Capítulo 19: Árvore gelada (1)

Mark e Layos trocaram olhares, ainda ofegantes após a intensa batalha. O ar ao redor estava pesado, e a neve sob seus pés estava tingida de vermelho. 

Igris permaneceu em silêncio, segurando suas correntes ensanguentadas, enquanto as meninas observavam atentamente o homem que se aproximava.

A luz do sol, antes intensa, agora parecia enfraquecida, revelando gradualmente a figura misteriosa. 

Ele possuía entre 1,80 e 1,82 metros de altura, com olhos negros profundos que transmitiam uma mistura de autoridade e melancolia. Seu cabelo, longo e sedoso, exibia um tom azul-esverdeado, caindo suavemente sobre os ombros. Sua postura era impecável, cada movimento refletindo uma disciplina inabalável.

A pele do homem era bem cuidada, e seu rosto, de traços afiados, exalava uma presença marcante.

Suas vestes eram dignas de um guerreiro veterano: uma armadura de prata com detalhes em azul-escuro, reluzindo sob a fraca luz do dia. Sobre os ombros, uma capa imponente balançava suavemente ao vento, ostentando um símbolo bordado—um dragão de três cabeças, gravado com precisão e imponência.

Ao lado da sela de seu cavalo branco, pendia uma espada fina e elegante. Sua lâmina era longa, com delicadas listras brancas que percorriam sua extensão, como se carregasse um brilho próprio. O cavalo, majestoso e bem treinado, permanecia imóvel, como se soubesse da importância de seu cavaleiro.

O silêncio pairou no ar por alguns instantes, enquanto todos absorviam a presença daquele homem. Ele não precisava falar para impor respeito—sua simples existência já era suficiente para despertar uma aura de mistério e poder.

As meninas se aproximaram do homem imponente, como se instintivamente soubessem que ele representava uma mudança na situação. Sem dizer uma palavra, ele entendeu a resposta delas apenas pelo gesto. Igris desfez as correntes, fazendo-as desaparecer no ar, e caminhou na direção do grupo.

Mark e Layos, no entanto, não conseguiam esconder a desconfiança. 

Havia algo naquele homem que os deixava inquietos, mas, diante do que havia acontecido, não tinham tempo para questionamentos. Layos foi o primeiro a falar, sua voz carregada de cansaço e seriedade:

— Eu vou com você, mas quero levar meu amigo para enterrá-lo. Não vou deixá-lo aqui — seu olhar se voltou para o corpo de Takeshi, agora imóvel sobre a neve manchada de vermelho.

O homem observou a cena por um momento e, com uma voz tão refinada que soava como uma melodia bem entoada, respondeu:

— Está bem. Todos, venham comigo.

Com um leve toque nas rédeas, ele conduziu seu cavalo para a direita, seguindo por um caminho silencioso. Os outros o acompanharam, sem outra escolha além de seguir o rumo que o destino lhes impunha.

Mark carregava o corpo de Takeshi nos braços, mas algo nele parecia diferente. Layos, mesmo abalado, ainda conseguia manter a cabeça erguida, segurando a espada de Takeshi firmemente em sua mão direita. 

Mark, por outro lado, caminhava em silêncio absoluto. Seu olhar estava vazio, perdido em algo que ninguém mais via. Ele não respondia quando falavam com ele, não reagia às palavras de conforto nem aos olhares de preocupação.

O peso do corpo de Takeshi em seus braços não era o único que carregava. Havia outro peso, invisível, começando a se instalar dentro dele. Algo que ainda não conseguia compreender, mas que, a cada passo, parecia se enraizar mais fundo.

A neve caía suavemente ao redor deles, criando um manto branco e silencioso que cobria o chão, mas à medida que a noite se aproximava, os flocos se tornaram mais densos, formando uma cortina fria e implacável. 

O céu, agora de um cinza escuro, não deixava transparecer nenhuma estrela, e a atmosfera parecia cada vez mais pesada. O vento cortante soprava pelas árvores, sussurrando segredos ininteligíveis, enquanto o som de seus passos na neve era abafado pela solidão que os cercava.

Mark caminhava em silêncio, seus olhos vazios, perdidos em algum lugar distante. Ele não falava, não reagia às tentativas de interação dos outros. 

As palavras que vinham a sua mente eram como ecos distantes, sem forma nem sentido. O corpo de Takeshi ainda repousava em seus braços, e ele sentia o peso do amigo como um fardo. 

Não apenas o fardo físico, mas o peso da perda que começava a se enraizar dentro dele. A cada passo, sentia a dor de sua partida se instalar mais fundo, uma dor que parecia não ter fim.

Layos, por outro lado, andava mais lento. Seu olhar estava fixo à frente, mas seu pensamento estava em outro lugar.

Ele tentava não pensar sobre o que poderia ter feito de diferente, mas a dor no peito era insuportável. Ele não tinha conseguido salvar Takeshi, e isso o consumia. 

Cada passo parecia mais pesado que o anterior, como se o fardo da culpa estivesse se tornando uma parte dele, algo que ele não sabia como carregar. Mas ele carregava, porque não havia outra escolha.

Igris, por sua vez, tentava manter um semblante calmo, conversando de vez em quando com as meninas, tentando não mostrar a tensão crescente que sentia. 

Ele sabia o que aquela perda significava para todos, mas sua voz, suave como sempre, parecia distante, como se estivesse tentando se proteger de algo mais profundo.

O homem que os guiava, com sua postura firme e silenciosa, permanecia impassível, mas algo em sua presença parecia aumentar a sensação de isolamento. 

Ele não dizia nada, apenas os conduzia por aquele caminho sombrio, como se fosse normal levar um grupo de pessoas por um cenário de dor e incerteza.

Finalmente, à medida que a noite se aprofundava, eles avistaram uma vila à distância. 

As casas de madeira estavam espalhadas por uma área ampla, com telhados cobertos de neve e fumaça saindo das chaminés, sugerindo um ambiente quente e acolhedor. 

Lampiões acesos iluminavam as ruas de maneira suave, mas o contraste com o frio implacável da noite só acentuava a sensação de que estavam entrando em um lugar onde poderiam se perder ainda mais.

O som de passos ecoava na rua principal da vila, e algumas pessoas passavam, olhando curiosas para o grupo, mas ninguém se aproximava para falar.

 A vida seguia, como sempre, mas para Mark e Layos, tudo parecia distante e irrelevante. Eles estavam ali, mas não estavam realmente presentes. 

O que havia acontecido os havia mudado de uma forma que não sabiam como lidar, e a dor da perda de Takeshi parecia um abismo crescente dentro de ambos. A sensação de que poderiam cair naquele abismo e nunca mais voltar estava se tornando mais real a cada passo que davam.

O silêncio dominava o ambiente enquanto o homem desmontava de seu cavalo. Seus passos eram lentos, quase solenes, e cada movimento parecia pesar sob a atmosfera carregada de tristeza. 

Mark e Layos o seguiram com olhares vazios, ainda absorvendo a dor da perda. O vento frio cortava a pele, mas nenhum deles parecia se importar. O que doía não era o clima, era a ausência.

— Vou mostrar onde vocês podem enterrar seu amigo — disse o homem, sua voz baixa, mas firme.

Eles apenas assentiram. Não havia necessidade de palavras.

Igris lançou um último olhar para os dois antes de se afastar com as meninas.

 — Vocês podem ir. Eu vou ver o acampamento com elas — sua voz soava distante, como se ela própria estivesse lidando com a perda à sua maneira.

O cemitério era um local isolado, cercado por árvores cujos galhos nus balançavam sob a brisa gélida. As lápides, algumas antigas e desgastadas pelo tempo, contavam histórias silenciosas de vidas que já se foram.

O chão estava coberto por uma fina camada de neve, que se acumulava sobre os túmulos como um véu de esquecimento.

O homem apontou para um espaço vazio. 

— Podem colocar ele aqui.

Layos sentiu sua garganta travar. Era real agora. Takeshi realmente se foi.

Sua mão, trêmula, soltou a espada no chão antes de começar a cavar. O som da pá cortando a terra fria ecoava no ar, um lembrete cruel de que esse era o fim. Cada movimento parecia tirar um pedaço dele, como se sua própria alma estivesse sendo enterrada junto.

Mark, segurando o corpo de Takeshi, não se movia. O peso do amigo não era nada comparado ao peso da culpa e do vazio que corroía seu peito. 

Ele olhou para Takeshi, esperando que, de alguma forma, ele abrisse os olhos. Mas era inútil. Ele nunca mais abriria.

Lentamente, Mark colocou o corpo na cova. A sensação de abandono o atingiu como um golpe. 

Ele queria dizer algo, mas as palavras não vinham. O silêncio era a única coisa que restava.

Layos o ajudou a cobrir a sepultura. Cada punhado de terra parecia um adeus. O último adeus.

Quando o túmulo ficou pronto, eles apenas ficaram ali, encarando a lápide improvisada. O vento sussurrava em seus ouvidos, trazendo consigo um frio que parecia se infiltrar direto em seus ossos.

Mark apertou os punhos. Ele se sentia vazio. Perdido. E, acima de tudo, sozinho.

Layos também estava em silêncio, mas seu olhar fixo na lápide denunciava o peso da culpa que carregava. A sensação de fracasso era esmagadora. Eles haviam falhado.

O homem os observava, respeitando o momento. Seu olhar continha algo mais do que simples compreensão, mas Mark estava tão consumido pela dor que não conseguiu perceber.

A neve continuava a cair, cobrindo a sepultura recém-feita. E ali, sob o céu nublado, Mark e Layos sentiram que algo dentro deles havia morrido junto com Takeshi.

Após um longo momento de silêncio diante da sepultura recém-feita, Mark e Layos olharam para baixo uma última vez e murmuraram:

— Descanse em paz.

Sem mais palavras, eles se afastaram. O peso da despedida ainda estava em seus ombros, mas não havia mais nada que pudessem fazer.

O homem os observou se afastar antes de virar-se para o túmulo. Seu olhar permaneceu fixo na terra recém-revolvida, e então, com um sorriso breve, quase imperceptível, ele murmurou para si mesmo:

— Falta muito pouco para terminar o plano.

O sorriso desapareceu tão rápido quanto surgiu, e seu rosto voltou a uma expressão séria. Sem dizer mais nada, ele seguiu Mark e Layos, guiando-os pelo caminho até um pequeno acampamento onde passariam a noite.

A estrutura era simples, com tendas improvisadas e uma iluminação fraca de lâmpadas espalhadas pelo local. O ar carregava um cheiro de madeira e um leve aroma de terra molhada. 

Quando entraram no espaço reservado para eles, encontraram cobertores simples espalhados pelo chão. O local era pequeno, mas oferecia abrigo.

O homem se retirou, deixando-os sozinhos. Mark e Layos sentaram-se sobre as cobertas, sem trocar uma palavra. O silêncio entre eles era denso, carregado de luto e exaustão.

Por um tempo, apenas o som do vento do lado de fora preenchia o ambiente, até que passos se aproximaram. Igris entrou, acompanhado pelas meninas. Ele observou os dois por um instante antes de quebrar o silêncio:

— Vocês estão muito calados. Querem conversar um pouco?

Mark ergueu o olhar, sua expressão cansada e vazia. Ele suspirou antes de responder:

— Estou calado porque quero. Mas podemos conversar.

Layos, sem muita energia, apenas assentiu e disse:

— Sim.

A conversa começaria, mas o peso da perda ainda pairava sobre eles como uma sombra difícil de dissipar.

Igris, percebendo o peso no ar, tentou aliviar o clima, querendo dar a eles algo para focar além da dor:

— Bem, talvez vocês não saibam, mas a menina de cabelos azuis se chama Luna, e a de cabelos pretos... bom, foi difícil de pronunciar, mas acho que agora acertei: Tsukiko.

Por um momento, o silêncio permaneceu, até que Tsukiko, com uma voz melancólica e baixa, respondeu:

— Dessa vez, você acertou.

Igris sorriu de leve, tentando aliviar o clima.

— Que bom. Hahaha.

Luna, no entanto, parecia impaciente. Ela cruzou os braços e bufou, demonstrando um pouco de frustração.

— Por que não falamos logo sobre aquilo que você mencionou antes, Igris? 

Ele ficou um pouco sem graça, coçando a nuca.

— Ah, é mesmo — então, ergueu o braço direito e perguntou: — algum problema se a gente conversar sobre nossas habilidades?

Layos e Mark trocaram olhares e concordaram com um aceno de cabeça. Tsukiko levantou o polegar, sinalizando que também estava de acordo.

Por um momento, a dor e o vazio de Takeshi preencheram o silêncio, mas logo a conversa sobre as habilidades interrompeu a angústia, trazendo uma pausa na melancolia.

— Certo. Vou começar. Minha habilidade principal vocês já conhecem. Posso invocar até dez correntes ao mesmo tempo. O problema é que, se alguma for destruída, minha mão sofre as consequências, podendo ser queimada ou eletrocutada. Quanto mais eu invoco, mais dor eu sinto.

Ele fez uma breve pausa antes de continuar:

— Minha segunda habilidade envolve os seres dos olhos. Posso invocar dois, mas… bem, um deles morreu definitivamente. O único que sobrou tem a capacidade de expelir um líquido ácido. 

O ambiente permaneceu silencioso por um instante, enquanto todos assimilavam as informações. 

A conversa estava apenas começando, mas cada detalhe revelado deixava claro que as habilidades que possuíam vinham com um preço altoo.

Luna avançou um passo à frente, cruzando os braços com um olhar levemente arrogante.

— Minha habilidade? Primeiro, eu posso criar uma pequena bola de ar — ela ergueu a mão, e uma esfera translúcida se formou diante dela — Posso usá-la para empurrar seres, mas também aprendi a usá-la para pular mais alto.

Ela fez uma breve pausa, seu rosto se contorcendo em frustração.

— O problema é que essa porcaria tem um custo ridículo! A chance de eu perder o controle do ar é alta, e, às vezes, o próprio vento pode me levar junto! — Luna bufou, visivelmente irritada com a limitação de sua habilidade.

Respirando fundo, ela continuou:

— Minha segunda habilidade é uma barreira transparente que só funciona para me proteger — ela ergueu a mão novamente, mas, dessa vez, nada visível apareceu — larece ótimo, né? O problema é que, se eu não controlar direito, a barreira pode encolher e acabar me prendendo dentro dela.

Ela revirou os olhos, claramente insatisfeita com as restrições das próprias habilidades. O grupo permaneceu em silêncio por um momento, absorvendo as informações.

Tsukiko deu um passo hesitante à frente, suas mãos tremendo levemente devido à timidez. Mesmo assim, com sua voz melancólica, ela começou a falar:

— B-Bem… minha primeira habilidade é… é… — ela respirou fundo antes de continuar — eu posso criar um cabo que tem duas fases. A primeira é um buff, que permite aumentar um pouco a força de alguém. A segunda… bem, teoricamente, eu posso fazer esse cabo explodir, mas… ainda não consigo fazer isso direito.

Ela abaixou levemente o olhar, parecendo frustrada consigo mesma.

— É muito difícil. Para conseguir ativar a explosão, eu preciso gastar muita mana… e eu ainda não domino essa parte.

O grupo permaneceu em silêncio, absorvendo suas palavras. Tsukiko hesitou por um momento antes de continuar:

— Minha segunda habilidade… eu consigo paralisar um ser. Mas tem um problema grande. — ela mordeu levemente o lábio, parecendo hesitante — quando eu ativo essa habilidade, eu também fico paralisada… só que não totalmente. Eu fico apenas mais… lenta.

Seu tom de voz carregava uma mistura de melancolia e frustração. Ela claramente não estava satisfeita com as limitações de suas habilidades. Após terminar de falar, Tsukiko recuou um pouco, evitando encarar diretamente os outros, esperando a reação deles.

Layos foi o primeiro a quebrar o silêncio, sua voz carregava um tom pensativo:

— Todos temos habilidades muito boas… o problema é o limite. 

O grupo ficou em silêncio por um momento, cada um refletindo sobre suas próprias fraquezas. O clima no pequeno abrigo era denso, carregado pelo peso da conversa e pelo cansaço da última batalha.

Foi então que Tsukiko, que até então permanecia calada, ergueu o olhar. Havia algo que a incomodava desde o momento em que chegaram ali. Com a voz suave, mas carregada de curiosidade e cautela, ela perguntou:

— Aquela pessoa que morreu… qual era o nome dela?

O ambiente ficou ainda mais silencioso. Layos apertou os punhos involuntariamente. Mark desviou o olhar, sua expressão se tornando sombria.

Ninguém respondeu de imediato.

O vento lá fora uivava baixinho, como se esperasse por uma resposta.