Um Destino Cruel

O sol dourava os campos, tingindo de âmbar os varais estendidos entre duas árvores, onde roupas secavam preguiçosamente ao sabor do vento. A terra era morna e úmida, coberta por uma relva macia que se curvava sob os pés descalços. Ao fundo, atrás de uma cabana simples feita de madeira escura e telhado gasto, um velho sino de ferro repousava na estrutura de uma igreja rural.

Sentados em um círculo improvisado com troncos de árvore cortados, estavam três pessoas. A mulher tinha a pele queimada de sol, os cabelos negros trançados e presas com uma fita de pano claro, e olhos castanhos que pareciam conter a sabedoria de quem viveu demais e ainda assim conservava ternura. Ela repousava os braços sobre os joelhos e falava com calma, mas firmeza.

"Você sabe o que me preocupa?" disse ela, olhando para o menino à sua frente.

Seu filho, de cerca de quinze anos, estava inquieto. Os olhos intensos e castanhos ardiam com energia, a mandíbula tensa. Os cabelos curtos se arrepiavam conforme ele se movimentava, e seu corpo magro já começava a tomar forma de um jovem guerreiro, músculos endurecidos por esforço e juventude. Ele cerrava os punhos enquanto ouvia.

"O que você fará com o poder que tem."

"Eu vou lutar, mãe!" respondeu ele, rápido demais.

A mulher arqueou uma sobrancelha.

"Lutar para quê?"

"Para vencer!"

Ela cruzou os braços.

"Vencer quem?"

O menino hesitou um instante. "Quem ficar no meu caminho."

"Se é só isso, então você já perdeu..." disse ela, em voz baixa, e o silêncio que seguiu soou mais duro que qualquer reprovação.

"Como assim mãe?"

"Força sem propósito é só violência. Você não precisa ser o mais forte. Precisa ser o mais necessário."

O menino franziu o cenho, tentando entender.

"E o que isso significa?"

"Significa que, quando alguém olhar para você, precisa ver segurança, não ameaça." Ela fez uma pausa. "Se tudo o que aprender for para destruir, um dia será tratado como algo que precisa ser destruído."

"Então o que eu faço, mamãe?"

"Usa sua força para proteger, não para provar."

O garoto baixou os olhos, a respiração pesando um pouco.

"Sim, mamãe..."

Ela se inclinou para frente, e com um toque carinhoso no queixo dele, o fez encará-la novamente.

"O respeito que importa não é o que se impõe, mas o que se constrói."

Mais atrás, em silêncio, uma jovem os observava. Sentada com as pernas cruzadas na grama, ela sussurrava com um pequeno rosário entre os dedos. Os olhos eram atentos, profundos como poços escuros, e sua pele era morena e suave como terra recém-molhada. Tinha o cabelo preso num coque alto, e seus pés descalços estavam manchados de poeira.

O vento passou entre eles, balançando o sino da igreja com um tinido quase imperceptível.

...

O pátio do orfanato estava repleto de risadas infantis e movimentos frenéticos. Algumas crianças corriam e pulavam, brincando em uma simulação de pega-pega, enquanto outras estavam sentadas em pequenos grupos, envolvidas em atividades mais introspectivas. Uma mesa ao fundo reunia quatro delas em torno de um tabuleiro de xadrez. As peças se moviam rapidamente, sem hesitação. Cada lance parecia um reflexo mecânico de uma mente que já previa as próximas jogadas com uma frieza aterradora.

Senhor Borba observava a cena com um olhar pensativo, os dedos tamborilando na beirada do parapeito. Ao seu lado, um homem de postura impecável mantinha os braços cruzados. Seu terno elegante se ajustava perfeitamente às proporções atléticas de seu corpo. O cabelo liso e oleoso, penteado para trás, destacava os olhos penetrantes, verdes como esmeraldas lapidadas.

"A verdade é que isso é um pouco assustador... e por isso te chamei aqui, Mestre Damian." Senhor Borba quebrou o silêncio, sem tirar os olhos das crianças.

O homem ao seu lado permaneceu impassível, apenas inclinando a cabeça levemente. "É compreensível. Eles são realmente muito jovens. Peço perdão por não ter vindo antes."

Borba soltou um suspiro, esfregando o rosto. "Em menos de três meses, eles se desenvolveram de forma absurda. Nós sabemos que a educação de um mago normalmente leva de dez a quinze anos, mas no caso deles..." Ele apontou discretamente para a mesa de xadrez. "Veja aquilo. Eles jogam como máquinas. Suas mentes funcionam como um algoritmo de otimização. Em termos de pura habilidade técnica, já estão no nível de Grandes Mestres. O que lhes falta é experiência e intuição mais refinada, mas isso virá com o tempo. A capacidade de retenção deles é absurda. Métodos de ensino convencionais são lentas porque suas memórias são praticamente fotográficas. Qualquer padrão que possa ser identificado, eles captam instantaneamente."

Damian sorriu de forma quase imperceptível. "Um milagre que os tenhamos encontrado, mesmo que pra isso tenha ocorrido uma tragédia. A verdade é que eles são dragões. Mesmo que fossem agrilhoados pelo destino a crescer em nas cavernas mais profundas, ainda assim instintivamente alçariam voo. Mesmo um Avatar de nível 1 não seria o bastante para os atrasar."

Borba assentiu lentamente. "Por isso te chamei aqui. Se me recordo bem, você foi o Mentor de Travis Williams."

Os olhos verdes brilharam com um lampejo de interesse. "E você teme que a história se repita?"

Borba permaneceu em silêncio por um instante. "O conhecimento que eles adquiriram apenas com a esfera de Mente é vasto. Se avançarmos para outras esferas... eu não sei onde isso pode acabar. Eu preciso de ajuda para guiá-los antes que cruzem esse limite sem perceber."

"Você tem medo de ensina-los as outras Esferas?"

"Bem... Estou caminhando devagar, eles já tiveram acesso a uma segunda esfera."

"Devo avisa-lo que como um Mentor, você tem total responsabilidade caso você os atrase. Estagnação gera frustração. Frustração leva ao rompimento. E magos frustrados..." Borba por um momento prendeu a respiração. "Mas eu entendo. Magos são difíceis de controlar."

Damian olhou para as crianças mais uma vez, seus olhos analisando-as como um estudioso observando um experimento. "Antes de prosseguir na lapidação desses talentos, devo perguntar, como o Mentor deles, quão talentosos eles são?"

"Se pergunta do Avatar deles... Bem, tirando o jovem Dorian," Ele disse apontando para Dorian entre as crianças. "cujo Avatar é de nível 2, todas as outras crianças tem um Avatar de nível 1." Borba explicou.

Damian pensou por um momento com a mão no queixo. "Talvez isso nos indique como ocorreu o despertar dessas crianças... Talvez Dorian tenha sido o ponto de ignição naquele porto."

"Sim, eu também tive essa teoria. Enviei alguns Adeptos de Tempo e Espírito. De fato, Dorian foi o primeiro a despertar naquele lugar. Mas, ao despertar, algo inesperado aconteceu. Talvez ele tenha desejado salvá-los. E esse desejo foi tão forte, tão absoluto... que seu Avatar se fragmentou."

Damian arregalou os olhos, voltando o olhar para Borba com surpresa.

"O quê? Ele fragmentou o próprio Avatar?"

"Sim. Foi o que os Adeptos me relataram. Partes do Avatar de Dorian se espalharam. Algumas se fundiram aos corpos das outras crianças presentes, até mesmo dos socorristas e policiais que chegaram depois. Outras se perderam na Umbra."

Damian agora olhava para Dorian com excitação nos olhos. "Então essas crianças não despertaram sozinhas. Elas carregam pedaços do Avatar de Dorian?"

"Exato."

"Isso é... fascinante. Um despertar coletivo provocado por um único Avatar. Um sacrifício espontâneo. E você chama isso de pena?"

"É uma pena pelo que ele perdeu."

"Borba... você não está vendo? Isso é uma oportunidade rara! Assim como matéria e energia, o Avatar também não se destrói, apenas se transforma. Esses fragmentos existem. Estão por aí, na Umbra, e nos corpos de quem estava presente. Se forem reunidos, o Avatar pode crescer novamente."

"Você quer dizer que Dorian pode recuperar o que perdeu?"

"Mais do que isso. Ele pode evoluir. Ele pode crescer além do que era antes, ao menos além do que suportaria agora. E não só ele. As outras crianças, que agora carregam fragmentos de seu Avatar, podem competir por eles. Se uma delas matar a outra... pode absorver o fragmento, e seu Avatar pode subir de nível."

"Você está dizendo que... elas podem matar umas às outras por poder?"

"Sim. E essa é a parte cruel. Talvez, ao tentar salvá-las, Dorian tenha condenado a todos a um caminho onde só um poderá ascender completamente... Ou a uma parceria absoluta."

Borba ficou em silêncio.

"E se... nenhum deles o reunir por completo?"

"Então o Avatar continuará fragmentado. Cada pedaço trará um talento, uma vocação, uma fagulha. Mas a centelha da totalidade... essa se apagará com o tempo, se não for reclamada."

"Então... o que faremos?"

"Guiamos. Não há nada que possamos fazer. Não revelamos a natureza do Avatar ainda. Deixamos que busquem seu próprio caminho."

Nesse momento, isso era tudo que Gilgamesh conseguia pensar... Como ele poderia reclamar todos os seus fragmentos.

"Xeque-Mate!"