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Capítulo 12 – Baque Virado

A expressão de ódio no rosto de Joaquim não era mais humana.

Era um impulso bruto. Selvagem.

Ele se levantou com um grito mudo, a pele vibrando, os olhos queimando como brasas sob pressão.

As mãos monstruosas do Careta apertavam seu pescoço — mas ele se soltou.

A força vinha de algum lugar antigo. Profundo. Como se algo o tivesse chamado… e agora estivesse dentro dele.

O Careta recuou um passo, os olhos negros se estreitando.

— Quem é o seu guia, garoto...? — a voz falhou. Ele engoliu seco.

Joaquim avançou. Rápido. Com as duas mãos, segurou o rosto do monstro, tampando-lhe a boca com firmeza.

— Sabe… — murmurou ele, ofegante — eu tô cansado dessa merda toda. Não aguento mais esse chorume que vocês espalham.

O tom era de alguém quebrado. E, ao mesmo tempo, invencível.

— A gente veio até aqui pra proteger essa comunidade. A tua. A quem você diz proteger. E toda a porra de Mauricéia.

As veias em seus braços pulsavam. Um calor estranho dominava a sala.

— E mesmo assim você quer nos fuder?

O Careta contorcia o rosto, mas as palavras de Joaquim pareciam atravessá-lo como lanças.

— Viemos atrás de Katarina. Agora, ou você nos ajuda e para com essa palhaçada de querer matar a gente… ou eu faço a tua vilazinha desaparecer do mapa.

O silêncio era cortante.

Então Joaquim disse, encarando os olhos negros:

— Existe algo além de mim e de você querendo acabar com tudo… o Rei das Cinzas.

— E, claramente, você nem sabe disso.

Hermanito, encostado à parede, observava tudo em silêncio. Seus olhos arregalados. A boca semiaberta.

Durante todo esse tempo… ele duvidara de Joaquim. E agora… ele via. Com horror e admiração. Joaquim não era mais o mesmo.

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Em outro do vilarejo...

Cupim estava com os pés afundados na lama. As mãos sujas. O cheiro de maré morta.

Ao lado dele, o velho — olhos vítreos, barba salgada, mãos enrugadas como casca de árvore — observava o mangue como quem escuta os mortos.

— Você tá preocupado, né, garoto?

Cupim não respondeu de imediato. Olhou para o chão.

— Eu só quero ir pra casa… — sua voz era baixa, trêmula. — Eu nem sei se o que você disse é verdade. Não faz o menor sentido…

O velho se inclinou.

Pegou um punhado de lama.

E, diante dos olhos de Cupim, a lama se torceu, se enrijeceu, se alongou… até virar uma estaca de madeira viva, pulsante.

Cupim prendeu o fôlego.

— Tá tudo conectado, Cupim… tudo. Somos tudo em um. O universo… as estrelas… — o velho falou, os olhos no horizonte — somos filhos de Deus.

Cupim olhou para o céu, as nuvens cinzas se movendo com pressa.

— Será que… Deus vai me perdoar? Por tamanho pecado?

Ele apertou os olhos.

— Eu matei um homem… o pai da menina que eu gosto. E eu… eu tenho medo de voltar pra Jardim.

O velho tocou seu ombro.

— Deus não vai te abandonar.

O silêncio pairou por um instante.

— Agora preciso te treinar pra proteger a todos.

— E como isso vai acontecer?

O velho sorriu, misterioso.

— Já começou, meu jovem. Coma essa fruta.

Ele estendeu um pequeno fruto amarelado, coberto de barro.

— Que isso… cajá?

— Sim. É cajá.

— Tá certo…

Cupim mordeu.

O gosto era ácido. Quente. A língua formigou.

Então o mundo virou vermelho e preto.

As árvores mudaram de forma. O céu pareceu rasgar.

— O que… tá acontecendo?!

Ele se levantou cambaleante.

O velho abriu os braços, o mangue atrás dele parecia dançar com sombras.

— Essa visão… é o que vai te permitir enxergar à noite, minha criança.