A atmosfera na câmara da nova rainha pulsava com uma energia quase ritualística. A Matriarca da Ordem Negra observava tudo em silêncio, seu corpo titânico parcialmente iluminado pelos fungos bioluminescentes que decoravam as paredes do subterrâneo. Mesmo em repouso, sua presença era imponente. Não apenas pela força que transmitia, mas pelo simbolismo: ela representava um novo estágio na evolução da colônia, um ponto de inflexão.
Sk'rall a observava com respeito, talvez pela primeira vez percebendo o verdadeiro abismo entre o que ele liderava e o que Marcos havia se tornado.
Então, diante da proposta feita, Sk'rall se ajoelhou, seu corpo rangendo levemente sob as cordas que ainda o prendiam parcialmente.
— Eu… aceito. Que o meu enxame caminhe com o teu. — Sua voz não carregava submissão, mas sim resignação e uma centelha de esperança.
[Notificação do Sistema] O lorde nativo "Sk'rall, Líder do Ninho de Gafanhotos de Sangue Bravio" reconheceu sua soberania. Novo Vassalo: 1 Benefícios Ativados:
10% da produção de recursos excedentes do vassalo será enviada para seu território principal.
Você pode realocar o território do vassalo em um raio de 50 km do seu centro de colônia.
Você pode visualizar o painel de status completo do vassalo e oferecer melhorias diretamente.
Sua habilidade “Crescimento Imortal” foi expandida para afetar lordes vassalos e suas raças subordinadas em menor proporção (25% da taxa original).
Marcos sentiu um frio na espinha. O sistema reagira com entusiasmo, como se estivesse recompensando uma conquista muito superior a qualquer combate.
Com um simples pensamento, ele abriu o painel de Sk'rall.
[Status de Lorde: Sk'rall]
Raça: Gafanhoto Alfa Híbrido
Classe: Dominador do Enxame
Nível: 9
Título: Mente Fraturada
Habilidade Racial: Controle de Enxame Unidades: 231 soldados gafanhotos, 89 escavadores, 3 sentinelas Especial: 1 Ovo de Herói Nativo (em incubação)
Marcos piscou ao ver a última linha.
Um herói? Mesmo sem um sistema, os lordes nativos podiam, com muito tempo e sorte, gerar heróis rudimentares, moldados pelo puro instinto evolutivo. Isso mostrava que Sk'rall não era um inimigo comum.
Ele passou então para o painel do território de Sk'rall, acessando o mapa mental fornecido pela nova conexão.
O Ninho de Gafanhotos ficava a cerca de 73 km do centro da colônia formiga. O solo era rochoso, mas havia fontes minerais importantes, incluindo uma veia de ferro escarlate e fragmentos de cristal negro. O ambiente, no entanto, era hostil demais para o crescimento estável.
Com um comando mental, Marcos ativou a realocação.
[Notificação do Sistema] Deseja realocar o ninho de Sk'rall para a região nordeste, 41km do centro da Colônia Formiga? Esse processo levará 3 horas e as estruturas de base serão reintegradas ao solo durante o deslocamento.
Ele confirmou, mas não antes de marcar mentalmente a localização actual do território de Sk'rall. Esses recursos são muito valiosos para serem simplesmente deixados à deriva. Uma leve tremura percorreu o ar. O sistema já estava iniciando o protocolo.
A próxima etapa era preparar o solo.
Marcos se virou para o painel de construção. Com o nível 10 e os recursos acumulados das campanhas anteriores, várias estruturas estavam agora disponíveis. Uma delas chamou sua atenção imediatamente:
[Estrutura Disponível: Santuário dos Heróis Ancestrais] Custo: 400 unidades de quitina cristalizada, 1200 unidades de biomassa, 3 corações de besta Função:
Concede uma chance mensal (base 35%) de uma unidade se tornar um Herói.
Aplica-se a todas as castas disponíveis (Operárias, Soldados, Titânicas, Voadoras).
Era uma construção cara. Mas valia cada unidade de recurso.
Ordenou imediatamente a construção.
Enquanto os recursos eram transportados, ele se voltou para Sk'rall:
— Vamos ao seu ninho. Quero entender melhor suas estruturas e o que podemos integrar.
O lorde gafanhoto assentiu. Ainda cauteloso, mas disposto. O pequeno grupo de elite foi formado. Dez formigas, cada uma com funções bem definidas:
3 Voadoras para reconhecimento e vigilância aérea, 5 Titânicas que servirão como escudos e 2 Soldado comuns para versatilidade em combate.
Durante o percurso, que seguiria em direção ao antigo ninho de Sk'rall antes da realocação completar, Marcos usava suas antenas sensoriais para mapear o terreno.
Gravava mentalmente cada ponto relevante: saídas subterrâneas, vales de sombra onde caçadores se escondiam, ruínas de colônias extintas.
Foi então que uma nova notificação surgiu, desta vez com um brilho vermelho-alaranjado incomum.
[Aviso Universal a Todos os Novos Lordes] O Desafio Mensal ocorrerá em 5 dias. Detalhes serão revelados somente 6 horas antes do início. Os 10 primeiros colocados receberão recompensas singulares. Preparem-se.
Marcos sentiu seu coração acelerar.
O primeiro grande teste universal. A primeira competição oficial entre os lordes humanos transportados para esse lugar. E as regras, por enquanto, eram nebulosas.
Ele abriu o Chat Universal.
O caos reinava.
[Helena - Planeta Celestialis]: "Finalmente! Estava esperando por isso desde o meu primeiro dia aqui."
[Lucas - Pyroterra]: "Que venham! Meus dragões estão famintos."
[Diego - Montem Magnus]: "Colossais em prontidão. Se for combate direto, já sabem."
[Miguel - Underholder]: "Espero que envolva território. Demônios não gostam de se movimentar à toa."
[Helena]: "@Marcos-Aridis, você ainda está vivo? Nunca vejo você aqui."
Marcos respirou fundo. Finalmente decidiu responder.
[Marcos - Aridis]: "Vivo. E pronto."
A resposta gerou uma onda de reações.
[Lucas]: "Finalmente falou."
[Helena]: "Quero ver do que você é capaz."
Mas Marcos já estava fora do chat quando isso aconteceu. Suas prioridades eram claras.
A comitiva avançava em silêncio tático. Acima deles, as voadoras giravam em órbitas concêntricas, mapeando o terreno de forma sincronizada. As formigas Titânicas marchavam em linha, seus corpos blindados abrindo caminho por zonas de terra instável. As duas soldados comuns mantinham posições laterais, vigilantes.
Marcos seguia no centro, seus sentidos aguçados pelas vibrações no solo e pela leitura constante do terreno através do painel sensorial do sistema. Sk’rall, à sua esquerda, caminhava com a rigidez de quem carregava não apenas seu corpo, mas também a responsabilidade de um futuro incerto.
Caminharam por quase uma hora, atravessando fendas rochosas, campos de poeira endurecida e carcaças secas de predadores mortos, vestígios das caçadas antigas. Marcos notou marcas no solo deixadas pelos gafanhotos: trilhas em zigue-zague, corredores escavados, túneis naturais camuflados com folhas fossilizadas e restos de quitina.
— “Esses túneis...” — Marcos disse, observando uma abertura oculta. — “Você os espalhou por todo o território?”
Sk’rall assentiu.
— “Eles são nosso fluxo. Conectam ninho, armadilhas, rotas de retirada. É assim que nos movemos sem sermos detectados.”
Marcos absorveu essa informação com interesse genuíno.
Estrutura móvel. Rota oculta. Isso tem valor estratégico imenso.
Era uma das maiores fraquezas da colônia de Marcos: a previsibilidade. Apesar da expansão subterrânea e das múltiplas saídas, a lógica da arquitetura das formigas ainda seguia padrões mais fixos e centralizados.
Mas e se ele pudesse integrar a flexibilidade e dispersão dos gafanhotos com a ordem e força da colônia?
A ideia de um híbrido de estratégias começou a se formar em sua mente.
Quando finalmente chegaram, Marcos sentiu uma leve pressão nos ombros, o instinto avisando que estavam dentro de território marcado.
Mesmo com a realocação já iniciada, o ninho antigo de Sk’rall ainda pulsava. Uma estrutura semicircular de pedra e resina endurecida se erguia do solo. Espécies de árvores ressequidas haviam sido parcialmente integradas às paredes externas, como suportes naturais. Torres rudimentares de vigilância, feitas de colunas esburacadas com sentinelas gafanhotos imóveis, estavam ainda de pé.
O cheiro do lugar era diferente. Mais ácido, mais agressivo.
— “É... rudimentar.” — disse Marcos após um longo olhar.
Sk’rall não se ofendeu. Em vez disso, ergueu o queixo com orgulho.
— “É funcional. Sobrevivemos sem sistemas, sem painéis, sem orientações. Só o instinto, a dor e o solo.”
Marcos se aproximou de uma das torres de vigilância. As sentinelas o observaram com olhos opacos, sem fazer qualquer movimento. Ao seu lado, o sistema lhe ofereceu um painel opcional:
[Unidade Sentinela Gafanhoto]
Estado: normal
Habilidades: visão noturna, alarme sonoro, explosão ácida
Controle: vinculado a Sk’rall
Explosão ácida?
Ele fez um gesto para Sk’rall, curioso.
— “Você realmente programou seus sentinelas para se autodestruírem?”
— “É o único modo de parar predadores grandes. Melhor sacrificar um do que perder cinquenta.”
Marcos ficou em silêncio. Estratégia de perda calculada. Fria, prática. Brutal.
Mas talvez... necessária.
Com o território em processo de realocação, o sistema já começava a digitalizar a estrutura para reintegrar suas funções na zona próxima da colônia principal. Marcos podia ver onde cada túnel antigo seria realocado, cada câmara redesenhada, cada grupo de operários em formação.
E então, um som.
Um estalido seco ecoou pela planície.
Marcos virou-se imediatamente, suas voadoras se alçaram no ar e as Titânicas se colocaram em posição defensiva.
Do solo, não muito longe dali, uma cratera se abriu — e dela surgiu um dos Predadores de Casca Flamejante.
Criatura de carapaça dura, seis patas de estrutura segmentada e mandíbulas triplas, suas glândulas dorsais já ferviam, prontas para cuspir uma mistura de ácido e óleo inflamável.
Sk’rall rosnou:
— “Aquele maldito sempre caçava os nossos escavadores...”
Marcos não pensou duas vezes.
— “Formação defensiva!”
As Titânicas se adiantaram. Com um rugido que reverberou através de suas placas torácicas, se alinharam lado a lado, formando uma muralha de quitina viva. As soldados se espalharam, cada uma ativando suas glândulas de feromônio para confundir a criatura.
As voadoras giravam no ar, como sombras circulando acima da morte.
O predador cuspiu.
Chamas dançaram no ar e colidiram com os escudos das Titânicas, recobrindo suas carapaças com fogo líquido. Mas o calor não as deteve. Ao contrário: avançaram com violência.
E foi quando uma delas, com movimento preciso, cravou suas mandíbulas no flanco da criatura, enquanto outra golpeava com suas patas dianteiras em movimentos de martelo.
Sk’rall observava tudo em silêncio, embasbacado.
Quando o predador caiu, retorcendo-se, e finalmente se imobilizou, a planície ficou silenciosa mais uma vez.
— “Se isso for o seu ‘funcional’, quero ver o que chamaria de destruição total.” — ele murmurou, com um leve sorriso.
De volta ao interior da colônia, e com o antigo ninho agora em processo de integração, Marcos observava o novo painel atualizado com os benefícios de seu domínio expandido:
[Domínio de Aridis]
Núcleo Principal: Colônia das Formigas Reais
Vassalos:
• Sk’rall, Ninho dos Gafanhotos de Sangue Bravio (em realocação - 71%)
Benefícios Ativos:
• Crescimento Imortal (25%) aplicado ao vassalo
• Acesso a unidades especiais compartilhadas após integração completa
• Estruturas de vigilância subterrânea com sinergia de rastreamento (incompatível com vassalos não insetoides)
Um domínio. Um vassalo. Um exército. E, agora, um objetivo:
O Desafio Mensal.
E ele sabia: esta era apenas a primeira de muitas provações.
Mas, diferente de antes...
agora ele não estava mais sozinho.