Capítulo 9

No plano mais profundo do Tártaro.

Freya estava ajoelhada. O chão sob seus joelhos era quente, seco, implacável. Seus braços erguiam-se para o alto, algemados por correntes negras incandescentes, envoltas em um fluxo interminável de lava. O fogo queimava sua pele, mas não a consumia. Um tormento sem fim.

Seu corpo tremia. Sua cabeça pendia para frente, cabelos loiros desgrenhados cobrindo o rosto ensanguentado. A túnica branca de seda que usava, quase translúcida, estava marcada por manchas de sangue seco. Abaixo de si, uma poça escarlate se formava, gotas pingando de seu queixo, caindo sem pausa.

O ar era preenchido por grunhidos grotescos. Monstros eram arremessados no lago de chamas, suas vozes um coro de agonia. Almas gritavam enquanto eram dilaceradas pelos demônios que patrulhavam a escuridão. O fogo estalava, faminto.

O Tártaro era uma caverna deformada, suas paredes irregulares cobertas por marcas de arranhões. Corpos petrificados de homens e titãs decoravam as rochas, suas expressões congeladas em puro desespero. Eles tentaram fugir. Tentaram escalar as paredes íngremes. Mas o calor os alcançou. Suas carnes derreteram. Restaram apenas estátuas, memórias da condenação eterna.

Então, tudo parou.

As chamas estremeceram. O silêncio desceu como uma lâmina afiada.

Ecos de passos pesados ressoaram no nível superior. Cada batida contra o chão fez a atmosfera vibrar. Lentos. Precisos. Implacáveis.

Freya estremeceu.

A figura avançava, descendo os degraus de pedra. O som de dedos roçando contra a parede áspera ecoou. Uma presença sufocante preencheu o espaço. O medo enraizou-se até mesmo nos demônios. Harrow, o próprio deus do medo e da tortura, conteve a respiração.

Os passos pararam.

Freya ergueu lentamente o olhar. Sua visão estava turva. Formas borradas dançavam diante de seus olhos.

Até que finalmente, ela o viu.

Primordius.

O deus primordial ajoelhou-se diante dela. Seus olhos brancos, desprovidos de qualquer resquício de emoção, encontraram os dela. Seu rosto era marcado por cicatrizes. Seu cabelo longo e grisalho escapava por baixo de uma coroa de espinhos de ferro. Sua armadura negra, rachada por antigas batalhas, carregava a essência da destruição.

Uma aura púrpura e tempestuosa emanava de seu corpo, distorcendo o próprio espaço ao redor. Até o inferno tremia perante sua presença.

— Aethyr va Zynar-em, nara va nythir, thysir Zorath-em. — Sua voz ecoou como um trovão, reverberando através das paredes do Tártaro. — Desde o meu nascimento, a era dos deuses tem sido conturbada. Eu sou o caos que assombra os cosmos, o eclipse que devora a luz. Minha lâmina já ceifou incontáveis vidas. Sou a ruína inevitável da humanidade.

Freya ofegou, seu peito subindo e descendo com esforço. Mas seus olhos não vacilaram.

— Você jamais apagará minha criação... — Sua voz era fraca, mas firme. — Tesseron já escreveu no Archilivro os feitos que minhas mãos moldaram.

Primordius sorriu. Um sorriso frio. Sem vida.

— Mas posso alterar o futuro dos seus preciosos humanos.

Sua mão disparou, agarrando os cabelos de Freya. Com um puxão brutal, forçou sua cabeça para trás.

— Me diga onde está o humano que invadiu o templo dos deuses.

Silêncio.

Um soco colossal atingiu o rosto da deusa. O impacto foi ensurdecedor. Qualquer humano teria sido reduzido a poeira.

— Onde ele está? — Outro golpe.

Seu rosto virou violentamente para o lado. Mais sangue. Mais dor.

— Onde, Freya? — O terceiro golpe veio.

Seus lábios tremiam. Sua pele latejava. A poça de sangue aumentava.

— Onde está o maldito verme humano?! — O rugido de Primordius reverberou pelas cavernas.

Freya não respondeu.

Outro soco. A escuridão ameaçou tomá-la.

Primordius suspirou.

— Tsk... Amanhã eu voltarei.

Chamas negras consumiram seu corpo. E então, ele desapareceu.

Freya permaneceu ali. Sozinha.

Seus olhos se fecharam. O sangue escorreu pelo canto de seus lábios.

Ela murmurou, quase inaudível:

— Ji-Ho...

Ji-Ho despertou com um sobressalto.

Seu coração martelava em seu peito. Sua respiração estava acelerada. Ele saiu apressado da barraca, o frio da manhã arrepiando sua pele.

Olhou ao redor.

Nada.

Mas aquela sensação... Alguém o chamara?

Ele franziu a testa, balançando a cabeça para espantar o pensamento. Pegou sua mochila, retirou a pederneira e reacendeu a fogueira. Enquanto a chama crescia, preparou sua refeição. Após comer, vestiu roupas esportivas, alongou-se e começou sua corrida matinal de dez quilômetros.

A floresta passou ao seu redor como um borrão. Mas sua mente estava em outro lugar.

O peso da responsabilidade sobre seus ombros era esmagador. As memórias do dia anterior não lhe davam trégua. A Árvore o escolheu. Mas por quê? Por que ele?

Freya. Ela era a única que poderia responder.

Mas... Como encontrá-la novamente?

O dia passou. A noite caiu.

Ji-Ho forçou seu corpo ao limite, treinando incansavelmente suas habilidades recém-adquiridas.

E então, quando finalmente dormiu... tudo mudou.

De repente, ele estava em outro lugar.

O ambiente era sufocante. Rochas e solo avermelhados. Criaturas monstruosas. Humanos em batalha. Gritos de dor e desespero preenchiam o espaço.

Ji-Ho avançou. Sua mão tocou um dos monstros.

E passou direto.

Seus olhos se estreitaram. Ele não podia interagir com nada?

Os gritos não o incomodavam. Apenas o intrigavam.

Mãos nos bolsos, ele começou a explorar o lugar.

Até que viu uma escadaria.

Descendo... para ainda mais fundo.

E então, sem pensar duas vezes, desceu os degraus.

Ao chegar no plano mais profundo, Ji-Ho encontrou uma figura acorrentada, seus braços erguidos, presos por correntes que escorriam lava incandescente, fixadas em duas imponentes pilastras de mármore. A figura estava ajoelhada, a cabeça inclinada para frente.

Atrás dela, uma imensa cachoeira de lava caía incessantemente, sua nascente surgindo do vazio, tornando impossível discernir sua origem. As paredes próximas à cascata eram adornadas com estátuas de gigantes e humanos petrificados, cada uma eternizando o desespero de suas últimas tentativas de fuga.

Ji-Ho avançou, seus olhos analisando a silhueta aprisionada. Foi então que percebeu—a aura ao redor dela era diferente, uma luz branca com tons dourados, algo incomum.

Seus olhos se arregalaram quando finalmente reconheceu a prisioneira.

— FREYA! — Seu grito ecoou pelo abismo.

Lentamente, Freya ergueu o rosto. Ji-Ho viu as marcas da tortura, os hematomas inchados e o sangue ressequido em sua pele.

Uma fúria ardente cresceu em seu peito. Ele cerrou os punhos. Mas... não podia fazer nada. Era apenas um espectro, uma existência sem corpo naquele lugar.

— Fuja... — A voz de Freya saiu fraca, hesitante.

No mesmo instante, algo aconteceu.

Ao lado de Ji-Ho, uma presença surgiu, rápida como um relâmpago. Antes que pudesse reagir, já estava ali.

Ji-Ho virou-se, engolindo seco ao encarar aquele que se materializara ao seu lado.

— Achei você. — A voz reverberou, carregada de um peso esmagador.

Era Primordius.

O tempo pareceu parar. O coração de Ji-Ho acelerou. Um calafrio percorreu sua espinha.

O ser à sua frente exalava uma presença sufocante. Uma aura escura e avassaladora se contorcia ao redor dele, como uma tempestade de energia púrpura e negra. O ar ficou pesado. O corpo de Ji-Ho travou.

Sem aviso, Primordius estendeu a mão na direção de Ji-Ho.

Então, tudo se desfez.

Ji-Ho despertou.

Sentou-se ofegante, sua pele coberta de suor frio. O peito subia e descia rapidamente.

Olhou ao redor. Estava em sua barraca. Lá fora, a escuridão persistia. Tudo parecia normal.

Ele riu, nervoso.

— Foi apenas um pesadelo...

Mas sua risada logo morreu. Seu corpo inteiro ainda tremia.

Nunca antes sentira um medo tão absoluto. Seu instinto de luta, sua confiança... nada funcionara contra aquele ser. Era como se Primordius fosse uma entidade inevitável, algo que transcende a lógica humana.

Deitou-se novamente, mas sabia que não voltaria a dormir.

Horas depois, o sol começou a nascer. O canto dos pássaros anunciou a chegada do dia.

Depois daquele sonho—ou melhor, daquela visão—Ji-Ho não conseguiu descansar. Revirou-se na cama, tentando racionalizar o que acontecera. Sentiu que aquilo não fora apenas um devaneio. Havia algo real ali. Ele vira Freya... e ela estava sendo torturada.

E aquele ser... realmente era Primordius?

Os humanos só conheciam os deuses derrotados, aqueles que haviam sido registrados em livros—como Thalerius e Zephyros. Mas aquele ser que surgira diante dele não se parecia com nada que já lera ou ouvira falar.

Saiu da barraca para respirar o ar fresco do amanhecer. Sentiu o frio cortar sua pele suada. Precisava esfriar a cabeça.

Trocou de roupa, comeu seu café da manhã, alongou-se e deu início ao seu treinamento matinal.

Após horas extenuantes de exercício, Ji-Ho parou para contemplar a luz dourada do sol cobrindo a cidade abaixo da montanha. A vista trouxe um aperto ao coração.

Ele sentiu saudades.

Pensou em sua mãe e em sua irmã.

Era hora de voltar.

Ao retornar para casa, Ji-Ho encontrou um ambiente caloroso.

Sua mãe estava de pé, lúcida, preparando o almoço para Hikari.

— Ji-Ho, você voltou! — A voz animada da mãe fez seu peito se aquecer.

— Como foram seus dias de reflexão? — perguntou Hikari, relaxada no sofá.

— Renovadores. Me sinto melhor. — Ele fechou a porta atrás de si. — Mas nada se compara a estar de volta.

Ji-Ho abraçou sua mãe e irmã. Elas pareceram surpresas.

Hikari, mesmo sendo mais nova, sempre fora mais alta que Ji-Ho. Mas agora... algo mudara.

Ji-Ho estava mais alto que ela. Seu corpo estava mais definido, seus ombros mais largos. Sua postura, antes desleixada, agora era firme, quase imponente.

Elas não comentaram. Muitas coisas estranhas já haviam acontecido nos últimos dias.

Os três se sentaram à mesa, enquanto sua mãe terminava de cozinhar.

— Como vão os estudos, Hikari?

— Nada demais. A diretora da minha escola quer falar com algum responsável. Eu ia chamar a mãe...

— Eu vou. Agora que ela está melhor, precisamos evitar qualquer estresse para ela.

Enquanto conversavam, sua mãe chegou com a panela de comida.

— Que alegria ver minha família reunida... Vocês dois são minha cura.

A refeição seguiu tranquila, até que sua mãe fez uma revelação.

— Ji-Ho, enquanto você estava fora, um homem apareceu procurando por você. Ele deixou um cartão e pediu para que entrasse em contato.

Ji-Ho parou de mastigar.

— Onde está esse cartão? — perguntou, ainda com comida na boca.

— Em cima do rack da televisão.

Ele engoliu rapidamente, limpou a boca e se levantou.

Pegou o cartão. Olhou para o pequeno retângulo de papel branco, com detalhes dourados de um brasão conhecido.

Era o emblema da Equipe Cerberus.

Seus olhos se estreitaram.

— Mãe... como era esse homem que veio aqui? — perguntou sem se virar, ainda observando o cartão.

— Ele tinha mais ou menos sua altura, cabelo bagunçado de um tom esverdeado escuro, olheiras profundas e barba por fazer. Usava um terno preto... e um broche... Mas não lembro o nome dele.

Ji-Ho virou-se para a mãe. Seus olhos agora emanavam um brilho azul intenso, chamas sutis dançando em sua íris.

Ele apertou o cartão com força.

— Tenkai Arashi.