Ele deslizou o papel pela mesa.
"Nesses números estão as apostas vencedoras das próximas três loterias. E, abaixo disso, duas manchetes que estamparão as capas dos jornais na próxima semana."
O professor pegou o papel, lendo em voz alta:
"'Queda de avião deixa centenas de mortos na Rússia'. E aqui... 'Ataque terrorista contra catedrais na França'. Duas tragédias enormes em uma única semana? É impossível prever isso."
O estranho cruzou as mãos, sério.
"É impossível para você, mas não para mim. Eu estive no futuro e decorei cada acontecimento importante. Posso garantir que ambos os eventos acontecerão exatamente como descrito, aposte esses números na loteria, irá garantir uma aposentadoria tranquila para sua esposa."
A esposa, que até então permanecia desconfiada, pegou o papel das mãos do marido, examinando-o.
"Isso pode ser sorte, ou apenas uma farsa elaborada. Mas se essas tragédias realmente acontecerem... não há como ser coincidência."
O professor olhou fixamente para o estranho, tentando decifrar cada movimento, cada expressão.
"Digamos que essas coisas aconteçam. Ainda assim, quero saber mais. Por que você está aqui? E por que agora? Quem é você realmente?"
O estranho respirou fundo antes de responder.
"Meu nome é Aron, e eu não sou parte de uma organização secreta ou um grupo com recursos infinitos. Eu sou um cientista, ou melhor, era. Minha equipe e eu estudávamos máquinas do tempo. A tecnologia ainda era precária e instável. Mas então os ataques começaram."
"Que ataques?" perguntou a esposa, ainda com os olhos fixos nele.
"Alienígenas. Civilizações avançadas que nos consideravam uma ameaça em potencial. Eles chegaram de forma repentina, dizimando cidades inteiras e destruindo nossos sistemas de defesa. Em semanas, a humanidade foi reduzida a fragmentos. Não tínhamos chance."
O professor estreitou os olhos.
"Você espera que eu acredite nisso? Que alienígenas atacaram a Terra?"
"Não espero que acredite agora", respondeu Aron. "Mas deixe-me continuar. Quando os ataques começaram, minha equipe e eu usamos tudo o que tínhamos para ativar nossa máquina. Ela não era perfeita, mas funcionou. Conseguimos voltar no tempo... o máximo que a instabilidade permitia."
Ele fez uma pausa, olhando para o casal com uma expressão de dor.
"Infelizmente, metade da minha equipe morreu durante a viagem. A máquina era instável demais, e o processo foi brutal. Mas os poucos que sobreviveram conseguiram retornar 10 anos no passado. Isso nos deu uma pequena vantagem."
O professor o encarou, visivelmente intrigado.
"E o que vocês fizeram depois disso?"
"Reconstruímos a máquina. Com os conhecimentos que carregávamos, sabíamos exatamente o que era necessário. E depois que ela é concluída, usamos para voltar ainda mais no tempo, sempre decorando como criar tecnologias básicas para nossa máquina, para que nós pudéssemos fazer os mesmos avanços. Esse ciclo nos trouxe até aqui. Como acha que a humanidade avançou tanto nos últimos 100 anos? Somos nós voltando ao passado."
"Por que aqui?" perguntou a esposa.
"Porque este é o ponto máximo em que conseguimos criar a máquina. Este é o limite. Não conseguimos construir nenhuma máquina do tempo antes desse 2027 e quem voltou para anos anteriores não conseguiu completar sua missão. A tecnologia era muito rudimentar."
O homem com uma expressão de desânimo e frustação continuou.
"Chegamos à conclusão de que precisaríamos mudar nossa estratégia. Não adiantava enviar pessoas apenas algumas décadas no passado. Precisávamos de algo mais drástico."
Ele se voltou para o professor.
"E é aí que você entra, Aurelius. Nossa nova missão é enviar pessoas o mais longe possível. Anos antes de 1800, 1900. Precisamos moldar o futuro desde o início, construir uma civilização preparada para resistir ao que está por vir. E você é a pessoa ideal para liderar isso."
O silêncio que se seguiu era denso, quase palpável. O professor olhou para a esposa, que ainda segurava o papel com os números e as manchetes, tentando processar tudo aquilo.
"Por que eu?" ele perguntou, a voz carregada de dúvida.
"Porque você entende como os impérios são construídos e como eles caem. Você pode guiar uma civilização desde o princípio, preparar a humanidade para resistir. Essa é a nossa última chance."
O professor respirou fundo, tentando manter a calma enquanto a mente girava com todas aquelas informações. Ele olhou para Aron, a descrença ainda evidente no rosto.
"Então, qual é exatamente a sua proposta?"
Aron inclinou-se levemente para frente, cruzando as mãos sobre a mesa.
"A proposta é simples, mas ao mesmo tempo, extremamente arriscada. Queremos enviar você o mais longe possível no passado, para que possa usar seu conhecimento e adiantar o desenvolvimento da humanidade. Ciência, tecnologia, organização social, estratégias de guerra... tudo o que for necessário para preparar a civilização para resistir ao que está por vir."
O professor estreitou os olhos.
"Qual foi o máximo que vocês conseguiram até agora?"
Aron suspirou, parecendo pesar as palavras antes de responder.
"A última tentativa bem-sucedida nos levou a 1808, durante a Revolução Industrial. Enviamos um homem com conhecimento avançado em engenharia e manufatura. Ele conseguiu acelerar algumas invenções, mas não foi suficiente. Os avanços foram úteis, mas não mudaram o destino da humanidade."
A esposa, que ouvia tudo em silêncio, finalmente falou, com um tom de ceticismo.
"E por que você acha que enviar alguém ainda mais para trás vai funcionar? Não sabem nem até que ano vão conseguir chegar, certo?"
"Exato", admitiu Aron, com franqueza. "A máquina ainda é instável. Não sabemos até onde ela vai levá-lo. Pode ser no século XV, durante o Renascimento, ou ainda antes disso, na Idade Média, ou até mesmo na Antiguidade. Mas quanto mais cedo, melhor. Cada década conta."
O professor cruzou os braços, balançando a cabeça lentamente.
"Você está falando como se fosse fácil. Não importa o quanto eu saiba, estar em uma era completamente diferente, sem recursos, sem apoio... Como espera que eu sobreviva? Ou mesmo faça alguma diferença?"
Aron sorriu, como se estivesse esperando a pergunta.
"Não é uma missão para ser feita sozinho. A missão não começa na viagem, ela começa a partir do momento que você aceitar, quanto antes melhor. Elaboramos um curso super intensivo com os melhores profissionais da atualidade sobre áreas do conhecimento que você ainda não domina, como primeiros socorros, agricultura prática e por aí vai. Antes da viagem, você será treinado e equipado com tudo o que for possível levar. Conhecimentos práticos, ferramentas básicas, registros escritos. Além disso, o senhor sabe como se adaptar. O que estudou sobre civilizações antigas é o que vai guiá-lo."
O professor riu baixinho, sem humor.
"Você faz parecer um plano perfeito. Mas é cheio de lacunas. Vocês já falharam antes. Por que acha que eu seria diferente?"
"Porque você entende mais do que ninguém o que faz uma civilização prosperar. Você não é apenas um estrategista, mas um visionário. E o futuro depende de alguém que consiga enxergar além do momento presente."
A esposa colocou a mão no ombro do marido, interrompendo o diálogo.
"Isso é loucura. Você realmente acha que pode mudar o destino da humanidade assim? Não temos garantia nenhuma de que isso vai funcionar."
Aron levantou a mão, em um gesto para acalmar os dois.
"Eu não espero que decidam agora. Quero que tirem a semana para pensar. Confirmem as previsões que eu fiz. Verifiquem os números da loteria. Leiam as manchetes dos jornais. Só então decidam se o que estou dizendo faz sentido."
O professor o encarou, ainda desconfiado.
"E se eu disser não? O que acontece se eu decidir não participar dessa... loucura?"
Aron levantou-se da cadeira, olhando para o professor com seriedade.
"Se você disser não, você morrerá no dia 22 de janeiro de 2028 e nós continuaremos tentando. Encontraremos outra pessoa. Mas, sem você, as chances de sucesso diminuem drasticamente. A escolha é sua."
Ele deixou um cartão sobre a mesa, com um número escrito à mão.
"Estarei esperando. Quando decidir, me ligue."
Sem dizer mais nada, Aron saiu do café, deixando o casal imerso em um silêncio pesado, repleto de dúvidas e tensão.