Capítulo 1 – O Bolo do Caos
O dia estava quente em São Paulo. O sol castigava sem dó, e a escola mais parecia um forno industrial. João Ricardo, espremido no canto da sala, tentava encontrar uma posição confortável para dormir enquanto o professor escrevia algo no quadro. Mas seu descanso foi interrompido por um cutucão.
— João! Tá sabendo do evento? — perguntou Caio, seu melhor amigo e parceiro de procrastinação.
João abriu um olho, desconfiado.
— Que evento?
— Aniversário da escola, pô! Vão fazer um monte de atividade chata e pediram pra cada sala levar um prato de comida.
João suspirou.
— E eu tenho cara de organizador de evento, por acaso?
— O problema é que todo mundo já escolheu algo pra levar e a professora te colocou pra arranjar uma sobremesa.
— O quê?!
Antes que João pudesse argumentar, a professora confirmou com um sorriso vitorioso. Ele estava oficialmente ferrado.
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Depois da aula, João foi até o armazém da escola, onde, teoricamente, guardavam algumas coisas para eventos. O lugar tinha cheiro de poeira e abandono. Revirando as prateleiras, ele encontrou um bolo. Não parecia velho, nem mofado. Na verdade, estava bem bonito, com um cheiro irresistível de chocolate.
— Se ninguém reclamar, isso serve.
Ele pegou o bolo e saiu, sem saber que sua vida estava prestes a virar um inferno.
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Na hora do intervalo, João deixou o bolo na mesa. O plano era simples: sair de fininho e fingir que não era problema dele. Mas então aconteceu algo… inesperado.
— Que cheiro maravilhoso!
Antes que percebesse, várias meninas estavam ao redor do bolo.
— Isso tá com uma cara ótima! — disse Melissa, uma das garotas mais populares da escola.
— Será que dá pra pegar um pedaço?
João piscou, confuso. Elas estavam… animadas? O bolo mal durou cinco minutos. Quando ele percebeu, já não existia nem uma migalha.
— Hã… ok. Menos um problema.
Com isso, ele foi embora.
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No dia seguinte, tudo parecia normal… até ele notar algo muito estranho.
As meninas que comeram o bolo começaram a olhar para ele de um jeito diferente. Mas não era qualquer olhar. Era um olhar apaixonado.
Melissa apareceu em sua mesa, apoiou o rosto nas mãos e suspirou:
— Bom dia, meu amor.
João quase caiu da cadeira.
— Quê?!
— Ai, João, não precisa fingir que não me ama… depois de tudo que passamos juntos.
— Depois de tudo… o quê?!
Antes que ele pudesse entender, mais garotas começaram a se aproximar.
— João, bom dia! Dormiu bem?
— Quer almoçar comigo hoje?
— Oi, amorzinho!
Era um verdadeiro cerco. Até garotas que mal falavam com ele estavam agindo como se fossem namoradas.
— Isso só pode ser um pesadelo…
E, para piorar, ele viu algo que fez seu coração quase parar.
Beatriz Montenegro, a garota mais reservada da escola, apareceu na porta da sala, segurando a barriga, e anunciou em alto e bom som:
— João… estou grávida!
Silêncio total.
Depois, caos absoluto.
Os meninos da sala se levantaram com fogo nos olhos.
— O QUÊÊÊ?!
— ELE ENGRAVIDOU A BIA?!
— PEGA ELE!
João só teve tempo de dizer um último pensamento antes de correr:
— MAS QUE DIABOS TÁ ACONTECENDO COM MINHA VIDA?!
E então… começou a perseguição.
João Ricardo nunca correu tanto na vida.
O chão da escola tremia com o barulho dos passos dos garotos enfurecidos. Alguns seguravam cadeiras, outros apontavam dedos acusadores, mas todos gritavam a mesma coisa:
— "VAMOS TE PEGAR, SAFADO!"
— "CORNO EU ACEITO SER, MAS PAITRO CINTO NÃO!"
— "ELE ENGRAVIDOU A BIA, INADMISSÍVEL!"
Enquanto isso, João pulava obstáculos como um verdadeiro atleta olímpico. Passou por cima de uma mesa, escorregou pelo corrimão da escada e atravessou o pátio com a velocidade de um entregador de lanche atrasado.
— "Mas o que foi que eu fiz pra merecer isso, MEU DEUS?!"
Ele tentou gritar algo para acalmar a multidão, mas ninguém estava ouvindo. Não ajudava o fato de Beatriz estar parada na porta da sala, segurando a barriga de mentira e olhando para ele com os olhos brilhando de emoção.
João finalmente encontrou um beco entre os prédios da escola e mergulhou nele. Sua respiração estava acelerada, e o coração parecia que ia explodir.
— "Beleza... só preciso... pensar..."
Foi então que ouviu um barulho estranho.
Plim!
Algo brilhou no ar, e, do nada, uma garota baixinha de cabelo rosa-claro e vestes extravagantes apareceu na sua frente.
— "Finalmente te achei!"
João piscou.
— "Oi? Quem é você?"
A garota estufou o peito, cheia de si.
— "Meu nome é Tati! Sou um cupido do Reino Celestial e vim resolver a bagunça que você causou!"
João olhou para os lados, verificando se ainda estava sendo caçado.
— "Bagunça que eu causei?! Do que você tá falando?!"
Tati apontou para ele com um olhar acusador.
— "VOCÊ DEIXOU UM BOLO INTEIRO DE CHOCOLATE DO CUPIDO NA MESA! AGORA UM MONTE DE GAROTAS TÁ APAIXONADA POR VOCÊ!"
João arregalou os olhos.
— "Chocolate do quê?!"
— "Chocolate do Cupido! Ele cria e fortalece laços amorosos! Mas você fez um monte de meninas comerem ao mesmo tempo, e agora elas acham que são suas namoradas!"
João massageou as têmporas, tentando processar a informação.
— "Então... o que eu preciso fazer pra consertar isso?"
Tati cruzou os braços.
— "Simples! Você tem que realizar o maior desejo de cada garota enfeitiçada. Quando isso acontecer, o feitiço será quebrado."
— "E se eu não fizer isso?"
Tati suspirou.
— "Bom... então o feitiço pode se tornar permanente. Elas vão continuar se apaixonando por você cada vez mais. E pode ser que algumas até comecem a criar filhos imaginários com você..."
— "QUE?!"
Antes que Tati pudesse continuar, um grito ecoou pela escola.
— "EU VI ELE ALI!"
João olhou para Tati, depois para o lado.
— "Dá pra me tirar daqui AGORA?!"
Tati estalou os dedos. Num piscar de olhos, João desapareceu antes que a multidão enfurecida chegasse.
Mas aquilo era só o começo.
João Ricardo sentiu um puxão no estômago, como se tivesse sido jogado de um carro em alta velocidade. Num instante, estava na escola fugindo para salvar a própria vida. No outro, se viu jogado no sofá de sua casa.
— "UGH!"
Ele olhou ao redor, ofegante. Estava mesmo no seu apartamento. O pequeno ventilador de mesa girava preguiçosamente, espalhando o calor sem muita eficiência.
— "Isso... isso foi um teletransporte?!"
— "Óbvio!" — Tati apareceu sentada no encosto do sofá, comendo um pirulito. — "Você queria que eu deixasse você ser linchado?"
— "Bom ponto."
João massageou as têmporas. Sua cabeça parecia um liquidificador.
— "Então deixa eu ver se entendi... aquele bolo tinha Chocolate do Cupido, as garotas que comeram estão apaixonadas por mim, e eu preciso realizar os desejos delas pra quebrar o feitiço."
— "Isso mesmo!"
— "E por que diabos a Bia acha que tá grávida de mim?!"
Tati fez uma careta.
— "Ah, isso é um efeito colateral do feitiço. Ele pode criar memórias falsas pra fortalecer o amor. Se ela continuar acreditando nisso por muito tempo... err... pode ser que realmente apareça um bebê."
João congelou.
— "Como é que é?!"
— "O feitiço pode materializar o filho imaginário dela."
Ele piscou, incrédulo.
— "VOCÊS SÃO MALUCOS! ISSO NÃO DEVERIA EXISTIR!"
— "É magia do amor, meu querido!"
— "É uma desgraça, isso sim!"
Antes que João pudesse processar tudo, seu celular vibrou. Ele olhou a tela. Mensagem do Caio.
[Caio]: Mano, cadê você?! A Bia passou mal depois da perseguição e foi levada pro hospital!
João sentiu um frio na espinha.
— "Droga... agora tenho que correr pro hospital."
Tati sorriu.
— "Você aprende rápido."
— "Não é como se eu tivesse escolha!"
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No Hospital – O Diagnóstico do Caos
Quando João chegou ao hospital, a situação já estava tensa. Havia um pequeno grupo de alunos da escola na recepção, murmurando sobre o que havia acontecido. Alguns ainda o olhavam com raiva, mas ele ignorou.
Ao entrar no quarto onde Bia estava, viu a garota deitada na cama, pálida, segurando a barriga.
Ela olhou para ele e sorriu docemente.
— "João... você veio..."
Ele engoliu seco.
— "Claro que eu vim..."
— "Nosso bebê está bem?"
João sentiu um calafrio percorrer a espinha. Ele olhou para o médico ao lado da cama, esperando alguma explicação.
O médico ajustou os óculos e suspirou.
— "Então... aqui está o resultado do exame."
João pegou o papel e leu rapidamente.
— "Hã... espera... isso aqui diz que ela não está grávida."
Bia arregalou os olhos.
— "O... o quê?"
O médico coçou a cabeça.
— "Bom, os sintomas eram idênticos aos de uma gravidez, mas os exames mostram que não há nada. É quase como se o corpo dela estivesse fingindo estar grávido."
João olhou para Tati, que estava no canto do quarto, mordendo um salgadinho.
Ela apenas sussurrou:
— "Se você tivesse demorado mais um pouco... poderia ter aparecido uma criança de verdade."
Ele ficou gelado.
— "Que tipo de feitiçaria é essa...?"
Bia parecia em choque.
— "Mas... mas eu sinto que estou grávida... eu lembro... do bebê..."
Seu olhar estava perdido, confuso, como se a própria realidade estivesse se desfazendo em sua mente.
João suspirou.
Ele não queria se meter nisso. Não queria confusão. Mas ali estava Beatriz Montenegro, segurando a barriga que nunca esteve grávida, presa em um amor que nunca foi real.
Por algum motivo, ele sentiu pena.
Ele se aproximou dela e colocou a mão em seu ombro.
— "Bia... eu vou cuidar disso, tá bom?"
Ela piscou, surpresa.
— "João..."
Tati sorriu de lado.
— "Boa escolha. Agora só faltam as outras."
João suspirou novamente.
Aquilo estava só começando.
Depois de sair do hospital, João Ricardo sentiu que o ar estava mais pesado. Cada passo parecia carregar um peso invisível.
Bia agora estava bem, mas sua mente ainda estava bagunçada pelo feitiço. E ele sabia que não seria a última vez que enfrentaria uma situação dessas.
— "Por que logo comigo?" — murmurou, enquanto caminhava pela rua.
Tati, flutuando ao seu lado com um pirulito na boca, deu de ombros.
— "Porque você foi idiota o suficiente pra pegar um bolo mágico e largar ele por aí."
— "Eu não sabia que era mágico!"
— "Ignorância não é desculpa, meu querido. Bem-vindo ao pesadelo."
João bufou.
— "Tá, e agora? Como eu descubro os desejos das outras garotas pra quebrar o feitiço?"
Tati girou no ar, sorrindo.
— "Simples! Você precisa passar tempo com elas. Quanto mais próximas ficarem, mais claro o desejo delas vai se tornar."
Ele parou no meio da calçada.
— "Você tá dizendo que eu tenho que me envolver AINDA MAIS com essas malucas?!"
— "Exato!"
João olhou para o céu como se pedisse forças a alguma entidade superior.
— "Meu Deus, por que me abandonaste?"
— "Ele deve estar ocupado assistindo a desgraça que você mesmo criou."
— "Obrigado pela motivação."
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O Convite Surpresa
No dia seguinte, João chegou à escola com um novo objetivo: sobreviver.
Ele evitou o máximo possível de contato visual, andou pelos corredores como um ninja e se escondeu no fundo da sala. Mas seu plano de se manter discreto foi arruinado quando Bia entrou na sala e caminhou diretamente até ele.
— "João... posso falar com você?"
Todos na sala prenderam a respiração. Os garotos olhavam com ódio. As meninas, com curiosidade.
Ele forçou um sorriso.
— "Claro, Bia. Sobre o que é?"
Ela sorriu suavemente.
— "Quero que vá até minha casa hoje."
A sala inteira entrou em choque.
— "O QUÊÊÊ?!"
— "Ela tá chamando ele pra casa DELA?!"
— "Esse cara tem sorte ou azar?!"
João gelou.
— "Hã... por quê?"
Bia abaixou o olhar, um pouco tímida.
— "Só quero que você conheça um pouco mais sobre mim."
O olhar dela parecia sincero, e João sentiu um pequeno peso na consciência. Mesmo que fosse tudo um efeito do feitiço, Bia ainda era uma pessoa real, com sentimentos reais.
Ele suspirou.
— "Tá bom. Eu vou."
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A Mansão Montenegro
Depois da escola, João foi até o endereço que Bia havia passado.
Ele esperava um apartamento normal, talvez uma casa grande. Mas o que encontrou foi uma verdadeira mansão.
— "Puta que pariu..."
O portão era imenso, com câmeras e seguranças de terno e óculos escuros. Quando ele se aproximou, um dos seguranças olhou para ele de cima a baixo, franzindo a testa.
— "Nome?"
— "João Ricardo..."
O segurança encarou ele por um momento, então abriu a porta.
— "Pode entrar. Mas cuidado com o que faz."
João entrou, sentindo um arrepio. Algo dizia que aquilo não ia acabar bem.
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Bem-vindo ao Inferno
A mansão era absurda. O piso brilhava tanto que ele via o reflexo da própria alma. Lustres gigantes pendiam do teto, e empregados passavam apressados.
Bia apareceu no topo da escada, com um sorriso doce.
— "João! Você veio!"
Ela desceu com elegância, e os empregados a observavam como se estivessem vendo uma princesa.
— "Vem, quero te mostrar meu lugar favorito da casa!"
Ele a seguiu, mas sentiu os olhares dos seguranças cravados nele. Cada passo que dava parecia um passo mais perto da forca.
Chegaram até uma biblioteca imensa. Estantes enormes cheias de livros ocupavam o cômodo, e o cheiro de papel antigo enchia o ar.
— "Caramba..." — João murmurou, impressionado.
— "Eu passo muito tempo aqui." — Bia sorriu. — "Quando estou sozinha, os livros são minha companhia."
João percebeu algo naquele momento.
Bia era rica. Tinha tudo o que o dinheiro podia comprar. Mas, no fim, era solitária.
Talvez esse fosse seu desejo.
— "Então..." — João começou. — "Por que me chamou aqui?"
Bia abaixou a cabeça, corando um pouco.
— "Porque... você me protegeu. Você cuidou de mim no hospital. Ninguém nunca fez isso por mim antes."
Ele piscou, surpreso.
— "Você nunca teve alguém pra te ajudar antes?"
Ela hesitou, então negou com a cabeça.
— "Meu pai sempre está viajando. Os empregados cuidam da casa, mas... ninguém realmente se importa comigo."
João sentiu um aperto no peito. Pela primeira vez, viu além do feitiço.
Bia não precisava de um namorado. Não precisava de um marido ou um filho imaginário.
Ela só precisava de alguém que estivesse ao lado dela.
Antes que pudesse dizer algo, um barulho alto ecoou pela mansão.
BAM!
A porta principal se abriu com violência, e um grupo de seguranças entrou correndo.
— "LÁ ESTÁ ELE!"
João arregalou os olhos.
— "QUE PORRA?!"
Os seguranças avançaram. João tentou correr, mas dois deles o agarraram.
— "EI, CALMA AÍ! O QUE TÁ ACONTECENDO?!"
A governanta da casa apareceu, com uma expressão séria.
— "O senhor Montenegro foi informado... sobre a sua presença."
Bia empalideceu.
— "Meu pai..."
A governanta pegou um telefone e discou.
João sentiu o suor escorrer.
— "O velho nem me conhece, e já tão me tratando como criminoso?!
A governanta colocou o telefone no ouvido.
— "Senhor, é sobre sua filha... o jovem que a engravidou está aqui."
Silêncio mortal.
João arregalou os olhos.
— "QUEEEE?!"
Então, uma voz furiosa ecoou pelo telefone:
— "Eu estarei aí em quinze minutos."
A ligação caiu.
Todos na sala estavam congelados. Os seguranças já estavam mentalmente cavando a cova de João.
Ele respirou fundo.
Se fosse morrer, ia morrer como um verdadeiro brasileiro.
Pegou o telefone da mão da governanta, levou à boca e gritou:
— "EI, SEU VELHO! EU ENGRAVIDEI SUA FILHA, VEM RECLAMAR NA MINHA CARA, OTÁRIO!"
Silêncio absoluto.
Os empregados quase desmaiaram. Os seguranças se entreolharam como se já pudessem ver o obituário de João.
Bia levou as mãos à boca, em choque.
E então…
TU-TU-TU
A ligação foi encerrada.
— "Cara... você tá muito fodido."
E João só conseguiu pensar em uma coisa.
— "Por que eu não fiquei em casa hoje?"