Joaquim sentiu.
Não era só um arrepio. Era um chamado.
Como o som abafado de uma trombeta ao longe, vindo de um lugar onde o sol não toca.
— Vai pra onde, Joaquim? — perguntou Maria, franzindo a testa.
Ele parou. O ar ao redor estava denso, como se o mundo prendesse a respiração.
— Não sei... mas tem algo errado aqui.
O vento sussurrava entre as árvores mortas. Os galhos pareciam braços apontando o caminho.
Hermanito bufou, desconfortável.
— Errado? Isso tudo já é uma loucura sem sentido.
Mesmo assim, seguiram. A trilha era estreita, coberta de folhas secas que rangiam sob os pés, como ossos estalando.
À frente, uma casa.
Velha, de madeira podre, janelas cobertas por panos escuros, telhado torto como se curvasse diante de algo invisível.
Na porta, uma idosa os esperava. O sorriso era gentil demais para aquele cenário. Dentes gastos, olhos fundos demais.
— Entrem. Tomem um café. Eu já estava esperando vocês.
A voz dela tinha algo de errado. Um eco abafado, como se saísse de um poço.
Maria trocou olhares com Joaquim, hesitantes.
Mas entraram.
O interior da casa era frio. Muito frio. Cheirava a mofo e coisa morta. Havia espelhos cobertos por tecidos pretos e velas apagadas em garrafas sujas.
A idosa serviu o café. O líquido era espesso, quase negro.
— O que três jovens estão fazendo aqui em Cavalo Marinho?
Joaquim respondeu rápido. Queria sair dali.
— Estamos procurando uma mulher. Cabelos pretos, longos. Pele morena. Olhos cor de mel.
A velha sorriu, os lábios rachados.
— Aqui sempre tem mulheres assim...
Hermanito riu, mas era um riso forçado. Sentia o lugar apertar o peito dele.
— Animado, né? E aquela bizarrice de ontem?
A velha suspirou.
— Um ritual de proteção.
Maria cruzou os braços, tentando manter a calma.
— E quem é o protetor daqui?
— O Careta... — sussurrou Hermanito, como se pronunciar o nome fosse chamar algo.
A idosa abriu a boca para responder.
Mas parou.
Seu corpo estremeceu como se tomado por uma força invisível. Ossos estalaram. A pele escureceu em manchas. Da coluna, três braços negros brotaram, pulsando com veias como tentáculos vivos.
Antes que pudessem reagir, as garras monstruosas os agarraram pelo pescoço.
A idosa agora tinha olhos negros como óleo queimado. E o Careta falou por ela.
— Sou eu de novo.
A voz cortava como lâmina enferrujada. Cruel. Zombeteira.
Ele se virou para Joaquim, saboreando cada palavra.
— Eu fico com essa garota. — Os olhos vazios pousaram em Maria. — Ela vai ser minha.
Maria tentou se soltar, mas o aperto afundava como se a mão estivesse viva, sugando sua força.
— Em troca, te dou dois desejos, garoto. Qualquer coisa.
Joaquim sorriu.
Mas o sorriso não era de alegria. Era de ódio.
— Só quero uma coisa, idiota.
O Careta se inclinou, curioso.
— O quê?
Joaquim fechou os punhos. Os olhos queimavam com algo antigo.
— A tua morte.
O Careta gargalhou. O som fazia as paredes da casa tremerem, e os espelhos cobertos pareciam querer estourar.
— E como você vai matar o que já está morto?
Joaquim ergueu o olhar. Encarou o monstro com fúria contida.
E, ali, no silêncio pesado, sua expressão mudou.
Como se estivesse pronto para pular no abismo.
Ou para criar um.