Ventos de Mudança

Aiden estava no celeiro, varrendo o chão de terra batida com uma vassoura desgastada, o som das cerdas arranhando o solo misturando-se ao canto distante dos pássaros. Era um trabalho simples, mas que ele fazia com um certo orgulho — cada montinho de palha que juntava era um pedaço da ordem que ele ajudava a manter na fazenda.

Foi então que Elara apareceu na porta do celeiro, segurando um saco de ferramentas enferrujadas que tilintavam a cada passo. Seu cabelo castanho estava solto, caindo em ondas sobre os ombros, e ela tinha uma expressão que tentava ser casual, mas não conseguia esconder um leve nervosismo. Aiden parou o que fazia, apoiando-se na vassoura como se fosse um cajado, e a encarou com um sorriso curioso.

— Aiden, você pode me acompanhar até a vila? Preciso levar essas ferramentas para o ferreiro consertar — disse ela, erguendo o saco com um gesto um pouco mais brusco do que o necessário.

Aiden inclinou a cabeça, o sorriso se alargando em algo mais travesso. Ele conhecia a irmã bem demais para deixar passar uma oportunidade como aquela.

— Ferramentas, é? — perguntou, arrastando as palavras. — Ou será que você só quer uma desculpa pra ver o Tomas de novo?

Elara corou imediatamente, o vermelho subindo do pescoço até as bochechas como se alguém tivesse acendido uma fogueira dentro dela. Ela jogou o saco sobre o ombro com força, quase derrubando uma pá que estava encostada na parede.

— Não seja bobo! — retrucou, a voz um tom mais alto do que o normal. — São só ferramentas que o pai pediu pra consertar. Não tem nada a ver com o Tomas.

— Claro, claro — Aiden riu, largando a vassoura no chão com um baque surdo. Ele limpou as mãos na calça de brim, deixando marcas de poeira nas coxas, e deu um passo em direção a ela. — Mas eu vou junto mesmo assim. Não quero perder a chance de te ver toda vermelha quando ele falar com você.

Elara bufou, revirando os olhos, mas não disse mais nada para impedi-lo. Aiden sabia que ela não o mandaria embora — no fundo, ela gostava da companhia, mesmo que viesse com provocações. Os dois saíram do celeiro e começaram a caminhada pela estrada de terra que levava à vila de Pedra Clara, o sol já subindo no céu e aquecendo suas costas. O caminho era tranquilo, ladeado por campos de trigo que balançavam suavemente ao vento, e o som dos passos deles misturava-se ao farfalhar das folhas e ao canto ocasional de um pássaro escondido nas árvores.

Aiden, como de costume, não perdeu tempo em cutucar a irmã.

— Sabe, Elara, eu acho que o Tomas gosta de você também — disse ele, chutando uma pedrinha solta no caminho e observando-a quicar até sumir na grama. — Ele sempre fica todo desajeitado quando você tá por perto.

— Para com isso, Aiden! — Elara respondeu, acelerando o passo como se pudesse deixar a provocação para trás. Mas o canto da boca dela se curvou num sorriso que ela não conseguiu esconder. — Ele é só... educado.

— Educado, é? — Aiden riu alto, o som ecoando pelo campo aberto. — Então por que ele quase derrubou a bigorna inteira quando você apareceu na forja da última vez? Educado não explica isso.

Elara lhe deu um tapa leve no braço, mas estava rindo também, o que só incentivou Aiden a continuar.

— Eu juro, vocês dois são um espetáculo. Ele tentando parecer sério, você tentando fingir que não tá nem aí... — Ele balançou a cabeça, como se estivesse assistindo a uma peça de teatro particularmente divertida.

Ela abriu a boca para retrucar, mas desistiu, apenas balançando a cabeça e ajustando o saco de ferramentas no ombro. A verdade era que Aiden não estava totalmente errado, e Elara sabia disso. Havia algo no jeito desajeitado de Tomas que a fazia sorrir, mesmo que ela nunca admitisse em voz alta.

Quando chegaram à vila de Pedra Clara, o movimento já estava começando a crescer. Carroças passavam rangendo, carregadas de feno ou sacos de grãos, enquanto crianças corriam pelas ruas de paralelepípedos, gritando e rindo numa brincadeira de esconde-esconde. A forja do ferreiro ficava no coração da vila, uma construção robusta de pedra cinzenta com uma chaminé larga que cuspia uma fumaça constante no céu azul. O som de marteladas vinha de dentro, ritmado como o pulsar de um coração, e o cheiro de metal quente já os alcançava antes mesmo de cruzarem a porta.

Elara hesitou por um instante, o saco de ferramentas pendurado em suas mãos como um peso que ela não sabia se queria carregar. Aiden, percebendo a pausa, deu um empurrãozinho gentil nas costas dela.

— Vai lá, não seja covarde — sussurrou ele, com um tom de quem sabia exatamente o que estava acontecendo.

Ela lançou um olhar irritado por cima do ombro, mas respirou fundo e entrou. Aiden a seguiu, o sorriso ainda firme no rosto.

Dentro da forja, o calor era quase sufocante. As brasas ardiam num forno aberto, lançando sombras dançantes nas paredes de pedra, e o ar estava pesado com o cheiro acre de ferro quente e fuligem. O pai de Tomas, um homem grande com uma barba grisalha que parecia ter sido forjada junto com suas lâminas, estava ocupado moldando uma peça de metal, o martelo batendo com força precisa contra a bigorna. Mas foi Tomas quem os viu primeiro. Ele estava no canto, limpando uma espada com um pano sujo, os cabelos castanhos caindo sobre a testa suada. Ao notar Elara, ele congelou por um segundo, e a espada escorregou de suas mãos, caindo no chão com um clangor alto que fez Aiden soltar uma risadinha abafada.

— Elara! Aiden! — Tomas exclamou, limpando as mãos na calça de couro e deixando marcas pretas de fuligem. — O que... o que traz vocês aqui?

Elara deu um passo à frente, erguendo o saco de ferramentas como se fosse um escudo.

— Trouxe algumas ferramentas pra consertar — disse ela, a voz firme, mas com um leve tremor que Aiden notou imediatamente. — O pai disse que elas tão precisando de reparos.

Tomas se aproximou para pegar o saco, e seus dedos roçaram os dela por um instante breve demais para ser intencional, mas longo o suficiente para fazer os dois corarem. Ele baixou os olhos, focando no saco como se fosse a coisa mais interessante do mundo, enquanto Elara puxava a mão de volta rápido demais. Aiden, encostado numa pilha de caixas ao lado, cruzou os braços e deixou escapar um comentário.

— Cuidado, Tomas, não vai derrubar essas também! — disse ele, rindo.

Tomas sorriu, meio sem graça, e Elara virou-se para o irmão com um olhar que poderia derreter ferro.

— Ignore ele, Tomas — disse ela, forçando um tom casual. — Ele só tá sendo chato, como sempre.

— Eu? Chato? — Aiden fingiu indignação, levando a mão ao peito. — Eu sou o melhor companhia que vocês poderiam ter aqui.

Tomas riu baixo, ainda um pouco nervoso, mas parecia mais à vontade agora.

— Vou dar uma olhada nas ferramentas — disse ele, abrindo o saco e examinando o conteúdo: uma enxada com o cabo frouxo, uma foice com a lâmina cheia de mossas, um par de tesouras de poda que mal abriam. — Deve ficar pronto até amanhã, se tudo der certo.

— Obrigada, Tomas — Elara respondeu, e havia uma suavidade na voz dela que Aiden não deixou passar despercebida.

Enquanto Tomas explicava algo sobre o conserto — algo sobre aquecer o metal e ajustar as juntas, que Elara ouvia com atenção fingida —, Aiden passeava pela forja, fingindo interesse nas armas penduradas nas paredes. Havia espadas curtas, machados de cabo longo e até uma lança que parecia mais decorativa do que prática. Mas, na verdade, ele mantinha um olho nos dois, observando como Tomas gesticulava com entusiasmo e como Elara tentava, sem muito sucesso, esconder o sorriso que surgia toda vez que ele olhava para ela.

Quando finalmente saíram da forja, o sol já estava mais alto, e o ar parecia mais leve fora do calor da oficina. Elara caminhava com um passo mais animado, o saco de ferramentas deixado para trás, e Aiden não resistiu a uma última provocação.

— Então, quando é o casamento? — perguntou ele, com um tom de inocência tão falso que quase parecia verdadeiro.

— Aiden! — Elara exclamou, mas riu junto com ele, o coração leve pela interação com Tomas. A caminhada de volta para a fazenda foi cheia de brincadeiras.

De volta à Fazenda dos Colinas, o dia seguiu seu curso normal — ou pelo menos foi o que Aiden esperava. Ele estava ajudando Markus, seu pai, a consertar uma parte da cerca que havia cedido com as chuvas recentes. O sol batia forte, queimando a nuca dos dois, e o suor escorria em linhas pela testa enquanto martelavam estacas de madeira no solo macio. A cerca era velha, feita de tábuas que já tinham visto muitos invernos, e algumas estavam podres na base, cedendo ao peso do vento ou das vacas que insistiam em se esfregar ali.

Markus era um homem prático, de poucas palavras, mas com mãos que sabiam o que fazer. Ele entregou um prego a Aiden e apontou para a próxima estaca.

— Firma bem essa aí, filho — disse, a voz rouca de quem passou a vida gritando ordens para o gado.

Aiden assentiu, posicionando o prego e batendo com o martelo. O som ecoava pelo campo, um tum-tum constante que parecia sincronizar com os batimentos do seu coração. Ele gostava daquele trabalho, da sensação de consertar algo com as próprias mãos. Era como se cada prego fosse uma prova de que ele pertencia àquela terra, de que podia cuidar dela como seu pai fazia.

Foi então que o som de cascos na estrada os interrompeu. Um mensageiro a cavalo apareceu, parando perto da entrada da fazenda. Ele era jovem, com uma capa empoeirada e um pergaminho enrolado na mão, e sua expressão era séria, mas não alarmada. Markus largou o martelo e se aproximou, limpando as mãos na calça enquanto Aiden o seguia, curioso.

— Boas tardes, senhor — disse o mensageiro, desenrolando o pergaminho com um gesto rápido. — Trago notícias da vila vizinha, Pedra Alta. Houve relatos de bandidos rondando a região.

Markus franziu a testa, pegando o pergaminho e passando os olhos pelas linhas rabiscadas.

— Bandidos? Aqui por perto? — perguntou, a voz carregada de uma preocupação que ele tentava disfarçar.

— Sim, senhor — respondeu o mensageiro. — Foram vistos a algumas léguas ao norte, mas não atacaram ninguém ainda. Pode ser que estejam só de passagem, mas o líder da vila achou prudente avisar as fazendas próximas. Fiquem atentos.

Ele fez uma breve saudação com a cabeça, montou no cavalo e partiu, deixando uma nuvem de poeira na estrada. Markus ficou em silêncio por um momento, dobrando o pergaminho e guardando-o no bolso da camisa. Aiden, ao seu lado, sentiu um leve aperto no peito. A fazenda era isolada, cercada por campos abertos e algumas árvores esparsas, e a ideia de bandidos rondando a região o deixava inquieto.

— O que acha, pai? — perguntou ele, tentando manter o tom leve.

Markus deu de ombros, voltando para a cerca como se nada tivesse acontecido.

— Não se preocupe, Aiden. Provavelmente são só boatos. Vamos terminar isso aqui antes do almoço.

Aiden assentiu, mas a semente da preocupação já havia sido plantada. Ele pegou o martelo e bateu na estaca com mais força do que o necessário, tentando afastar os pensamentos ruins. A fazenda era seu lar, o lugar onde ele queria ficar, e ele não ia deixar um boato qualquer tirar sua paz.

Nos dias seguintes, as coisas começaram a desandar de verdade. Aiden acordou cedo, como sempre, e foi até o estábulo para alimentar Trotador, o cavalo da família. Ele era um animal forte, de pelo castanho brilhante e crina longa que balançava quando trotava pelos campos. Aiden tinha um apego especial por ele — fora Trotador quem o carregara nas costas quando ele aprendera a montar, e quem o ajudara a arar os campos nos dias mais duros. Mas naquela manhã, algo estava errado.

Trotador estava deitado no canto do estábulo, a respiração pesada e irregular. Seu pelo, que normalmente reluzia ao sol, estava opaco e úmido de suor, e ele mal levantou a cabeça quando Aiden se aproximou com um balde de aveia.

— Ei, amigo, o que tá acontecendo? — perguntou Aiden, ajoelhando-se ao lado do cavalo e passando a mão pelo focinho quente.

Trotador soltou um gemido baixo, os olhos meio fechados, e Aiden sentiu o coração apertar. Ele largou o balde e correu para a casa, gritando:

— Pai! Mãe! O Trotador tá doente!

Markus preocupado apareceu em poucos minutos e Liana apareceu com uma feição preocupada não muito tempo depois, ainda com os rostos marcados pelo sono. Liana, a mãe de Aiden, era uma mulher pequena, mas com uma energia que parecia infinita. Ela tinha um conhecimento vasto sobre ervas e remédios caseiros, algo que aprendera com a avó, e imediatamente assumiu o comando.

— Vamos levá-lo pra fora — disse ela, enquanto Markus segurava as rédeas e Aiden empurrava gentilmente o cavalo pelo flanco.

Com esforço, conseguiram fazer Trotador se levantar e o levaram para o pátio, onde o sol podia aquecê-lo. Ele cambaleou um pouco, mas ficou de pé, o que já era um alívio. Liana correu para a cozinha e voltou com uma trouxa de ervas — camomila, hortelã e uma raiz amarga que ela chamava de "dente-de-leão" —, que triturou numa tigela de madeira com um pouco de água.

— Isso vai ajudar a febre dele — explicou ela, misturando tudo até formar uma pasta verde. — Aiden, segura o focinho dele pra mim.

Aiden obedeceu, segurando Trotador com firmeza enquanto Liana esfregava a mistura na língua do cavalo. O animal resistiu no início, sacudindo a cabeça, mas acabou cedendo, engolindo com um resmungo que fez Aiden rir apesar da preocupação.

— Ele vai ficar bem, não vai, mãe? — perguntou, a voz embargada enquanto acariciava o pescoço de Trotador.

Liana sorriu, mas seus olhos estavam sérios.

— Vamos fazer o possível, querido. Ele é forte, mas precisa de cuidados. Vamos ficar de olho nele hoje.

Markus deu um tapinha no ombro do filho, um gesto silencioso de apoio, e voltou para dentro. Aiden ficou ali, sentado na grama ao lado de Trotador, falando com ele em voz baixa.

— Você não vai me abandonar, hein, amigo? — disse, relembrando os dias em que corria com ele pelos campos, o vento batendo no rosto e o som dos cascos ecoando na terra. A fazenda não seria a mesma sem Trotador, e Aiden sabia disso.

Mas os problemas não pararam por aí. Quando foi verificar o curral, Aiden descobriu que as duas vacas da família, Margarida e Estrela, não estavam dando leite fazia dias. Margarida era a mais velha, com um pelo malhado de branco e preto, enquanto Estrela era mais jovem, de um marrom claro que lembrava caramelo. As duas eram parte da rotina da fazenda, fornecendo leite para o café da manhã e para o queijo que Liana fazia nas tardes mais calmas. Mas agora, os baldes ficavam vazios.

— Não sei o que tá acontecendo — disse Markus, coçando a barba enquanto olhava para as vacas. — Pode ser o calor, ou talvez elas tão estressadas com alguma coisa.

Aiden, determinado a ajudar, tomou a iniciativa.

— Vou levá-las pro pasto perto do riacho — anunciou, pegando uma corda e amarrando-a no pescoço das vacas. — Lá a grama tá mais verde. Talvez isso resolva.

Markus assentiu, e Aiden passou a tarde guiando Margarida e Estrela pelo caminho estreito que levava ao riacho. O sol estava implacável, e ele sentia o suor escorrer pelas costas enquanto puxava as vacas, que pareciam mais teimosas do que o normal. Margarida parava a cada poucos passos para mordiscar uma planta seca ao lado do caminho, e Estrela soltava mugidos altos que ecoavam pelo vale.

— Vamos lá, meninas, colaborem comigo — resmungava ele, dando puxões leves na corda.

Quando finalmente chegaram ao riacho, a grama era de fato mais verde, úmida pela proximidade da água. Aiden amarrou as vacas a uma árvore e sentou-se na margem, jogando água fresca no rosto. Ele observou as duas começarem a pastar, arrancando tufos de grama com uma lentidão quase preguiçosa, e sentiu uma pontada de esperança. Talvez fosse o suficiente para trazer o leite de volta.

Enquanto o sol descia no horizonte, pintando o céu de laranja e roxo, Aiden refletiu sobre o dia. A visita à vila com Elara, as notícias dos bandidos, o cuidado com Trotador e agora as vacas — tudo parecia um teste, como se a fazenda estivesse lhe dizendo que cuidar dela não era fácil, mas que valia a pena. Ele amava aquela terra, com seus campos abertos e seus animais teimosos, e faria o que fosse preciso para mantê-la viva.

Mas essa esperança começou a desvanecer nos dias seguintes. Ao voltar para a fazenda, Aiden encontrou sua mãe, Liana, no estábulo, ainda cuidando de Trotador, o cavalo da família. O animal estava deitado, com a respiração pesada e os olhos semicerrados, um sinal de que a febre persistia. Liana passava um pano úmido em sua testa, o rosto marcado por linhas de preocupação.

— Ele não tá melhorando, Aiden — disse ela, a voz carregada de cansaço. — E as vacas... você viu como elas estão?

Aiden assentiu, o coração apertado. Margarida e Estrela pareciam apáticas, mesmo depois de pastarem no riacho. O leite não voltou, e elas continuavam mastigando o feno seco do curral com uma lentidão que não era natural. Algo estava errado, e a família não podia mais ignorar.

— A gente vai ter que chamar o veterinário — disse Liana, hesitante. — Mas... só nos resta o dinheiro de emergência.

Aiden sentiu um peso no peito. O dinheiro de emergência, guardado com tanto sacrifício num pote de barro na despensa, era a última reserva da família. Gastá-lo significava abrir mão de qualquer segurança para o futuro. Mas não havia escolha — Trotador era essencial para o trabalho na fazenda, e sem o leite das vacas, eles não teriam como se sustentar.

No dia seguinte, Aiden foi até a vila de Pedra Clara buscar Mestre Jorvan, o veterinário. O sol mal havia nascidoele vestiu sua roupa de couro e partiu na estraga de terra que vai até a vila. A viagem foi silenciosa, com o som dos pássaros na árvores da floresta ao ecoando seus pensamentos ansiosos. Ao chegar, bateu na porta de Jorvan com força, acordando o velho rabugento.

— Problemas com o cavalo e as vacas — explicou Aiden, ofegante. — Precisamos do senhor agora.

Jorvan resmungou, mas pegou sua bolsa de couro cheia de instrumentos e remédios. Antes de partir, cruzou os braços e disse:

— Pagamento adiantado. Não trabalho de graça.

Aiden entregou as moedas do dinheiro de emergência, sentindo o coração apertar ao ver o sacrifício da família nas mãos do veterinário. Eles voltaram juntos para a fazenda, o silêncio entre eles quebrado apenas pelo ranger da carroça de Jorvan.

Primeiro, Jorvan examinou Trotador. Apertou seu abdômen, ouviu sua respiração e balançou a cabeça.

— Infecção interna — disse, sério. — Vou dar um remédio, mas ele tá velho. Não garanto nada.

— Desnutrição — declarou. — O pasto do riacho não resolveu. Vocês precisam de ração especial, mas mesmo assim... elas tão fracas demais. Pode ser tarde.

Aiden engoliu em seco. Jorvan deixou um frasco de remédio para Trotador e algumas instruções, mas suas palavras não traziam alívio. A família passou os dias seguintes cuidando do cavalo com afinco, aplicando o remédio e trocando os panos úmidos na tentativa de baixar a febre. Enquanto isso, as vacas continuavam sem melhorar. O leite não voltou, e elas pareciam cada vez mais distantes, como se desistissem aos poucos.

Numa noite fria, Aiden sentou-se no estábulo ao lado de Trotador, que respirava com dificuldade. O vento entrava pelas frestas, trazendo um ar gelado que parecia carregar todas as incertezas da família. Ele olhou para o cavalo, depois pensou nas vacas no curral, e uma pergunta ecoou em sua mente:

— O que vai ser de nós?

Não havia resposta. As estrelas brilhavam lá fora, distantes e indiferentes, enquanto o futuro da fazenda permanecia envolto em sombras.