É o meu julgamento?

— Ainda não, pelo menos não pelo que ouvi… parece que querem mostrá-la, revelar que está sendo torturada a altura. — contou como se tivesse dando a notícia de uma festa — seu julgamento será diante do trono, pelo menos é o que eu acho, e pelo que especulam, sua sentença será em praça pública.

— Mas nada está decidido… ainda!

— Não! — ela tirava as sujeiras das unhas enquanto falava — Contudo, a rainha deseja que a tratemos adequadamente, o que vai contra a hostilidade que está sendo direcionada a senhora… Não sei como o rei reagirá quando vê-la limpa e bem. No fim estou com medo…

Maeve se encontrou em um quebra cabeça onde peças não se encaixavam e outras faltavam, e agora ela sabia, o que menos tinha era tempo, estava condenada.

Com alguma esperança inocente em seu ser, perguntou.

— O rei é ruim? Ele me quer morta?

A criada abriu a boca e fechou completamente sem palavras.

— Pode me contar.

— Vossa majestade tem um temperamento difícil, mas é um bom rei.

As sobrancelhas de Maeve ergueram, sentindo mais medo vindo daquelas palavras do que respeito e devoção. Pelo que se lembrava de Guia contando, seu irmão não era nem um pouco bom ou amigável, mais perto de ser cruel e sem escrúpulos do que ser um homem de boa índole.

Ela se contorceu de raiva, se perguntando porque homens como George Justine se davam bem na vida.

— Ele te odeia pelo que você representa aos magos. — contou exasperada — a senhora abrigou o antigo rei Guia Justine em Arcádia, sua casa, mesmo estando a par dos crimes de guerra que ele cometeu na época. Foi uma traição contra Avalon.

Maeve tentou não bambear com ela mencionando o mago, Guia. Ele fora seu melhor amigo, confidente e braço direito. No passado lutaram lado a lado e ela o defendeu com unhas e dentes daqueles que o acusavam, sua própria família, sua própria raça. Seu próprio irmão. Uma fúria irradiou de Maeve ao pensar que tudo que Guia sofreu era por culpa daquele maldito.

— Os magos também se traíram. — disse com a voz trêmula.

— Não!

— Você não sabe da história! Nem viva estava.

— Sei o que todos sabem, a verdade senhora.

— A verdade de quem? — cobrou com raiva. — Porque a minha verdade é que Guia Justine é inocente.

— Como a senhora?

Maeve deixou seus lábios curvarem de um jeito sinistro. Quase ameaçador.

— Se não acredita em mim porque me revelou tudo isso?

Márcia ficou sem palavras, parecendo finalmente arrependida, terminando o que tinha para fazer disse às pressas.

— Tem razão, sou uma tonta que fala demais, dizem que minha língua será a minha morte. Mas nada do que eu disse irá demorar para acontecer.

— Você não sabe…

— Deveria pensar em si própria. — Márcia avisava — O rei tentará descobrir onde seu parceiro de crime está e irá te torturar até descobrir.

— Nada do que ele fizer vai me impressionar. — repetiu o que já havia dito a Davina — Além do mais, será em vão, não sei do paradeiro de Guia.

Maeve só sabia que o mago estava vivo e bem, sentia sua magia crepitar no fundo do peito de forma desordenada e constante, era a única sensação que a impedia de pensar que estava sozinha no mundo.

— Márcia, está falando demais de novo? — o homem apareceu alarmado, olhando entre as duas — Não dê ouvidos a essa cobra, lembre-se do que Sor Ambrose nos avisou.

— Certo.

O criado jogou os sabonetes e as toalhas entre as grades da cela, não se importando se os materiais fossem sujados no chão escuro ou não, sua maior preocupação deveria ser sua própria segurança, se limitando a não se aproximar um palmo de Maeve. Talvez ele estivesse certo em se precaver.

Maeve demorou para reagir quando eles saíram, e quando fez decidiu tomar um banho demorado, afinal tinha um banquete para ir, por sorte seria bem alimentada e teria que mostrar o quão bem era tratada.

O rei George adoraria sua presença, pensou.