[ Alguns minutos antes de Panthar e Lethion retornarem do deserto ]
Gideon e Oliver cruzaram os portões do palácio no coração do reino dracônico, os passos ecoando suavemente contra o chão de pedra negra e reluzente.
Lá dentro, Hestia, impaciente e empolgada, apareceu diante dos dois, o olhar aceso por uma chama competitiva.
Hestia — VEM VER ALGO NOVO QUE EU FIZ!
Oliver — E-Ei!
Sem hesitar, tomou Oliver pelo braço e o conduziu até a área de treino, deixando Gideon sozinho no corredor central.
O senhor ficou ali.
Imóvel.
Os olhos entreabertos, como se observasse através do tempo.
Como se escutasse vozes que ninguém mais ouvia.
Até que Noctarion surgiu, atravessando o corredor com sua postura firme e altiva.
Ao passar diante de Gideon, seus olhares se cruzaram por um breve segundo.
Nada aconteceu. Nenhum gesto, nenhum som.
Mas quando Noctarion deu mais um passo e começou a se virar... Um rasgo abrupto abriu-se em suas costas.
Não era apenas uma perfuração.
Era uma ruptura violenta, como se um sol em miniatura tivesse colidido com sua carne e evaporado ossos, músculos e escamas.
O cheiro de carne queimada se espalhou pelo corredor.
O barulho do impacto, seco e profundo, reverberou por todo o palácio.
Em questão de segundos, passos ecoaram de todas as direções.
Soryn foi o primeiro a chegar.
Seus olhos congelaram diante da imagem de Noctarion cambaleando, o buraco aberto em suas costas ainda fumegando.
O pânico estampou seu rosto.
Confusão. Choque.
Soryn — NÃAAAAAAAAAAAAAAO — Gritou ela, pressionando seu próprio rosto com suas mãos.
Outros chegaram logo em seguida, mas seus olhos não se voltaram para o corpo caído.
Se voltaram para Gideon.
Oliver e Volk estavam entre eles.
Não disseram nada. Apenas observaram.
Eles sabiam.
Aquele ataque... Veio dele.
Gideon estava parado, porém seu corpo começava a mudar.
Os primeiros estalos soaram baixos, abafados. Como madeira sendo torcida.
Depois, vieram os sons mais agudos. Ossos quebrando. Se reconstruindo.
Os músculos se alongavam, os ombros se alargavam, a pele parecia pulsar em ritmo próprio.
A mudança não era apenas física.
Era como se o próprio ar ao redor dele estivesse se retorcendo.
E o silêncio, por um instante, pareceu mais aterrador que qualquer grito.
Todos os Pecados presentes no local souberam, no instante em que o viram moldar seu corpo, que aquele ser diante deles não era humano.
Não mais.
Mas antes que qualquer um deles pudesse reagir, antes que pudessem tomar sua forma humanóide e entrar em combate...
Foram atacados.
Klythos, foi o primeiro... Uma rajada de energia incandescente colidiu com seu rosto, queimando seu corpo em um segundo.
Caelith, sequer teve tempo de pensar, um feixe fino, preciso, cortou o ar e atravessou seu crânio como uma agulha em papel.
Razen foi dividido ao meio, o corte foi tão limpo e veloz que o sangue ainda tremeluzia no ar antes que seu corpo tocasse o chão.
Lustara, mal conseguiu levantar o olhar... Sua cabeça explodiu em uma massa de calor e luz, espalhando cinzas onde antes havia expressão.
Tudo isso...
Aconteceu em milésimos.
Milésimos que transformaram uma simples reunião em um campo de extermínio.
Hestia foi a primeira a reagir.
Um movimento, um gesto, o frio se expandindo ao seu redor como uma onda congelante.
Hestia — DESGRAÇADO! ICE STOR–
Mas antes que completasse a técnica, Oliver a puxou violentamente para baixo.
No exato momento em que um corte horizontal rasgava o ar onde sua cabeça havia estado.
Volk, movido pela fúria, ativou seu novo poder.
Aprimoramento corporal total.
Chamas vermelhas subiram por sua pele, queimando músculos, forçando seus limites até o ponto de ruptura.
Era perigoso.
Era suicida.
Mas ele avançou.
O chute veio com força suficiente para destruir rochas milenares, mirando o rosto de Gideon.
E foi interrompido.
No último instante, Oliver o ergueu no ar com sua telecinese.
Azazel havia criado um rápido canal de comunicação na mente de todos.
Oliver — [CUIDADO!] — Mandando um sinal de telepatia.
Volk foi arremessado para cima, escapando por centímetros de uma explosão brutal de calor que vaporizou o chão onde estava.
Oliver não parou.
Desacelerou o tempo ao redor de Gideon.
Reverteu a gravidade em seu eixo.
E com um movimento preciso e brutal, acertou um soco direto no peito do monstro.
O impacto quebrou o ar, distorceu o espaço, e lançou Gideon como um projétil através das paredes do palácio.
Cada pedra rachou.
Cada coluna tremeu.
E o silêncio, agora, não era mais de dúvida... Era de guerra.
Oliver puxou Volk para baixo no ar, forçando sua queda brusca até o chão.
Volk — PARTIU!
Oliver — Isso vai ser complicado...
Assim que os pés tocaram o solo, os dois avançaram sem hesitar.
Poeira ainda pairava no ar, resquício do impacto anterior.
Mas a figura à frente deles já não era mais a mesma.
Gideon… ou o que restava de Gideon… estava mudado.
O corpo havia se alongado, os músculos engrossado a ponto de deformar o formato original.
Sobre a pele, escamas douradas reluziam como lâminas sob a luz do ambiente.
Não era um dragão.
Não era uma fera comum.
Não era algo conhecido.
Os olhos não tinham pupilas, apenas o brilho de algo que não pertencia àquele mundo.
As veias pulsavam como cordas de energia viva.
Cada passo que dava afundava o chão, e mesmo parado, o ar ao redor tremia, como se o espaço estivesse rejeitando sua presença.
Oliver e Volk sentiram o mesmo arrepio no instante em que o viram ereto entre os escombros.
Não era uma ameaça.
Não era um inimigo.
Era algo muito pior.
A única coisa que passou em suas mentes naquele instante...
Aquilo…
Era uma calamidade.
[ Voltando ao presente ]
Nyx — O que é... Aquela coisa?
Panthar — A gente tinha estranho...
Lethion — Helzar... O pecado do... Orgulho...
Nyx — Como? Todos vimos as memórias do Gideon, a cultivação não mentiria.
Panthar — Não é sobre mentir, é algo mais profundo... Mas, a nossa prioridade agora é cuidar dos feridos.
Nyx — Mas... O Oliver e o Volk?
Lethion — Eles seguram o Helzar...
Nyx — SEGURAM?!
Panthar e Lethion voaram em direção aos corpos dos seus irmãos, emprestando um pouco de mana para eles se recuperaram.
Nyx ficava olhando pela janela, toda aquela destruição... Será que isso teria um final feliz?
Enquanto isso, lá fora, cenário era outro.
Agora, Oliver e Volk enfrentavam uma entidade de força pura: o Pecado do Orgulho, Helzar.
Ele não era apenas forte.
Era rápido, preciso, e envolto por um manto de energia que distorcia até mesmo a realidade ao seu redor.
Oliver — De acordo com suas memórias... Helzar...
Volk — É... O desgraçado do orgulho.
Oliver — Sem tempo a perder...
Volk — PARTIU!
Ambos partem furiosamente para cima do inimigo.
Enquanto Oliver desviava com esforço, estudando os movimentos com olhos frios, Volk investia.
Socos, chutes, golpes direcionados com tudo o que tinha... nenhum deles causava dano.
Era como atingir uma montanha com punhos de vento.
Mesmo usando seu poder ao limite, o corpo de Helzar permanecia intocado.
Até que, em um instante de fôlego, Oliver parou à frente dele.
Ergueu o olhar.
A pergunta veio direta, sem hesitação.
Oliver — Onde está Gideon?
A resposta de Helzar soou como uma sentença:
Helzae — Ele era eu... E eu sou ele...
Oliver não precisou de mais provas.
O ar ao seu redor mudou, como se o tempo voltasse, mesmo que por um segundo apenas em sua mente.
Ele lembrou.
Do treinamento nas águas.
Do momento em que tentava meditar... As correntes de água que o cercavam.
A água se movia… mas não havia runas.
Não havia líquido negro em suas veias.
Desde a primeira morte, ele sabia.
Era diferente.
Volk, confuso, questionou.
Volk — E então, Oliver, ele é realmente o seu pai?
A resposta foi curta, mas densa.
Oliver — Aparentemente...
Ele era filho do próprio Orgulho.
Mas algo ainda não fazia sentido.
Se Gideon era um ser à parte… como poderiam existir dois dentro de um só corpo?
As memórias começaram a se encaixar.
Peças de um quebra-cabeça ignorado por anos... Lembranças do pai.
Palavras que se repetiam.
Orgulho.
Orgulho disso.
Orgulho daquilo.
Oliver olhou diretamente nos olhos de Helzar.
E perguntou.
Oliver — Gideon… realmente existiu?
E o pecado confirmou.
Helzar — Sim, ele existiu.
E então Oliver fez a pergunta que mais importava em sua mente.
Oliver — Como tudo aquilo começou?
Helzar — Hm... Como eu sei que vou vencer... Aproveite e escute... Aliás, Volk... Você também.
O pecado continuou e disse que o mundo normal e o mundo de agora sempre estiveram distantes.
Dois planos, duas naturezas.
Mas um certo Deus…
Um ser acima, desejou que os humanos evoluíssem.
E para isso, fez com que o mundo dos monstros crescesse sobre o mundo normal.
No início, apenas os Pecados podiam atravessar.
Mas os outros seis não se importavam com os fracos.
Seres humanos? Patéticos.
Mas ele… Helzar…
Queria algo de que pudesse se orgulhar... Queria criar algo seu.
E assim, assumiu a forma de um humano.
Criou Gideon.
E conheceu uma mulher.
A mãe de Oliver... Com ela, teve um filho.
Oliver.
Mas com o passar dos anos, algo estranho aconteceu.
Helzar começou a mudar.
Sentimentos surgiram.
Algo cresceu dentro dele... Algo humano... E esse foi seu erro.
Os outros Pecados sentiram.
Perceberam a falha, tentaram destruí-lo.
Mas Helzar reagiu.
Separou sua parte humana, oque restava de Gideon e a deixou na Terra.
Enquanto sua verdadeira forma, a calamidade, enfrentava os seis.
Mesmo que fossem forças primordiais, Helzar era o Orgulho.
E o Orgulho… sempre fala mais alto.
Ele venceu.
E os matou várias vezes, até que eles regrediram, voltando ao ponto inicial de suas existências.
Quando retornou ao corpo de Gideon, algo havia mudado.
Sua mana estava corrompida.
E, sem controle, foi parar na mãe de Oliver.
A destruiu por dentro.
A deixou à beira da morte.
Mas então, teve que escolher.
Passar a corrupção para Oliver…
Ou deixá-la nela.
Não podia simplesmente jogar aquilo em qualquer um.
Se a pessoa errada despertasse, mais pessoas irão ter acesso ao seu poder.
Então, selou a maldição.
Usou uma magia proibida.
E trancou aquela podridão no corpo da mulher.
Transformando o que poderia ser uma nova calamidade…
Em uma doença incurável...
Volk — E CADÊ EU NA HISTÓRIA? SEU FILHO DA PUTA!
Volk partiu para cima sem hesitar.
O vento cortava ao redor enquanto seus punhos rasgavam o ar, mirando o rosto de Helzar.
Mas o Orgulho já estava entediado.
Seus olhos se estreitaram.
— Já tive o suficiente dessa brincadeira.
Foi nesse momento… que algo surgiu.
Das costas de Helzar, uma presença se formou.
Como uma miragem que se tornava carne, uma figura feminina apareceu.
Uma jovem mulher.
Delicada.
Serena.
Os olhos de Volk se arregalaram... Uma memória voltou naquele instante... O nome dela...
Volk — MARYYYY!
O peito do guerreiro parou por um segundo.
Era ela.
Sua amada.
A mulher que ele jurava ter perdido.
E naquele instante, Volk cometeu o maior dos erros.
Vacilou.
Baixou a guarda.
Foi o que Helzar precisava.
Em um instante, com a frieza de quem descarta uma peça inútil, ele avançou e desferiu um único golpe no peito de Volk.
Um soco tão veloz que rasgou o som.
Tão preciso que esmagou o ar ao redor.
O impacto o lançou como uma flecha maldita.
Volk foi arremessado por quilômetros.
Atravessou casas.
Quebrou montanhas.
Desfigurou o solo.
Só parou quando, em meio ao caos, cravou as mãos no chão e rasgou a terra com os dedos.
O sangue escorria dos lábios.
A respiração falhava.
Mas seus olhos…
Carregavam certeza.
Ela estava viva e ele sabia.
Helzar não mentiria com isso... Ele não precisava...
De volta ao campo de batalha.
Oliver se manteve firme diante da calamidade.
Seu punho cerrado.
Seu olhar queimando.
Oliver — Você se lembra do nome da minha mãe?
Helzar arqueou uma sobrancelha, entediado.
Helzar — Tsc... Por que eu lembraria do nome de uma criatura tão insignificante?
E então, cuspiu as palavras com veneno.
Helzar — Aquela mulher inútil... Aquele lixo humano, um pedaço de carne podre, uma vadia fraca que chorava o tempo todo.
E não parou...
Helzar — Um fardo que eu deveria ter esmagado no primeiro segundo, um verme repugnante que ousou me tocar... Um erro patético.
As palavras se espalhavam como ácido.
Mas Oliver não ficou calado.
Oliver — VAI SE FODER! NÃO DESRESPEITE… A ALICE! — Gritou com força.
O nome ecoou como uma lâmina.
Cortando até o silêncio do ar.
Helzar parou por um segundo.
E então riu.
Helzar — Então era esse o nome daquela cadela.
O sorriso se alargou.
Helzar — Alice… heh... Você cresceu, Oliver, seu corpo é de homem… Mas sua mente… Ainda é a de um menino... Um menino quebrado... Um filho de um erro.
Oliver — Como?
Helzar — Que pensa que pode olhar nos olhos do Orgulho e sair inteiro.
Oliver — PEGA ESSA SUA MERDA DE ORGULHO E ENFIA NO RABO!
Os olhos de Oliver brilharam.
De raiva... De decisão.
A verdade doía.
Mas agora…
Ele sabia exatamente quem era... O chão rachou sob os pés de Oliver.
Ele avançou como um trovão.
Os punhos cerrados.
A alma em chamas.
O ar explodiu com o impacto do primeiro soco.
Mas Helzar nem sequer piscou.
O braço dele se moveu como uma serpente, desviando o golpe com uma facilidade insultante.
E antes que Oliver percebesse…
Oliver — Guh—
O punho do Orgulho afundou em seu estômago.
O impacto dobrou seu corpo.
O ar escapou de seus pulmões como um lamento.
Helzar não parou.
Puxou Oliver pelo braço e o lançou contra o chão com força descomunal.
O solo cedeu.
Uma cratera se formou no impacto.
Helzar — engraçado que... Os pecados tentaram me matar por eu ter me aproximado de uma humana, mas agora, se aliaram a um humano...
Antes que Oliver pudesse reagir, um chute acertou sua costela.
E outro.
E mais um.
O corpo dele voava entre os golpes como uma marionete sem controle.
Cada ataque era preciso.
Cada impacto era humilhante.
Helzar — Vamos, filho do orgulho. — disse com a voz repleta de sarcasmo. — Mostre que não é só mais um erro dessa história.
Oliver cambaleou de pé, o rosto sujo de sangue e terra.
Os joelhos tremiam.
Mas ele ainda avançou.
Desacelerou o tempo.
Reverteu a gravidade.
Se moveu com tudo o que tinha.
Um golpe cruzado cheio de força…
Mas Helzar simplesmente desapareceu.
E surgiu atrás dele.
Helzar — Lento.
Acertou a nuca de Oliver com o cotovelo.
O detetive caiu de joelhos.
O mundo girava ao redor.
A visão embaçada.
Ele tentou se levantar…
Mas foi pisado.
O pecado cravou o pé em suas costas e o empurrou contra o chão.
Helzar — Você realmente acreditou que poderia me ferir? Eu sou o PRÓPRIO motivo da sua existência!
Então levantou Oliver com uma mão só, segurando-o pelo pescoço como se fosse uma boneca de pano.
— Você não entende ainda? Você não nasceu pra me derrotar… Você nasceu pra me glorificar.
Oliver cuspiu sangue no rosto dele.
Oliver — Vai a merda...
Helzar — Aí está. — Sorrindo. — O pequeno resquício de orgulho… Que ainda resta em você.
E com um estalo de dedos, o mundo ao redor se partiu.
O chão desapareceu.
O céu se apagou.
E ambos sumiram em um rasgo dimensional.
Silêncio.
Quando Oliver abriu os olhos, o lugar era... estranho.
Não havia cor.
Não havia som.
Era como se o mundo estivesse suspenso no tempo.
Helzar estava ali, ao lado, olhando o horizonte branco infinito.
Helzar — Chegamos, Oliver.
Ele virou o rosto devagar.
Helzar — Aqui é onde tudo começa… E onde, se você falhar… tudo termina.
Oliver caiu de joelhos.
As palavras de Helzar ecoavam como um presságio.
Ali… não havia mais ninguém.
Somente o Orgulho.
E seu filho.
Pronto para conhecer o abismo.
Escuridão...
Apenas o som de sangue pingando preenchia o silêncio.
Ploc.
Ploc.
Oliver estava suspenso por correntes.
Braços abertos.
Pés a poucos centímetros do chão.
Seu corpo, antes firme, agora era apenas um farrapo de carne e resistência.
Helzar observava.
Com calma.
Com frieza.
Helzar — Você ainda tem seus olhos... Isso é bom. Quero que veja tudo.
Ele estalou os dedos.
O ambiente se iluminou com tochas esverdeadas, revelando o que parecia ser uma câmara de outro mundo.
Não havia paredes.
Apenas véus de mana densa como fumaça.
Helzar caminhava lentamente, girando um pequeno objeto entre os dedos.
Uma pinça dourada.
Helzar — Sabe, filho... tortura não é só dor... É reeducação.
A primeira coisa foi o dedo mindinho de Oliver.
Helzar o arrancou com uma lentidão cruel.
Sem magia, sem corte limpo.
Apenas pressão.
Estalos.
E depois silêncio.
Helzar — A dor... é apenas a superfície... O que eu quero... é o que está embaixo.
Oliver gritou.
Mas sua garganta já estava seca.
Helzar — Vamos fazer assim... Cada vez que você mentir pra si mesmo... eu tiro mais um pedaço... Você é fraco, Oliver?
O detetive riu.
E foi o segundo dedo.
Oliver gritava agora em silêncio.
A boca aberta, os olhos arregalados.
A alma querendo fugir do próprio corpo.
Mas Helzar não deixava.
Helzar — Você ainda acredita que é um herói, não é? Ainda acredita que pode salvar alguém?
Outro estalo.
Agora, o dente canino foi arrancado com brutalidade.
Helzar — Cadê seu orgulho agora? Cadê sua justiça, sua fé, sua coragem Onde estão todos aqueles discursos bonitos, que fez nas lutas anteriores, hein?
Oliver tentou reunir mana.
Mas o ambiente drenava tudo.
O braço negro? Inerte.
A cultivação? Selada.
Ele era apenas carne.
E carne… apodrece.
Helzar pressionou sua testa contra a de Oliver.
Helzar — Diga que você é apenas um erro... Diga que só nasceu porque eu deixei.
Oliver apenas encarava, os olhos cheios de lágrimas, mas sem ceder.
Helzar suspirou.
Helzar — Então vamos mais fundo.
Abriu o peito de Oliver com as próprias mãos.
Sem pressa.
Sem anestesia.
Helzar — Vamos ver até onde você aguenta sendo humano.
Horas se passaram.
Ou dias.
Talvez meses.
Para Oliver, parecia uma eternidade, já não chorava.
Suas lágrimas haviam secado junto com a esperança.
A única coisa que restava... era o vazio.
O corpo amarrado pelas correntes de mana negra pendia, mole, quase sem vida, com os olhos semiabertos, quase sem brilho.
Helzar caminhava com calma pelo salão silencioso.
Seu rabo começou a se mover.
Longo, escamoso, terminando em uma ponta pontiaguda como uma lâmina viva.
De repente, ele cravou a própria cauda nas costas — na base da coluna — e puxou.
Um rasgo se abriu, como se estivesse desenterrando algo preso há eras.
Do corte grotesco, envolto em mana pútrida, saiu um corpo.
O corpo de Alice... Envolto em panos escurecidos, mas visivelmente intacto.
Sem cor, sem alma, mas reconhecível.
Helzar a segurava como se fosse um troféu.
Helzar — Olhe, Oliver... A mulher que te deu a vida.
Oliver arregalou os olhos.
As pupilas dilataram.
O coração disparou em pânico.
Mesmo torturado, mesmo destruído, a dor agora era outra.
Era insuportável.
Helzar — Sabe... carregar isso dentro de mim foi desconfortável... Mas era o que me restava de humanidade.
Ele lançou o corpo de Alice no chão com desrespeito.
Como se fosse lixo.
Oliver soltou um grito sufocado.
Um ruído quebrado, misto de dor e incredulidade.
Helzar se aproximou, ajoelhando ao lado do cadáver.
Passou os dedos pelo rosto pálido da mulher.
Helzar — Ela realmente parece... deliciosa.
A língua de Helzar lambeu os próprios dentes como um predador faminto.
Mas então ele parou.
Helzar — Embora... Ultimamente ando escutando choros... Duas vozes... Crianças... sempre chorando.
Ele olhou para o vazio.
Depois balançou a cabeça.
Helzar — Mas isso não importa agora... O que importa...
Ele encarou Oliver.
Depois olhou para Alice.
E sorriu.
Um sorriso distorcido, largo demais para ser humano.
Oliver balançava a cabeça em negação, chorando como uma criança, desesperado, tentando se mover, tentando quebrar as correntes, implorando.
Oliver — Não... NÃO... NÃO FAZ ISSO!
Helzar ignorou.
Com brutalidade, cravou as mãos no corpo de Alice e arrancou um pedaço do peito dela.
Sangue escuro jorrou.
O som do rasgo foi grotesco.
Ele segurou o pedaço diante de Oliver.
Helzar — Ainda se considera humano...?
Oliver não respondeu.
Não conseguia.
Ele apenas soluçava, destruído.
Helzar aproximou-se, pegando o rosto do filho com uma das mãos.
A outra forçou o pedaço ensanguentado em sua boca.
Oliver se debateu.
Mordeu a língua.
Tentou cuspir.
Mas Helzar segurou sua mandíbula com força monstruosa.
Helzar— Engula... ENGULA!
E então forçou.
Até que desceu.
Glub.
Oliver arregalou os olhos.
Sentiu o gosto da morte.
Sentiu o gosto do próprio inferno.
Vomitou.
Mas era tarde demais.
Helzar limpou as mãos no rosto dele.
Helzar — Agora sim... Começamos de verdade.
Helzar lambeu o sangue dos dedos e sorriu.
Helzar — Você conseguiu...Engoliu o primeiro pedaço, isso te torna forte… ou fraco?
Oliver vomitava no chão de pedra.
Suas correntes tilintavam enquanto ele tentava se arrastar para longe, mas não havia para onde correr.
Helzar puxou outro pedaço do corpo de Alice.
Helzar — Aqui… um pouco da clavícula... Quer mais?
Ele forçou novamente a mandíbula de Oliver aberta.
Helzar — Abre.
Oliver balançava a cabeça em pânico, lágrimas escorrendo como cascatas.
Ele tentou morder a mão de Helzar, mas o demônio apenas riu.
Helzar — Sabe qual é o problema dos humanos? Fingem ter moral… até o gosto da fome chegar.
Com brutalidade, ele enfiou o segundo pedaço.
Sangue escorria pelo queixo de Oliver.
Helzar — Engole... Ou eu enfio lá no seu estômago com a mão.
Sem força para resistir, o corpo de Oliver cedeu.
O pedaço desceu como uma pedra.
Helzar bateu palmas lentamente.
Helzar — Bravo... Bravo... Comeu da própria mãe.
Ele se aproximou, sussurrando no ouvido de Oliver.
Helzar — Ainda se considera humano?
Oliver tremia.
Não havia resposta.
Só o som de sua respiração fraca, descompassada.
Helzar então retirou outra parte... Agora, uma das mãos de Alice.
Helzar — Vamos testar o quanto aguenta... Um filho devoto... Deve consumir tudo.
Mais uma vez, ele forçou.
O maxilar de Oliver rangia.
Ele tentava resistir, mas a pressão de Helzar era absurda.
Helzar — ENGULA!
Oliver gritou.
Desespero puro.
Mas a mão desceu.
Com ossos, com carne, com tudo.
Ele tossiu sangue.
Vomitou mais uma vez.
Tentou sufocar com os próprios fluidos, mas Helzar apenas limpou seu rosto como quem limpa um quadro sujo.
Helzar — Você não vai morrer, Oliver. Não agora... Ainda há muitos pedaços... Ainda há muito o que aprender.
Oliver chorava.
Não por dor.
Não mais.
Agora, era pela perda de tudo que fazia dele… ele mesmo.
Helzar levantou o que restava do corpo de Alice e o sacudiu como se fosse um saco de carne.
Helzar — Quantos pedaços faltam pra você parar de dizer que é humano? Vamos descobrir.
Ele sorriu.
E preparou o próximo.
[ Palácio em Ruínas – Salão Principal – 4 Horas pós o desastre]
Pedaços do teto ainda caíam.
O vento frio atravessava o buraco gigantesco deixado por Helzar.
Hestia estava no centro do caos.
Hestia — VOCÊS FICARAM PARADOS!
O grito dela ecoou como um trovão.
Hestia — Ninguém fez NADA?
Os Pecados, agora regenerados, assistiam em silêncio.
Nem mesmo Lethion ousava falar.
Volk apareceu, depois de quilômetros andados, cambaleando.
Seu corpo estava dilacerado.
A armadura já não existia.
Sangue seco e novo cobriam seu rosto.
Ele entrou pelo mesmo buraco feito antes por Helzar, com o passo arrastado, e parou diante de todos.
Hestia o viu e gritou...
Hestia— VOLK! VAMOS ATRÁS DELE, AGORA!
Mas Volk não se moveu.
Ergueu lentamente os olhos, cansados.
Volk — Você sabe onde eles estão?
Silêncio.
Volk — E mesmo se soubéssemos… se nem eu e Oliver conseguimos arranhar o Helzar… Como a gente venceria? Com palavras?
A sala congelou.
Hestia começou a tremer.
Pequenos raios escapavam pela sua boca entreaberta.
Sua energia se distorcia.
Hestia — VOCÊ É UM INÚTIL! VOCÊS TODOS FORAM INÚTEIS! EU FUI UMA INÚTIL! ENQUANTO ESTAMOS AQUI… O MEU PAI ESTÁ EM TERRITÓRIO INIMIGO!
Ela caiu de joelhos, socando o chão.
Explosões elétricas varreram o mármore.
Perto dali, Noctarion ainda estava sendo reconstruído por Razen, que lentamente religava os tendões, moldando músculo por músculo.
No fundo do palácio, Raviel corria para dentro do laboratório de Barthan.
As portas bateram.
Ela caiu de joelhos diante de um velho tubo de contenção vazio.
Raviel — Por que… Por que eu não consegui fazer nada...?
As lágrimas eram silenciosas, mas constantes.
Mizuki, sozinha em outro canto, mordia os próprios lábios.
Estavam em carne viva.
O sangue escorria.
Mizuki — Merda… merda… MERDA!
Ela socava a parede.
Até seu punho trincar.
E então, Nyx.
Sem uma palavra, ela se virou.
Saltou pela janela quebrada.
Estendeu as asas.
E subiu.
Subiu até passar pelas nuvens.
Até os ventos sumirem.
E lá, no silêncio absoluto das alturas...
Nyx — OLIVER!!!
Seu grito cortou o céu.
Quebrou o ar.
Todas as raças ouviram.
Em todas as partes do reino.
E Melyris…
...tremia sem parar.
Encostada numa parede, com os olhos arregalados.
Melyris — Pai... Volta pra casa...
As pétalas ao redor dela começaram a murchar.
O ar da sala ficou pesado.
Os Pecados Capitais se entreolharam.
Nenhum ousou se manifestar.
Panthar, com olhos baixos, murmurou...
Panthar — O nível dele… mudou.
Lustara— Helzar era forte… mas agora... — Completando. — É como se tivesse feito um pacto com algo que... não é deste mundo.
O caos não era mais externo.
Era interno.
Era psicológico.
E pela primeira vez…
…eles questionaram se o mais forte deles realmente teria volta.
De volta ao local misterioso.
O chão estava coberto de sangue seco.
O cheiro de carne queimada e podridão tomava o ar.
Oliver estava jogado como um boneco de pano.
O rosto inchado.
O corpo enfaixado com as próprias veias retorcidas.
As mãos desfiguradas.
Helzar, com um sorriso largo e sujo, se curvava sobre ele.
Helzar — Parabéns.
Ele dava leves tapinhas no rosto de Oliver.
Helzar — Você conseguiu engolir tudo.
Ria.
Helzar — Quanta força de vontade, não? Ou seria pura... fraqueza humana?
Oliver não respondia.
Seus olhos não piscavam.
A boca entreaberta deixava escapar gotas de saliva misturada com sangue.
Helzar — Então me diga, Oliver.
O pecado se ajoelhou diante dele.
Helzar — Você ainda se considera humano...?
Silêncio.
Helzar se irritou.
Puxou brutalmente o cabelo de Oliver para que ele o encarasse.
Mas os olhos já estavam virados.
Desmaiado.
Helzar soltou um suspiro quase decepcionado.
Helzar — Tsc… adormeceu? Bem… não tem problema.
Lentamente, seus pés começaram a se desfazer em fumo negro.
Helzar— Afinal... ainda tem tanta carne deliciosa pra ser degustada... Especialmente… no reino dracônico.
Helzar desapareceu como fumaça, deixando para trás apenas o cheiro da morte.
[ Subconsciente de Oliver – Plano Interior ]
Cinza.
Um cinza sujo, frio, que engolia tudo ao redor.
Não havia luz.
Não havia branco.
Apenas um nevoeiro constante...
...e o som.
Dois choros.
Fracos.
Distantes.
Infantis.
Oliver não conseguia andar.
Não sentia suas pernas.
Estava deitado.
Preso.
E mesmo ali, no fundo de sua mente, a dor ainda existia.
Espíritos vagavam à sua volta.
Formas pálidas e indistintas.
Algumas o observavam.
Outras passavam direto.
E então...
Um vulto.
Ao longe.
Se aproximando lentamente.
Os contornos ficavam mais definidos.
Mais familiares.
Até que finalmente...
Oliver — Alice...? Mãe...?
O rosto sereno.
O cabelo como ele lembrava.
Os olhos maternos que agora olhavam para ele.
Alice — Oliver...
Sua voz ecoava como um sussurro sagrado em meio à escuridão.
Ela se ajoelhou diante dele.
Estendeu a mão.
Mas...
Ela também chorava.
E ao fundo... os dois choros continuavam.
Mais fortes.
Mais reais.
E, de alguma forma, ele sabia...
Eles não vinham dele.
Eram de alguém que ele ainda não conhecia.
[Fim da Quinta Temporada]