Meu nome vai ser...

Moisés novamente mexe no dispositivo em seu pulso e logo surge outro veículo autônomo. Os dois entram, mas dessa vez sem surpresas e logo chegam no apartamento de Moisés. 

O apartamento de Moisés era um retrato da vida na base inferior da sociedade marciana. Um cubículo de 20 metros quadrados, com paredes de metal nu e um piso que parecia eternamente manchado por poeira vermelha. No teto, uma única lâmpada de neon piscava intermitentemente, lançando sombras inquietas nos cantos. A "cozinha" era apenas uma bancada com um aquecedor embutido, uma pia que gotejava constantemente, e duas gavetas lotadas de pacotes de comida sintética. A cama ficava embutida na parede e podia ser puxada para baixo, mas Moisés raramente se dava ao trabalho — ele dormia no sofá de couro rachado, cercado por caixas de peças mecânicas e ferramentas.

Um terminal holográfico estava preso em uma das paredes, ligado a uma cadeira giratória com um encosto torto. Pilhas de roupas e latas de cerveja espalhavam-se pelo chão, enquanto uma janela pequena com vidro fosco oferecia uma visão vaga do céu vermelho-alaranjado de Marte.

— Bem-vindo ao meu humilde palácio, — disse Moisés, abrindo os braços como se estivesse apresentando um lugar grandioso. — Não encosta em nada que parece caro. Não é, mas vai que quebra.

Marte-1549 deu uma olhada ao redor e sorriu.

— Cara, isso é... — Ele hesitou, procurando a palavra certa. — ...funcional.

— Você quis dizer "uma lata de lixo apertada", — respondeu Moisés, jogando algumas peças de metal de uma cadeira para o chão e apontando para que Marte-1549 se sentasse. — Não precisa florear.

Marte-1549 sentou-se, a cadeira rangendo sob o peso, enquanto Moisés se jogava no sofá com um suspiro exagerado.

— Então... o que acha que foi aquilo no bar? — perguntou Marte-1549, ainda com a imagem do estranho em sua mente.

Moisés estalou os dedos, como se estivesse tentando afastar a pergunta.

— Acho que o cara era louco, mas louco com estilo. Você viu aquele olho? Devia ter pedido onde ele conseguiu.

Marte-1549 balançou a cabeça, um sorriso discreto escapando, mas logo ficou sério novamente.

— Mesmo assim, tem algo que não me sai da cabeça. Se ele estiver certo? Sobre a X Company já saber disso tudo?

Moisés coçou o queixo, olhando para o teto como se pudesse encontrar a resposta nas lâmpadas piscantes.

— Se ele estiver certo, a gente tá mais ferrado do que eu pensava. Mas isso não é novidade, é? Agora me diz uma coisa... — Ele se inclinou para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos. — Você já escolheu o seu nome ou vai continuar sendo um número ambulante?

A pergunta pegou Marte-1549 de surpresa. Ele cruzou os braços e olhou para o chão, pensativo.

— Na verdade, estive pensando nisso. Quero algo que signifique exploração, descoberta. Algo que represente sair do conhecido para o desconhecido.

Moisés levantou uma sobrancelha, interessado.

— E...?

— Vasco da Gama.

Moisés levantou uma sobrancelha e abriu um sorriso de canto.

— Vasco da Gama? Esse não era o nome de um time brasileiro?

Marte-1549 riu e balançou a cabeça.

— Sim, existiu um time chamado Vasco da Gama. Mas não é por causa do time. É pelo navegador português. O cara que abriu caminho para novas rotas nas grandes navegações.

— Ah, sim, as grandes navegações... — Moisés fez um gesto teatral com as mãos, como se estivesse navegando em um barco invisível.

— Tô falando sério! — Marte-1549 riu, mas logo ficou mais sério. — Pensei que o nome fazia sentido. Agora estamos entrando em uma nova era de exploração, só que no espaço. Quero que meu nome simbolize isso.

Moisés cruzou os braços, parecendo considerar a explicação.

— Tá bom, Vasco da Gama. Gostei. Mas agora deixa eu te dizer uma coisa. — Ele se inclinou, apontando um dedo para Marte. — Aqui não tem orfanato pra te alimentar. Não existe almoço grátis. Se não arrumar um jeito de ganhar dinheiro logo, vai acabar morrendo de fome. O mundo aqui é impiedoso, meu amigo.

Marte-1549 engoliu em seco, o tom direto de Moisés deixando claro que não havia espaço para hesitação.

— Tá, então como eu registro isso? — perguntou Marte, levantando as mãos.

Moisés sorriu e ergueu o braço, mostrando o dispositivo cilíndrico acoplado ao traje que usava.

— Felizmente, isso aqui resolve. — Ele tocou a tela do dispositivo, que se iluminou com hologramas. — Registro de identidade, documentos, até licença de trabalho. Tudo gerado em segundos.

Marte-1549 inclinou-se para ver melhor, intrigado.

— E depois?

— Depois eles enviam um dispositivo desse direto pra você. — Moisés apontou para o pulso de Marte — Mas cuidado, depois disso a X Company e outras companhias saberão tudo que você anda fazendo, é a forma que eles arrumaram de nos controlar… 

— Vamos! Use o meu, que em poucos minutos o seu já chega — Disse Moisés apressando Marte-1549.

Marte-1549 começa a preencher os formulários. Nome, data de nascimentos, cidade natal, até chegar o campo de Pai e Mãe, nesse momento ele fica pensativo.

— E aqui Moisés? Quem você colocou? 

— Satoshi Nakamoto.

Os dois caíram na gargalhada. 

— Brincadeira moleque, coloca o nome do orfanato que vai dar certo. Afinal, somos órfãos…

Menos de 10 minutos após preencher os formulários, surge um drone em frente a porta do apartamento de Moisés. Era o dispositivo de Marte-1549.

Marte-1549 então ativou o próprio dispositivo, a tela piscando enquanto ele confirmava sua identidade. Alguns segundos depois, o sistema confirmou com um som suave.

— Pronto, agora sou Vasco da Gama. — Ele olhou para Moisés com um sorriso de realização.

— Parabéns, Vasco da Gama. — Moisés deu um tapinha no ombro dele. — Agora, se prepare, porque arranjei um emprego pra você nas minas de Marte. Não é glamouroso, mas paga as contas.

— Minas de Marte? — Vasco suspirou, mas o sorriso permaneceu.

— Minas de Marte. Nada glamouroso, mas paga as contas. Se vai fazer história, melhor começar por algum lugar.

Marte-1549 abriu um sorriso, metade empolgado, metade apreensivo. A noite havia começado com perguntas sobre civilizações alienígenas, e agora parecia que ele estava prestes a iniciar sua própria jornada. Talvez Vasco da Gama fosse mais do que um nome. Talvez fosse o começo de algo maior.

— Aaah, vai dormir. Começamos amanhã antes do sol nascer.

— Mas ainda está de dia… E aonde vou dormir?

— Amanhã você vai me entender — Disse Moisés rindo — Pode dormir em minha cama, eu costumo dormir no sofá.