O prisioneiro estava imóvel, sua expressão endurecida como pedra. A respiração pesada e o brilho âmbar de seus olhos eram as únicas provas de que ele ainda estava consciente. As cordas das formigas envolviam seu corpo, impedindo qualquer tentativa de fuga, enquanto Marcos, Ragnor e um pequeno grupo de formigas guerreiras e ratos o rodeavam.
O silêncio era denso.
As chamas das tochas improvisadas tremulavam contra as paredes do assentamento dos ratos, projetando sombras alongadas que pareciam dançar em meio à tensão.
Marcos estudava o lorde cativo com atenção. A textura de sua pele lembrava quitina de inseto, mas era mais suave, maleável. Suas mãos, longas e finas, tinham garras sutis na ponta dos dedos, e seu corpo esguio indicava que ele fora feito para velocidade e agilidade, não para força bruta.
Mas o que mais intrigava Marcos eram seus olhos.
Diferente dos olhos de Ragnor e ele mesmo que haviam sido transportados para esse mundo, esse ser possuía um olhar primitivo, instintivo, como um insecto que só ganhou inteligência a pouco tempo.
Isso muda muita coisa.
A presença de lordes nativos, significa que este mundo acaba de se tornar mais perigoso.
O grupo ficou quase 15 minutos em silêncio apenas observando o inimigo agora aprisionado, até que Marcos finalmente quebrou o silêncio.
— "Qual é o seu nome?"
O prisioneiro o encarou por um longo momento antes de responder, sua voz seca e firme.
— "Sk'rall."
O nome soou alienígena na mente de Marcos, quase como um som inarticulado adaptado à linguagem que compartilhavam.
Ele assentiu lentamente.
— "Sk'rall, você disse que sempre comandou o enxame… Como isso aconteceu? Você nasceu assim? Ou foi algo que despertou dentro de você?"
O lorde capturado apertou a mandíbula. Ele não gostava de ser interrogado, mas também parecia perceber que resistir não o ajudaria.
Após alguns instantes, ele finalmente falou.
— "Desde que me recordo, o enxame me obedeceu. Suas mentes eram fragmentadas, desconexas… Mas quando eu as toquei, tudo se alinhou. Eu vejo através dos olhos deles. Sinto o que eles sentem. E eles… me pertencem."
A maneira como ele disse isso enviou um arrepio pelo corpo de Marcos.
Isso é muito parecido com o que ele sente em relação às suas formigas.
Mas enquanto Marcos tinha um sistema para auxiliá-lo e um entendimento racional de seu papel como lorde graças aos estudos intensivos da raça humana para descobrir as informações do mundo dos lordes, Sk'rall é apenas um lorde nativo que não entende ao certo o que é ser um lorde.
Ele simplesmente cumpre o papel designado para ele igual uma marionete.
— "Você é como um rei para eles?" — perguntou Ragnor, seus olhos astutos analisando cada detalhe da expressão do prisioneiro.
Sk'rall soltou um som que poderia ser um riso, mas sem humor algum.
— "Rei? Essa palavra não significa nada para mim. Eu sou o nó central. O que mantém o enxame coeso. Sem mim, eles são apenas pedaços quebrados de um todo sem direção."
Marcos estreitou os olhos.
— "Então, quando te capturamos, eles entraram em colapso."
Sk'rall não respondeu, mas o olhar afiado que lançou a Marcos confirmou a suspeita.
Isso era um dado importante.
Se cada lorde nativo de espécies de insectos funciona como uma mente-colmeia para sua raça, então capturá-los ou matá-los poderia desestabilizar completamente seus seguidores.
Isso significava que as guerras entre raças poderiam ser decididas não apenas por força bruta, mas por estratégia.
Pelo que me lembro dos lordes nativos, eles são considerados pseudo-lordes até conseguirem eliminar ou subjugar um lorde com um sistema para se tornarem verdadeiros lordes, possuindo um sistema e outro factores vantajosos para o gerenciamento de seus territórios.
Isso significa que ele poderia estar morto ou sob as ordens de um ganhafoto caso perdesse o combate.
Esse pensamento fez Marcos estremecer. Ele estava começando a enxergar as camadas ocultas desse mundo, e cada resposta apenas gerava novas perguntas.
Antes que pudesse continuar com o interrogatório, uma notificação brilhou em sua mente.
> [Notificação do Sistema]
Uma Rainha Geradora despertou na colônia!
Marcos sentiu um formigamento percorrer seu corpo.
Isso era um grande avanço.
Desde sua evolução para o nível 10, ele sabia que novas estruturas estavam disponíveis para sua colônia, mas até agora, a maioria ainda estava em fase de construção ou desenvolvimento.
A rainha geradora é uma peça crucial para o crescimento da colônia.
Ela não é uma rainha geradora comum.
Diferente da rainha original que havia dado origem às primeiras formigas antes de Marcos despertar como lorde, essa nova rainha não era uma entidade independente.
Ela era uma extensão da própria colônia, um órgão vivo criado para multiplicar a população sem a necessidade de um único ponto de falha.
Se a primeira rainha morresse, a colônia poderia ser devastada.
Mas com uma rede de rainhas geradoras, Marcos poderia garantir que a colônia se expandisse sem se tornar vulnerável a um único ponto de destruição.
Ele se virou para suas formigas guerreiras.
— "Preparem um grupo de escolta. Quero ver essa nova rainha com meus próprios olhos."
Ragnor ergueu uma sobrancelha.
— "E o prisioneiro?"
Marcos olhou para Sk'rall, que agora parecia menos tenso, mas ainda cheio de desconfiança.
— "Ele vem comigo se você não se importar. Quero que veja com seus próprios olhos o que minha colônia pode fazer."
— "Claro, pode levar ele, não preciso de um elemento instável aqui comigo. Mas deixe uma parte do exército derrotado, afinal de contas meu exército precisa de repor as energias gastas e alguns vão precisar de recuperar as forças o mais rápido possível." — Ragnor não hesitou em responder.
Sk'rall soltou um som baixo, como se estivesse avaliando a situação.
— "Você me mantém vivo porque quer respostas. Mas e se eu decidir não cooperar?"
Marcos inclinou a cabeça ligeiramente, suas antenas tremulando no ar.
— "Você não precisa cooperar. Mais cedo ou mais tarde, eu vou descobrir tudo o que quero saber. A única escolha que você tem é se quer sobreviver até lá."
Sk'rall não respondeu.
Mas Marcos percebeu que ele entendeu o recado.
Quando finalmente chegaram ao núcleo subterrâneo da colônia, Marcos viu o que havia mudado.
A câmara da nova rainha era colossal. A terra havia sido escavada profundamente, formando um enorme salão natural iluminado por bioluminescência vinda de fungos subterrâneos.
No centro, envolta por um casulo de quitina reluzente, a nova Rainha Geradora estava despertando.
Seus olhos se abriram lentamente, um brilho vermelho profundo irradiando de seu olhar. Seu corpo era maciço, muito maior do que qualquer outra formiga da colônia, mas diferente da rainha original, ela não parecia frágil ou limitada.
Suas patas eram musculosas.
Seu abdômen era volumoso, mas com segmentos bem definidos que sugeriam capacidade de movimento rápido.
Ela não era apenas uma máquina de postura de ovos.
Ela era uma força viva, pronta para multiplicar o exército da colônia em uma escala jamais vista.
Marcos sentiu algo profundo se conectar dentro dele.
Essa rainha não era apenas parte da colônia.
Ela era uma extensão dele.
E naquele momento, ele entendeu.
Esse mundo estava prestes a mudar para sempre.