Capítulo 8

Ji-Ho ficou parado, imóvel.

Sombras dançavam ao seu redor, olhos vermelhos brilhavam na escuridão, como brasas acesas no vazio. Seu coração batia firme, mas sua respiração estava calma. Ele não precisava ver os inimigos para senti-los. A aura deles pulsava ao seu redor, púrpura e escura, denunciando sua presença.

A aura.

Todo ser vivo emanava uma. Apenas os Despertos e os monstros podiam enxergá-la. Dourada ou púrpura clara para os Despertos. Rubra ou púrpura escura para os monstros. Mas a partir de Ji-Ho, um novo tipo havia surgido.

Azul.

A aura de um semideus.

Os goblins o cercavam, suas presenças vibrando no ar. Fracos. Suas auras eram baças, pequenas. Mas ainda assim, eram monstros. Criaturas traiçoeiras, rápidas, letais se subestimadas.

— ...

Um silvo cortou o ar.

Ji-Ho inclinou a cabeça para o lado. A lâmina passou a milímetros de sua bochecha.

Ele ainda não sabia quantos eram. Nem mesmo contra o que estava lutando.

Outro ataque.

Desta vez, ele reagiu.

Uma adaga surgiu em sua mão direita, materializando-se em um brilho azulado. Sua lâmina era trabalhada em escamas de dragão, fria ao toque, letal ao corte. O som do metal colidindo ecoou na floresta enquanto Ji-Ho bloqueava o golpe.

Finalmente, pôde ver seu agressor.

Um goblin de pele esverdeada.

Os olhos vermelhos faiscavam no escuro. O monstro rosnou, mostrando dentes afiados. Um guerreiro.

Os goblins se dividiam em classes. Os de pele esverdeada eram rápidos e letais, especializados em ataques velozes. Os rubros, sanguinários, tinham corpos mais robustos e resistência maior. Já os de pele acinzentada eram os arcanos, frágeis, mas capazes de lançar feitiços destrutivos.

Ji-Ho sorriu.

— Interessante.

Ele pressionou sua lâmina contra a do goblin e o empurrou para trás. O monstro recuou alguns passos antes de, com um salto ágil, investir novamente.

Dessa vez, Ji-Ho não apenas se esquivou.

Ele avançou.

Sua adaga cortou o ar. O goblin guerreiro teve um instante para perceber o que estava acontecendo antes de seu corpo ser partido ao meio. Sangue verde escuro espirrou pelo chão.

— Agora é a minha vez.

Os arbustos se agitaram.

Cinco goblins emergiram das sombras, pulando contra Ji-Ho ao mesmo tempo.

Ele não recuou. Seus olhos se moveram, acompanhando cada um dos movimentos inimigos. Seus músculos se tensionaram. Seu corpo agiu antes mesmo que o primeiro golpe fosse desferido.

Cinco cortes.

Cinco corpos caíram.

Silêncio.

Então, o caos.

Dezenas de goblins surgiram de todos os lados.

Ji-Ho avançou.

Lâminas cortavam o ar. Ele se esquivava, desviava, bloqueava e contra-atacava. Seus olhos acompanhavam cada movimento, como se o tempo estivesse desacelerado. Seus reflexos eram impecáveis.

E, pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu prazer.

Ele não era a vítima. Não era o fraco. Era o predador.

Lutava sem esforço, sem cansaço. Cada golpe era preciso, cada esquiva era perfeita. O som do metal, os gritos dos goblins, o cheiro de sangue denso na terra... Era como uma sinfonia.

Mais tempo se passou.

Os poucos goblins restantes fugiram para a floresta, apavorados.

Ji-Ho se abaixou e vasculhou um dos corpos caídos.

— Nada... Tinha esquecido que goblins não deixam loot.

Ele pegou uma das adagas inimigas e analisou o fio. Desgastada. Fraca. Para um ferreiro, não valia nada.

— Mas por que uma horda tão grande...? — ele murmurou.

Os goblins estavam se reproduzindo em algum lugar por ali. Mesmo sem recompensas, Ji-Ho decidiu exterminá-los.

Ele subiu até o topo de uma árvore. No horizonte, conseguiu ver os sobreviventes fugindo. Um sorriso surgiu em seu rosto.

Ele os seguiria.

Ji-Ho avançou entre os galhos, movendo-se sem esforço, sem som. Os goblins corriam pelo chão, agitados e assustados. O guincho de suas vozes ecoava pelo caminho.

O destino deles? O pé de uma montanha.

Mas não havia entradas visíveis.

Então, um a um, os goblins desapareceram.

Eles atravessaram a pedra.

Um feitiço? Uma ilusão?

Ji-Ho observou de cima, curioso. Depois que o último goblin entrou, ele desceu e caminhou até a rocha.

Primeiro, estendeu a mão.

Seus dedos passaram pela pedra como se não houvesse nada ali.

Uma cortina mágica.

Sem hesitar, Ji-Ho atravessou o portal.

E o que viu do outro lado... o fez prender a respiração.

Os goblins tinham criado uma comunidade inteira dentro da montanha.

Centenas deles. Talvez milhares.

Eles cavavam o solo, aprofundando-se cada vez mais no interior da terra. Goblins adoravam o calor. Estavam indo em direção ao núcleo.

Tochas de ossos e trapos iluminavam as cavernas, espalhadas pelas paredes escuras. O cheiro pútrido de carne podre impregnava o ar.

Ji-Ho olhou para baixo.

O abismo se estendia por quilômetros. Lá no fundo, os ninhos dos goblins fervilhavam.

Ele inspirou lentamente.

E sorriu.

— Acho que encontrei um ótimo passatempo.

Ji-Ho avançou pela entrada da montanha, seus sentidos aguçados captando cada som, cada cheiro pútrido que impregnava o ar. A excitação crescia dentro dele.

Havia um único caminho que levava para o subterrâneo, onde os goblins estavam reunidos. O burburinho agitado deles reverberava pelas paredes rochosas. Bem à frente, uma escadaria de madeira levava a torres de vigia.

"Ninguém atacou ainda... Será que está vazio? Melhor verificar."

Ele pisou no primeiro degrau. A madeira rangeu levemente sob seu peso, mas ele prosseguiu, subindo sem hesitação. O calor abafado dentro da montanha só fazia o fedor de carne podre se espalhar ainda mais. Ji-Ho franziu o cenho, tentando ignorar o cheiro.

Alcançando o posto de vigia, ele encontrou um espaço improvisado, feito com madeira velha e úmida. Nenhum goblin à vista. Pelo chão, algumas armas rudimentares e, entre os destroços, algo chamou sua atenção. Ele se abaixou e pegou um pequeno pedaço de metal. Seus olhos se estreitaram ao reconhecer o material raro: aço Drayengardiano.

"Isso pode valer muito."

Ele guardou os itens e desceu silenciosamente. De volta à entrada, começou a seguir pelo túnel que levava ao fundo da montanha. A luz verde fosca que emanava das paredes iluminava o caminho, lançando sombras grotescas no chão e revelando a movimentação das criaturas adiante.

O túnel se abriu para um espaço gigantesco.

Ji-Ho parou, seus olhos analisando cada detalhe. Rochas pontudas se projetavam do teto alto, refletindo um brilho fantasmagórico. Nas fileiras inferiores, goblins se amontoavam, pendurados nas paredes ou sentados como se assistissem a um espetáculo.

E no centro, sobre um trono esculpido em rocha e decorado com ossos e peles, estava ele.

O Rei Goblin.

Uma criatura enorme e grotesca. Sua pele branca marcada por cicatrizes de batalhas passadas. Uma coroa rudimentar de ossos adornava sua cabeça calva, com poucos fios grisalhos caindo sobre seu rosto deformado. Em suas mãos gordas, um cajado gigantesco com a ponta afiada repousava preguiçosamente. Pequenos goblins massageavam seus braços e costas, enquanto ele observava o fogo à sua frente com olhar vazio.

Goblins gritavam no centro do anfiteatro subterrâneo, discutindo e gesticulando freneticamente. A tensão no ar era palpável.

Ji-Ho permaneceu imóvel, apenas observando.

Então, em um movimento brusco, o rei enfiou seu cajado no peito de um dos goblins à sua frente. O grito agonizante ecoou pela caverna.

Caos.

Os goblins urravam, batiam suas armas no chão, em frenesi. O goblin perfurado ainda se contorcia, preso na ponta do cajado. Com um movimento cruel, o rei ergueu o corpo e o jogou nas chamas da fogueira. Os gritos de dor ecoaram, o cheiro de carne queimada tomou o ar, e Ji-Ho franziu a testa ao ouvir o som do estalar da pele carbonizando.

O rei puxou o cajado e levou os restos queimados do goblin até sua boca.

Mastigou. Ossos estalando entre seus dentes.

Silêncio absoluto.

Cada goblin presente se encolheu, aguardando as próximas palavras de seu rei.

Com esforço, o monstro obeso ergueu-se de seu trono. Sua voz ecoou pela caverna:

— MEUS SERVOS! — A caverna tremeu com o rugido grotesco. Ji-Ho arregalou os olhos. Um monstro falando? E em sua língua? — Estamos famintos. A floresta já não nos alimenta mais. Os humanos se escondem em suas cidades protegidos pelos malditos despertos. Se sairmos a céu aberto, seremos exterminados. Mas se ficarmos, morreremos de fome! — Murmúrios inquietos se espalharam pelo local.

O rei ergueu um punho gordo para o alto.

— MALDITOS SEJAM OS DEUSES QUE NOS JOGARAM NESTE MUNDO PARA MORRER! Mas não seremos marionetes! Não seremos presa! ATACAREMOS NA CALADA DA NOITE! INVADIREMOS A CIDADE HUMANA! Ninguém saberá quem foi, nem para onde fomos! Tomaremos o maior número possível... e faremos um GRANDE BANQUETE!

Os goblins explodiram em gritos ensandecidos, batendo suas armas no chão, prontos para a chacina.

Ji-Ho cerrou os dentes.

"Então esse é o plano de vocês? Ataques furtivos... covardes."

O rei goblin parou repentinamente. Seu rosto grotesco se crispou. Inspirou profundamente, farejando o ar como um animal.

— Glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, pulmões, coração, fígado, olhos, cartilagem.... Sinto seu cheiro...

Ji-Ho sabia. Seu cheiro foi detectado.

"Droga..."

Ele não podia hesitar mais.

O chão explodiu quando ele saltou, seu corpo se transformando em um borrão azul em meio à escuridão. O rei goblin ergueu seu cajado, seus olhos injetados se arregalando.

— HUMAN... —

BAM!

O trovão de um impacto. O trono se despedaçou em mil pedaços.

Quando a poeira baixou, Ji-Ho se ergueu lentamente, um sorriso frio e sádico se formando em seu rosto. Em sua mão, algo gotejava um líquido negro e espesso.

A cabeça do rei goblin.

Silêncio.

Por um breve instante, nenhum goblin se moveu. Então, o caos explodiu.

Os goblins rugiram, uns correndo para a saída, outros avançando com armas em punho, olhos tomados pelo ódio.

Ji-Ho ergueu a cabeça do rei para que todos vissem.

— Agora... é a minha vez.

Num movimento rápido, pegou o cajado do rei goblin e o energizou com sua áurea azul. O artefato brilhou intensamente, crepitando com energia antes de ser arremessado com força brutal em direção ao topo da única saída. O impacto ressoou por toda a caverna, fazendo com que as pedras desmoronassem, esmagando alguns goblins que tentavam fugir e selando completamente a passagem.

Ji-Ho soltou um leve sorriso.

— Eu não estou preso aqui com vocês...

Goblins saltaram em sua direção, armas erguidas.

— ...Vocês estão presos aqui comigo.

Uma explosão azul emanou de seu corpo, sua áurea queimando como chamas. Seus olhos brilharam com a mesma energia intensa.

A adaga materializou-se em sua mão direita e, num único movimento, Ji-Ho partiu os goblins ao meio. Sangue esverdeado voou pelo ar, tingindo as pedras ao redor. Mas ele não parou. Lançou sua adaga à frente, e como se tivesse vida própria, a lâmina percorreu o campo de batalha, rasgando inimigos que se aproximavam. Ji-Ho avançou em meio ao caos, desferindo golpes com as próprias mãos. Cada soco era o suficiente para arremessar goblins contra as paredes, esmagando-os instantaneamente.

Seus movimentos eram rápidos demais para serem seguidos. Um rastro de eletricidade azul serpenteava pelo ar, como se ele fosse um relâmpago encarnado.

Então, dos buracos nas paredes da montanha, surgiram os goblins sanguinários.

Maiores. Mais fortes. Mais brutais.

Eles atropelavam seus próprios aliados, marchando como bestas incontroláveis em direção a Ji-Ho. Ele levantou sua guarda no último instante quando um deles desferiu um soco destruidor. O impacto o lançou contra a parede da caverna, rachando a rocha ao seu redor.

Ji-Ho riu, limpando o sangue no canto da boca.

— Até que você é forte, maldito.

A áurea rubra dos goblins sanguinários era mais intensa. Eles eram diferentes. Mais robustos. Mais resistentes. Ji-Ho sentiu a adrenalina pulsar em suas veias. Isso o animava. Ele sabia que podia ir além.

De repente, o tempo pareceu se estilhaçar ao seu redor. Tudo ficou em câmera lenta. Uma voz ecoou em sua mente.

"Se ajoelhe."

Ele obedeceu instintivamente.

"Toque o solo e concentre-se nos seus desejos."

Ji-Ho fechou os olhos. Sua mente foi inundada por lembranças dos últimos dias. Sua luta. Sua evolução. Seu poder.

E então, das sombras sob seus pés, algo emergiu.

Gigantes.

Criaturas colossais ergueram-se do chão, feitas de pura escuridão. Não eram de carne ou pedra. Eram sombras vivas, titãs de olhos brilhantes e vazios, aguardando ordens.

O tempo voltou ao normal.

Os monstros de Ji-Ho avançaram contra os goblins, esmagando-os sem piedade. Cada golpe dos titãs reduzia dezenas de goblins a meros pedaços. Os poucos que ainda estavam vivos correram em desespero para os escombros da saída, tentando desesperadamente remover as pedras e fugir.

Mas era inútil.

As sombras de Ji-Ho eram impiedosas.

Quando a última criatura caiu, os titãs de sombras desapareceram tão repentinamente quanto surgiram.

"Do pó eles vieram, e ao pó eles retornarão."

Ji-Ho respirou fundo. Ele sozinho havia massacrado um exército inteiro. Olhou ao redor e viu as incontáveis armas e equipamentos deixados pelos goblins. Loot valioso. Mas levar tudo levaria dias.

Então, algo inesperado aconteceu.

Sombras começaram a engolir os cadáveres e os equipamentos ao redor.

Ji-Ho franziu o cenho.

— O quê...?

Uma nova voz ecoou em sua mente.

"Ficarão guardados nas sombras. Para conjurar, basta pensar."

Curioso, Ji-Ho decidiu testar.

— Machado goblin.

Uma mancha negra se formou em sua mão. O machado que ele acabara de pensar surgiu instantaneamente.

Seu olhar se iluminou. A graça divina de Freya não lhe concedera apenas força bruta. Agora, ele podia materializar armas do nada. Invocar titãs das sombras.

A excitação tomou conta de Ji-Ho.

Virou-se para os escombros da saída e jogou o machado para trás. Assim que a arma deixou sua mão, foi engolida pela escuridão e desapareceu.

Então, sem hesitar, ele ergueu o punho.

E desferiu um único soco contra as rochas que bloqueavam a saída.

As pedras foram reduzidas a poeira.

Ji-Ho saiu da montanha, as mãos nos bolsos, caminhando tranquilamente de volta ao acampamento. Olhou para cima.

Ainda era noite.

A lua iluminava a floresta. As estrelas brilhavam mais forte que as luzes da cidade.

Um pensamento veio à tona.

"O que será que aconteceu com Freya?"