Saindo do café, o casal estava em silêncio, mergulhado em seus pensamentos. Quando chegaram ao carro, o professor olhou para a esposa.
"Vamos fazer o jogo."
Ela ergueu uma sobrancelha, ainda desconfiada.
"Você acha mesmo que esses números vão dar em alguma coisa?"
"Se ele estiver errado, perdemos alguns trocados. Mas se estiver certo..."
"Se ele estiver certo, isso vai ser ainda mais assustador."
Pararam em uma lotérica no caminho para casa. O professor preencheu os números no bilhete com precisão: 07, 21, 24, 27, 41, 46. Entregou o papel ao atendente, pagou e guardou o bilhete no bolso do casaco.
Naquela noite, sentaram-se na sala para acompanhar o sorteio ao vivo. O silêncio era pesado, com ambos tentando lidar com o nervosismo que não queriam admitir.
Quando o sorteio estava prestes a começar, a transmissão foi abruptamente interrompida.
"Interrompemos nossa programação para informar sobre um acidente aéreo na Rússia. Um avião caiu pouco depois de decolar, deixando centenas de mortos."
A esposa arregalou os olhos, levando a mão à boca.
"Meu Deus... Ele disse que isso ia acontecer!"
O professor não respondeu, encarando fixamente a tela enquanto o noticiário dava mais detalhes sobre o acidente. Após alguns minutos, a transmissão retornou ao sorteio.
"Pedimos desculpas pela interrupção. Voltamos ao vivo para o sorteio da loteria."
Os números começaram a aparecer na tela. Um por um, os mesmos que estavam no papel de Aron.
07, 21, 24, 27, 41, 46.
A esposa ofegou, virando-se para o marido com olhos arregalados.
"É sério? Nós acabamos de ganhar?"
Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, olhando para o bilhete em sua mão. Quando o apresentador do programa diz:
"28 milhões de dólares. Um único ganhador."
Ela balançou a cabeça, incrédula.
"Isso não pode ser real. Ele acertou tudo. O acidente, os números... E se os próximos dois sorteios também forem assim? Isso seria..."
"Assustador."
Nos dias seguintes, usaram parte do dinheiro para investir mais de 50 mil dólares em apostas nos dois próximos sorteios, a ideia era reduzir as suspeitas que poderiam recair sobre eles. Afinal, ganhar 3 vezes seguidas é algo extremamente incomum. No meio de tantas apostas, eles usaram os números que Aron havia dado.
Enquanto aguardavam o resultado, outra notícia chocante surgiu.
"Um ataque terrorista em catedrais na França deixou dezenas de mortos. O grupo responsável reivindicou o atentado."
O professor desligou a televisão, com o rosto pálido.
"Ele acertou de novo. Tudo está acontecendo exatamente como ele disse."
A esposa cruzou os braços, respirando fundo para se acalmar.
"Isso é mais do que coincidência. Ele sabe. Não há outra explicação."
Acompanharam os sorteios seguintes. Em ambos, os números correspondentes ao papel de Aron foram sorteados. Eles ganharam mais 35 milhões de dólares, mas o clima na casa era tudo menos festivo.
Sentados à mesa da cozinha, o professor e sua esposa discutiam o que fazer.
"Ele está certo", disse ela, olhando para o papel na mesa. "Tudo o que ele disse aconteceu. Mas isso não significa que você tem que aceitar."
Ele esfregou o rosto com as mãos, claramente angustiado.
"Eu não sei. Tudo isso parece... grande demais. Se ele está dizendo a verdade, o futuro da humanidade está em jogo. Como posso dizer não?"
"Você tem que decidir se acredita nele. E se acredita, se está disposto a arriscar tudo."
Ele olhou para ela, buscando algum tipo de certeza.
"Você acha que eu deveria aceitar?"
"Eu acho que a decisão é sua. Mas, seja qual for, eu vou te apoiar."
Após um longo silêncio, ele suspirou profundamente.
"Eu preciso falar com ele de novo."
Sentados na mesa da cozinha, o silêncio era quase palpável. A esposa encarava o bilhete da loteria e as manchetes no celular, enquanto o professor olhava para ela, tentando organizar seus pensamentos.
"Você ainda está relutante, não é?" perguntou ele, quebrando o silêncio.
"Claro que estou", respondeu ela, cruzando os braços. "Isso tudo é grande demais, perigoso demais. Ele não está pedindo para você escrever outro livro ou dar uma palestra. Está pedindo para você... desaparecer."
"Eu sei." Ele suspirou, apoiando os cotovelos na mesa. "Mas e se ele estiver certo? E se tudo isso for mesmo a única chance que a humanidade tem?"
"Você está ouvindo o que está dizendo?" Ela balançou a cabeça. "Ele mostrou algumas provas, sim. Mas como você sabe que ele não tem outros motivos? Que não está escondendo algo? E como você vai sobreviver em outra época? Isso é insano."
O professor ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras dela. Depois, com um tom mais calmo, respondeu:
"Eu não vou mentir. Estou com medo. Mas ele também disse outra coisa. Que minha morte te transformaria, que te levaria a buscar um legado."
Ela franziu a testa.
"E o que isso tem a ver com você aceitar ou não?"
"Tem tudo a ver." Ele inclinou-se para frente, olhando diretamente nos olhos dela. "Com o dinheiro que temos agora, você pode fazer qualquer coisa. Pode ter a aposentadoria tranquila que ele mencionou. Viajar, viver sem preocupações. Ou..."
"Ou o quê?"
"Ou você pode criar a sua empresa. A IA que ele profetizou. Você não precisa esperar pela dor ou pela perda para começar. Tem os recursos agora, tem a habilidade. E se ele está certo, essa IA pode mudar o mundo."
Ela desviou o olhar, pensativa.
"Você acha mesmo que é tão simples assim? Que dinheiro resolve tudo? Criar uma IA que impacte o mundo inteiro não é só uma questão de recursos."
"Eu sei que não é simples", disse ele, a voz mais firme. "Mas você tem talento. Sempre teve. Ele disse que você estava destinada a isso, e eu acredito. O dinheiro é apenas o primeiro passo. O resto depende de você."
Ela o olhou, ainda com dúvidas estampadas no rosto.
"Mas e você? Você vai embora, e eu fico aqui com dinheiro e um sonho que talvez nem aconteça. Como você espera que eu viva com isso?"
Ele sorriu, um sorriso triste, mas cheio de determinação.
"Eu espero que você viva. Que use tudo o que tem para fazer a diferença. Porque se eu fizer isso, não vai ser só por mim, ou pelo futuro distante. Vai ser por nós dois. Pelo que ainda podemos fazer, mesmo separados."
Ela respirou fundo, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair.
"Você está se convencendo sozinho de que isso é o certo, não é?"
"Eu estou tentando encontrar sentido nisso tudo", respondeu ele. "Mas a verdade é que, seja qual for a escolha, quero que você tenha a chance de fazer algo incrível. Deixar o seu legado sem precisar passar pela dor que ele previu."
Ela ficou em silêncio, encarando a mesa, as mãos apertadas sobre o celular.
"Se é isso que você quer... eu não vou te impedir. Mas isso não significa que eu ache certo."
Ele assentiu, tocando a mão dela suavemente.
"Eu só precisava saber que você ficaria bem. Agora, acho que estou pronto para falar com ele de novo."