A descida ao núcleo da colônia era silenciosa, mas não de paz. Era um silêncio denso, saturado por pensamentos, ecos do que acabara de acontecer e do que ainda estava por vir. Marcos caminhava à frente, suas pernas segmentadas avançando com precisão pelas passagens esculpidas pela atividade incansável de suas operárias. O cheiro do solo úmido e da quitina recém-excretada misturava-se com o aroma metálico da bioluminescência das paredes, como se toda a colônia estivesse viva — pulsando.
Atrás dele, escoltado por duas formigas guerreiras e observado com cautela por outras, Sk’rall caminhava sem resistir, embora seus olhos não parassem um segundo sequer de examinar cada detalhe. Para um ser como ele, que há pouco se via como um centro de sua própria colmeia, aquele ambiente deveria parecer uma contradição viva — um império de formigas estruturado com uma precisão e propósito que superava qualquer enxame primitivo que já comandara.
Ragnor não veio. Parte das tropas derrotadas dos gafanhotos ficaram com ele para serem aproveitadas como mão de obra temporária. Um acordo justo. Era o início de uma aliança de guerra, ainda frágil, mas com raízes possíveis.
Marcos sabia: a guerra revelava as verdadeiras formas de convivência.
E nesse momento, a Rainha Geradora estava prestes a mudar tudo.
Ao entrar na câmara recém-formada, a nova Rainha Geradora já não estava mais em casulo.
Ela se erguia.
Lenta, como uma montanha viva despertando de um sono profundo. Sua carapaça era de um tom escuro, quase negro, reluzente com reflexos rubros que tremeluziam sob a luz natural dos fungos luminescentes. Linhas em padrões geométricos percorriam seu abdômen e tórax, como inscrições de um idioma perdido, ou como ornamentos divinos entalhados na própria natureza.
E então veio a notificação.
...
[Rainha Geradora Evoluída: “Matriarca da Ordem Negra” foi desperta.]
Habilidade Passiva: Engenheira de Guerra
• Produz uma nova subespécie de formigas: Formigas de Assalto Titânicas
• Essas formigas possuem carapaça densificada com quitina reforçada (nível 3), múltiplas camadas, escudos ósseos e adaptação comportamental para combate em linha de frente.
Função especial:
• As formigas de assalto não apenas protegem, mas também podem carregar estruturas leves durante batalhas móveis.
Título desbloqueado: Senhor da Sombra Incandescente
Efeito: Unidades geradas por rainhas de 3ª categoria ou superior recebem +5% de resistência a dano perfurante e +10% em resistência mágica.
...
O impacto da informação reverberou na mente de Marcos como um trovão interno.
A evolução natural da colônia começava a ultrapassar limites que até mesmo os melhores estrategistas humanos, em sua antiga civilização terráquea, apenas teorizaram nos documentos da Academia de Lordes. A Matriarca da Ordem Negra não era uma simples produtora de soldados. Era uma forjadora de armas vivas.
E as formigas que começaram a emergir dos ovos da matriarca guardados nas câmaras secundárias provaram isso com sua simples presença.
Elas eram gigantes.
Duas vezes maiores que as formigas guerreiras comuns. Suas carapaças apresentavam placas intertravadas como armaduras naturais, suas mandíbulas possuíam um leve brilho violeta, indicando presença de veneno catalisador, e seus olhos… seus olhos tinham pupilas.
Pupilas.
Algo quase inexistente nas castas anteriores.
Marcos se aproximou lentamente de uma das recém-geradas, estendendo sua garra diante dela. A criatura, ou melhor, a guerreira, inclinou levemente a cabeça, como se reconhecesse o lorde não por instinto, mas por consciência.
Elas estavam em outro patamar.
— “Inacreditável...” — sussurrou Sk’rall atrás dele.
Marcos escutou e se virou. O lorde cativo estava de olhos arregalados, sua máscara de frieza começando a rachar sob a força do espanto. Seu olhar via naquelas criaturas algo que ultrapassava o instinto do enxame.
— “Como você criou isso?” — Sk’rall perguntou, sua voz quase reverente.
— “Eu apenas preparei o terreno. A colônia responde a minha vontade.” — respondeu Marcos, com calma.
Sk’rall tentou se aproximar, mas as formigas guerreiras que o acompanhavam restrigiram seus movimento de forma imediata. Ele estava ali, no chão, observando a Matriarca Bélica que o observava de volta, serena, majestosa.
— “Isso não é uma simples mutação... isso é direcionamento, evolução! Vontade moldada em carne. Meu enxame... nunca produziu algo assim.”
Marcos permaneceu em silêncio por um instante. Depois, falou com franqueza:
— “Porque você é apenas um centro. Um nó instintivo. Eu sou... algo acima disso, um lorde. O sistema reconhece a nossa posição como lordes e nos concede ferramentas, estruturas, conhecimento. Mas, mais do que isso: ele nos permite ver o mundo e todas suas possibilidades.”
Sk’rall hesitou. Algo dentro dele queria negar, mas o que via diante dos olhos impossibilitava isso. Afinal ele não sabia da existência dos lordes até encontrar Marcos e Ragnor.
Então, Marcos prosseguiu e devido a sua transformação em formiga é quase impossível perceber suas emoções.
Seus olhos de multifacetos carmesins brilharam sob a luz tênue da câmara adicionando um toque de suspense ao momento.
— “Você quer sobreviver, Sk’rall? Quer manter seu território, sua identidade, seu enxame?”
O lorde cativo o encarou, tenso.
— “Sim. É tudo o que conheço.”
— “Então se torne meu vassalo.”
Silêncio.
As palavras pairaram no ar como uma sentença, pesadas, absolutas, definitivas.
— “Eu... servir a um lorde?” — Sk’rall parecia indignado, mas também intrigado.
— “Não servir. Integrar. Seu território continuará seu. Seu enxame manterá identidade. Mas você responderá à minha colônia, à minha bandeira e precisará realocar o seu ninho para próximo do meu território. Se aceitar, o sistema te reconhecerá. Ele o recompensará com o que nunca teve: entendimento, ferramentas, poder verdadeiro.” Marcos quis adicionar que sua habilidade também se estenderia para o ninho de Sk'rall como forma de o convencer completamente, mas ele não tinha a certeza disso e não achou necessário após essa pequena demonstração de poder.
Sk’rall se manteve calado por um longo tempo.
As formigas de assalto passaram por ele enquanto refletia, cada passo fazendo o solo vibrar. Elas não o atacaram. Apenas seguiram suas rotas programadas — como máquinas vivas. Como um exército treinado e implacável.
A escolha era clara.
Sk’rall podia resistir... e ser consumido. Ou aceitar... e ganhar a oportunidade de crescer.
Finalmente, ele falou.
— “E se eu aceitar… o que isso fará de mim?”
Marcos se aproximou e respondeu sem hesitação:
— “Fará de você mais do que um nó. Fará de você uma consciência dentro da rede. A minha rede.”
Os olhos âmbar de Sk’rall brilharam. A hesitação, lentamente, começava a ceder à curiosidade... e à ambição.
O mundo estava, de fato, mudando para sempre.
E no coração da colônia viva, sob os olhos atentos da Matriarca da Ordem Negra, um novo pacto estava prestes a nascer.