Branca e Fria Infância

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Neste lugar, Cirgo, o reino eternamente envolto em neve, a força e a fragilidade se entrelaçam em uma dança. Para alguns, a força é uma maldição disfarçada, e para outros, a fragilidade, uma força oculta.

O nascimento de Serena, sob o signo de uma era congelante, foi mais do que a chegada de uma nova vida; foi o começo de um inverno sem fim. A entidade que tecia o sistema de poder do mundo com habilidades místicas concedeu à princesa uma dádiva rara e temível: a habilidade [Rosa Gélida], uma força catastrófica de classe S que selaria seu destino com uma solidão anormal.

Desde cedo, Serena, parte da realeza, foi imersa em estudos e conhecimento. Por conta disso, sua habilidade surgiu muito cedo.

A infância de Serena desenrolava-se como uma série de momentos individuais, cada um evidenciando sua singularidade. Seus olhos, cegos desde o nascimento, brilhavam com um azul intenso. Mas Serena não precisava de visão para sentir o mundo; ela o percebia através de uma sinfonia de sons, aromas e toques, narrativas mais vivas do que qualquer pintura poderia retratar.

Sentil, seu irmão mais velho, almejava tornar-se um cavaleiro, e seus treinos eram a melodia de fundo dos dias de Serena. Ela o acompanhava ao campo de treino, junto de sua mãe, Solange, e encontrava alegria no som da espada de madeira cortando o ar, no esforço e na determinação de Sentil.

— Minha irmã está aqui... Preciso me esforçar para parecer forte... — murmurava Sentil, enquanto a lâmina desenhava no ar.

Sentil, com apenas oito anos, já carregava o peso de um protetor, não apenas de sua família, mas de todo o reino. Seu sonho era defender Cirgo com coragem e honra, o que o levava a suportar os rigorosos treinos de seu mestre Roghan, um homem de cabelos prateados e estatura modesta, mas de habilidade inquestionável.

Serena, preocupada com os sons de luta, aproximou-se quando um estrondo particularmente forte alcançou seus ouvidos. Ela encontrou Sentil caído, mas antes que a preocupação pudesse tomar forma em lágrimas, ele se levantou.

— Sentil, você está bem? — perguntou ela, sua voz tremulando com uma fragilidade.

— Claro que estou! Um golpe desses nunca me machucaria! — Sentil respondeu, tentando infundir confiança em sua voz para acalmar a irmã.

— Oh ho? Parece que você já está pronto para mais uma sessão. — Roghan observou, acariciando sua barba grisalha.

Sentil, ansioso por um momento de repouso ao lado de Serena, tentou convencer seu mestre de que já estava suficientemente treinado por hoje.

Solange, a rainha, observava seus filhos com um coração transbordando de amor, mas também com uma mente sombreada por preocupações. Ela se aproximou, envolvendo-os em um abraço caloroso.

— Vamos, Roghan, que tal um descanso? Tenho certeza que estão com fome. — propôs ela, com um sorriso gentil.

— Acredito que você esteja certa, majestade. —concordou Roghan.

À medida que a noite descia sobre Cirgo, envolvendo o reino em seu manto de escuridão e frio, os raros momentos de união familiar se desenrolaram no castelo real. Serena e Sentil, encontravam-se com seu pai, o rei Zered, cuja atenção era frequentemente capturada pelas responsabilidades de governar. 

Mesmo morando no castelo, eles não passavam tanto tempo assim com o pai, ele sempre estava tão distante.

Naquela noite, contudo, uma conversa de pais preocupados tomou lugar em seu escritório.

— Querido... O que faremos com Serena? — A voz de Solange, tingida de preocupação materna, quebrou o silêncio habitual do escritório.

— O que quer dizer? — Zered ergueu o olhar de seus papéis, a pergunta ecoando com um peso que ele conhecia bem.

— Você sabe. Ela tem apenas cinco anos, mas já é uma classe B, com um mna de seis mil. Essa habilidade dela... parece que está ficando mais forte a cada dia... — As palavras de Solange pairavam no ar, carregadas com a gravidade da situação.

O frio de Cirgo estava se tornando mais severo, mais penetrante, especialmente na presença de Serena. Era uma verdade que todos sentiam, isso não poderia ser ignorado por muito mais tempo.

Durante os passeios reais, enquanto Solange levava Serena e Sentil pelas ruas de Cirgo, os cumprimentos calorosos dos cidadãos eram acompanhados por olhares de cautela.

A receptividade e o respeito pela família real permaneciam, mas a preocupação da rainha crescia. Ela temia que Serena, sua preciosa filha, pudesse se tornar algo temido, algo que atraísse o ódio e o ressentimento dos outros.

— Eu... Não sei... — A resposta de Zered foi um sussurro de incerteza, uma admissão de impotência diante do destino de sua filha.

No íntimo, ambos sabiam que Serena Snowfall estava destinada a ser uma força poderosa, uma dádiva para o mundo onde o poder era a moeda mais valiosa. Mas como pais, o medo de que ela sofresse por ser extraordinária, de que se tornasse um monstro aos olhos do mundo, era uma sombra que os assombrava todos os dias.

Era um caminho já traçado, uma realidade que não podia ser alterada. Mesmo que Serena aprendesse a controlar seu poder, o momento presente era de uma força avassaladora. Até que ela dominasse a [Rosa Gélida], Cirgo poderia muito bem se transformar em nada mais do que um campo morto coberto de neve e gelo.

Sem soluções à vista, Zered afastou-se de sua mesa de trabalho, a exaustão de um rei pesando sobre seus ombros. As responsabilidades de um governante, somadas ao fardo de um pai cuja filha carregava uma maldição, eram demais para suportar naquele momento.

A noite se encerrou com o castelo mergulhado em sono. Serena, ainda alheia ao peso de sua maldição, dormia tranquilamente, sem saber que, em breve, enfrentaria o primeiro verdadeiro teste de seu poder.

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À medida que Serena crescia, o frio que a acompanhava se tornava mais intenso e mais penetrante. As flores murcham sob seu toque involuntário, e uma aura gélida se espalhava por onde ela passava, como se o próprio ar se rendesse à sua presença. Sua mana, uma força indomável, às vezes escapava de seu controle, congelando tudo em sua proximidade.

Gelo cobria tudo ao redor, e Serena, com apenas seis anos, sentia-se assustada. Ela não compreendia o que estava acontecendo. Mesmo ciente de seu poder sobre o gelo, ela não conseguia controlá-lo, e isso a confundia. Se era uma dádiva, ou talvez uma arma, não deveria ela ser capaz de usá-la à vontade? Por que essa arma agia sem seu consentimento?

Habilidades de classe S são conhecidas por serem formadas pela união de quatro ou mais habilidades extras. A [Rosa Gélida] de Serena era a união de seis habilidades extraordinárias:

[Cristalização]: Permitindo a criação de barreiras e armas que congelam qualquer coisa.

[Sublimação]: Transformando gelo em vapor e manipulando-o livremente.

[Manipulação Térmica]: Permite o total controle da temperatura ambiente.

[Regeneração Glacial]: Enquanto o usuário estiver em um ambiente frio seu corpo vai se regenerar automaticamente.

[Intangibilidade Criogênica]: Tornando seu corpo intangível para evitar danos.

[Análise Térmica]: Permite ao usuário ter total conhecimento da temperatura ambiente para um controle mais preciso.

Com "visões" proporcionadas por sua habilidade de [Análise Térmica], Serena podia ver o mundo através da temperatura, ela conseguiu fazer isso pela primeira vez aos seis anos. Mas a visão era assustadora para ela, então ela optou por fechar os olhos, mantendo-os assim por um tempo.

Sua habilidade, a mais poderosa do elemento gelo já vista, tinha um alcance que não se limitava à mana do usuário, mas sim à temperatura do ambiente. Em Cirgo, uma cidade naturalmente gelada, isso significava que os 80 milhões de metros quadrados do reino, mais a floresta das rosas azuis e a área montanhosa, estavam sob sua influência. Isso tornava Serena uma força de classe A, quase A+, capaz de afetar uma área de aproximadamente 90 trilhões de metros quadrados.

Serena seria uma grande atração para todos, pois todos respeitam os fortes. Levando em conta a diferença entre os mundos, este seria considerado algo como 10 mil vezes maior, então isso não é algo que ameace o planeta.

Em um certo dia, ela foi visitar os cavalos no estábulo real, ela adorava brincar lá, pois sentia um grande amor por animais.

— Ei... Você está bem? — Serena perguntou a um dos cavalos do estábulo real, que estava deitado no chão, seu corpo lentamente sendo tomado pelo gelo. O animal suspirou profundamente e parou de se debater.

— Por que seu corpo está... esfriando? — A voz de Serena tremia enquanto ela acariciava o animal, acidentalmente acelerando o processo que ela desejava parar.

O cavalo, um companheiro leal dos guardas do castelo, jazia imóvel, sua respiração tornando-se cada vez mais fraca. Serena, percebendo a gravidade da situação, começou a chorar, lágrimas quentes em contraste com o frio que emanava dela, mas lentamente, as lágrimas se congelavam também.

— Eu não queria... Eu não queria fazer isso... — soluçava Serena, enquanto os guardas se aproximavam, tentando ajudar.

Um dos soldados, movido pela compaixão, estendeu a mão para confortar a princesa, mas o contato com a aura gelada atravessou a armadura e queimou sua pele, fazendo-o recuar com um grito de dor.

— Desculpa, desculpa! — Serena chorava ainda mais, desesperada com o dano que havia causado.

Os soldados, apesar da dor, reuniram-se ao redor dela, oferecendo palavras de conforto.

— Está tudo bem, princesa. Nós estamos aqui com você — disse um deles, sua voz firme e gentil.

— Vamos cuidar de tudo, não se preocupe — outro acrescentou, enquanto seguravam suas mãos feridas, mostrando a Serena que ela não estava sozinha em sua dor.

Serena continuou a chorar, mas as palavras dos soldados trouxeram um vislumbre de consolo para seu coração atribulado, a acalmando naquele momento. O frio emanado dela foi enfraquecendo, até se tornar inofensivo. Porém, ela nunca se perdoou pelo o que fez nesse dia, humana ou não, Serena ceifou uma vida.

Com esforço, mais um ano se passou, Serena aos sete anos de idade conseguia ficar estável por um período de tempo, porém, seu poder explodia de vez em quando, o que podia ser mortal para quem estivesse próximo.

Na penumbra do quarto, Serena se encolhia em um canto, abraçando os joelhos contra o peito. Com apenas sete anos, a princesa de Cirgo carregava o fardo de um poder que não compreendia, um poder que a isolava em uma posição que nenhuma criança deveria estar.

— Serena, minha pequena estrela, por favor, escute minha voz — a voz de Solange era um sussurro suave, mas carregado de uma dor que só uma mãe poderia sentir.

Serena levantou o rosto, seus olhos azuis, encontrando os da mãe. Eles eram dois faróis perdidos em um mar de incertezas, buscando um porto seguro nas palavras de Solange. Era uma imagem assustadora para a rainha, sua filha, tão jovem, estava com seus olhos mortos, não havia brilho neles.

— Mamãe, eu... eu sou um monstro? — a pergunta escapou dos lábios de Serena em um fio de voz, enquanto lágrimas começavam a se formar nos cantos de seus olhos.

— Não, minha querida, você é tudo para mim. Você é a luz que brilha mais forte em nossas vidas, mesmo nas noites mais escuras — Solange respondeu, aproximando-se e ajoelhando-se diante da filha. Ela estendeu a mão, hesitante, temendo o toque frio, mas determinada a oferecer o conforto que Serena tanto precisava.

Serena olhou para as mãos de sua mãe, tão quentes e cheias de vida, e sentiu o peso da realidade cair sobre seus ombros. Ela queria se afastar, não queria machucar mais ninguém, mas o amor que sentia de sua mãe a dizia o contrário, ela queria abraçar aquela mulher que tanto a amava.

— Eu não quero machucar você, mamãe — Serena soluçou, as lágrimas agora correndo livremente pelo seu rosto.

— Você não me machucaria… Eu sei que a minha filha nunca me machucaria…— Solange disse com convicção, envolvendo Serena em seus braços. O frio intenso mordendo sua pele, mas ela suportou, abraçando sua filha com todo o amor que tinha.

Serena desabou nos braços de sua mãe, soltando um choro profundo e doloroso que parecia vir da própria alma. O frio ao redor delas diminuiu ligeiramente, como se a própria [Rosa Gélida] recuasse diante do calor daquele abraço.

Quando finalmente saíram do quarto, Sentil estava esperando, seu rosto jovem marcado pela preocupação. Ao ver sua irmã, ele não hesitou. Com um passo à frente, ele a envolveu em um abraço fraterno.

— Vou ficar mais forte, Serena. Vou ser o cavaleiro que vai proteger você e nosso reino — ele disse, sua voz firme apesar da juventude.

Serena, ainda tremendo pelos soluços que sacudiam seu corpo, encontrou um sorriso através das lágrimas. Sentil, seu irmão, sua rocha, era a promessa de dias melhores. E naquele momento, cercada pelo amor de sua família, Serena sentiu que talvez, só talvez, houvesse esperança para ela no final, só talvez. Mas o futuro reservou algo que ela não imaginava…

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A noite caía sobre o reino de Cirgo, e com ela, um encontro nada agradável em uma taverna esquecida pelo tempo, um homem encapuzado aguardava, sua identidade oculta pelas dobras de um manto escuro. O único som era o crepitar do fogo na lareira, que lançava um brilho dançante sobre as figuras que se aproximavam.

O assassino de aluguel, conhecido apenas como Corvo, entrou acompanhado de seu grupo, cada um mais letal que o outro. Eles se reuniram ao redor da mesa, seus olhares cautelosos e desconfiados.

— Então, você é o homem que quer a princesa morta. — Corvo disse, sua voz baixa e áspera.

O homem encapuzado assentiu, sua postura tranquila, mas com uma autoridade que impunha respeito, — Sim, mas não é uma tarefa simples. Ela está protegida por magia e guardas leais.

Corvo sorriu, com um sorriso sem humor, — Nada que não possamos contornar. Qual é o preço?

— O preço será justo, mas primeiro, quero garantias de que você pode realizar o trabalho sem falhas — o homem respondeu, deslizando uma bolsa pesada de moedas sobre a mesa.

O grupo de Corvo se entreolhou. O tilintar das moedas dentro da bolsa parecia enfeitiçá-los, um som que pesava no silêncio da taverna mal iluminada. 

— Todos sabem que o castelo de Cirgo é uma fortaleza de gelo — começou Corvo, lançando um olhar afiado para seus companheiros —, mas nós temos uma vantagem. Nossa [Resistência ao Frio] é incomparável, e o gelo não nos deterá. 

Os outros assentiram, confiantes. 

— Treinamos em montanhas cobertas de neve, nadamos em águas glaciais — murmurou um deles, um sorriso frio desenhando-se em seus lábios. 

O homem encapuzado à mesa sorriu, satisfeito. 

— Muito bem. O pagamento será dez vezes maior. Metade agora, metade após o serviço. 

Corvo pegou a bolsa, pesando-a em sua mão com um olhar analítico. 

— Antes, quero saber… por que ela deve morrer? 

O encapuzado hesitou. O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. 

— Ela é... perigosa. Uma ameaça para o reino e para todos nós. 

Corvo sustentou seu olhar por alguns segundos antes de assentir lentamente. 

— Entendido. Quando quer que façamos isso? 

— Amanhã é lua nova. O castelo estará menos vigiado, e a escuridão será nossa aliada. 

— Considere feito. 

Corvo levantou, e seu grupo o seguiu. O homem encapuzado permaneceu imóvel, observando-os saírem, a respiração pesada, o alívio silencioso. 

Mas então… algo mudou. 

A luz tremulante das velas na taverna pareceu enfraquecer por um instante. O vento cortante da tempestade de neve uivou do lado de fora, e um calafrio percorreu a espinha do encapuzado. 

Ele não percebeu que havia uma outra presença oculta ali.

Não houve tempo para reagir. 

Uma mão emergiu das sombras atrás dele e atravessou seu peito com uma força brutal. Ele arfou, os olhos arregalados em um terror mudo. Antes que pudesse soltar um grito, outra mão firme tapou sua boca. 

O sangue escorreu por seus lábios enquanto ele tentava se soltar em uma tentativa inútil.

Uma voz rouca sussurrou em seu ouvido, repleta de desprezo: 

— Você sabe… eu e meu grupo já temos planos para a princesa. Não estrague tudo. 

O encapuzado tentou se debater, mas a força em seu corpo o abandonou. Seus olhos viraram antes que sua cabeça tombasse sobre a mesa. O som seco ecoou pelo espaço vazio. 

Não havia mais ninguém ali. 

A tempestade do lado de fora rugia, ocultando o crime. O assassino limpou as mãos ensanguentadas, seus olhos frios analisando a cena. 

— Agora preciso avisar o 5°… saber como vamos avançar com esse empecilho. 

Com um último olhar para o cadáver, ele começou a arrastar o corpo para a escuridão. 

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No dia seguinte a noite estava tranquila, na medida do possível. Mas figuras encapuzadas moviam-se com uma missão a ser cumprida.

Corvo, o líder daquele bando de sombras, lançava olhares para o castelo e para seus companheiros. Eles eram dez ao todo, vestidos com mantos negros que os tornavam quase invisíveis na noite. A estratégia estava clara em sua mente: nove invadiriam o castelo, cinco deles serviriam de suporte para vigiar os guardas, enquanto os outros quatro teriam a tarefa mais perigosa – entrar no quarto da princesa.

— Vamos. — disse Corvo, sua voz baixa cortando o silêncio.

As nove sombras saltaram entre as árvores com agilidade felina, enquanto uma décima figura permanecia oculta nas trevas, observando.

A invasão do castelo seria surpreendentemente fácil. Devido à situação peculiar de Serena e seus poderes incontroláveis, a maioria dos guardas permanecia do lado de fora das muralhas, deixando apenas dois ou três dentro do castelo para vigiar pontos estratégicos como a entrada dos aposentos reais. Uma falha grande em Cirgo, muitos soldados são mandados para defenderem as ruas, então locais como o castelo não são tão bem guardados. Decisão do próprio rei.

A distração necessária para neutralizar o guarda em frente ao quarto de Serena foi simples mas eficaz. Uma ilusão de névoa conjurada sutilmente fez com que ele visse uma criança perdida nos corredores do castelo, desviando sua atenção e permitindo que o grupo de Corvo se aproximasse da porta do quarto sem serem notados.

A barreira mágica era o único obstáculo restante. Impenetrável por meios normais, mas não para aqueles preparados com artefatos mágicos. 

Com uma runa negra em mãos, um dos assassinos desativou a barreira com um toque sutil. As runas eram dispositivos pequenos mas poderosos, criados para que cavaleiros pudessem lidar com imprevistos mágicos – e a runa negra era excepcionalmente eficaz contra barreiras e defesas.

Essas coisinhas redondas são um salva vidas em certas situações.

Para garantir que nenhum frio emanado pela princesa os afetasse durante a operação, o grupo utilizou uma runa azul para potencializar sua [Resistência ao Frio]. Era um detalhe pequeno, mas crucial para assegurar o sucesso da missão.

Com a barreira desativada e suas defesas reforçadas, os assassinos adentraram o quarto silenciosamente. O ar estava frio e pesado com a presença do gelo mágico que permeia cada canto do ambiente. E lá estava ela – Serena Snowfall – dormindo pacificamente em sua cama, alheia ao perigo que se aproximava.

O quarto de Serena era um santuário de gelo, refletindo a própria essência da princesa. Cada superfície, cada objeto, estava coberto por uma camada de gelo cristalino, brilhando levemente com o pouco brilho da lua que se infiltram pelas cortinas congeladas das janelas. O chão era um espelho traiçoeiro, tão liso e frio que um passo em falso poderia ecoar como um trovão.

Os assassinos sentiam o peso opressivo do silêncio enquanto avançavam, cada respiração soando como um rugido e seus corações batendo como tambores. Cada passo era um exercício de controle absoluto, pois qualquer deslize poderia despertar a princesa e desencadear uma tempestade de gelo fatal.

Corvo liderava o grupo com uma cautela extrema, seus olhos percorrendo cada centímetro do chão congelado. Ele sabia que o gelo não era apenas uma barreira física; era uma manifestação do poder de Serena, uma defesa instintiva que poderia reagir ao menor sinal de ameaça.

A tensão no ar era palpável enquanto eles se moviam com precisão meticulosa, evitando as áreas onde o gelo parecia mais fino ou onde cristais pontiagudos emergiam como armadilhas prontas para estalar sob o peso de um intruso.

À medida que se aproximavam da cama onde Serena dormia, cada assassino lutava contra seus próprios medos, assassinar uma garota indefesa que está dormindo deveria ser a coisa mais fácil do mundo para eles, mas aquela situação era assustadora, uma habilidade de classe (S) não pode ser levada na brincadeira.

Mas então, algo inesperado aconteceu. Uma sensação estranha começou a se espalhar entre eles – um frio penetrante que suas habilidades de resistência não conseguiam repelir. Era como se o próprio quarto estivesse vivo, consciente de sua presença e disposto a proteger sua ocupante a qualquer custo.

Os assassinos hesitaram, trocando olhares incertos. Talvez tivessem subestimado essa aberração.

Quando finalmente chegaram à cama, três deles se posicionaram – um aos pés, um à esquerda e Corvo à direita. O último assassino ficou perto da porta, pronto para qualquer emergência.

Corvo olhou para o rosto adormecido da princesa, tão puro e com um toque infantil, tão diferente da aberração que ele ouvira falar. Por um momento, em anos de vida como assassino de aluguel, ele quase sentiu pena da garota. Serena não conseguia viver em paz, e além disso, não conseguia enxergar as cores do mundo devido à cegueira. Que destino trágico e miserável.

Mas nada disso importava agora, Corvo pensou enquanto olhava para seus companheiros ao redor da cama. Cada um deles empunhava uma adaga com uma runa negra no cabo, feita especialmente para ultrapassar barreiras mágicas, uma arma letal.

Corvo deu o sinal. Eles iriam atacar em sincronia – um cortaria os tornozelos de Serena, outro iria perfurar sua garganta, enquanto Corvo visaria os pulmões. Desse jeito, mesmo que ela não morresse instantaneamente, não poderia reagir ou gritar por ajuda.

E então, em um piscar de olhos, eles atacaram. Movimentos frios e calculados, sem remorso.

O assassino na porta olhou em desespero e surpresa. Corvo também não estava entendendo, e nenhum deles conseguia acreditar no que viam. Não havia sangue.

Serena continuava a dormir pacificamente, sem demonstrar nenhuma mudança. Mas os assassinos tinham certeza de que a atacaram com tudo. Então, por que nenhuma gota de sangue foi derramada?

Corvo olhou para sua adaga e viu algo apavorante – a lâmina havia desaparecido. O desespero aumentou quando percebeu que sua mão inteira havia sumido.

Os outros assassinos também estavam sem suas mãos, e o da esquerda perdeu até o cotovelo. Eles não sentiram dor alguma, mas era óbvio o que aconteceu: seus membros e suas armas foram congelados em uma temperatura tão absurda que desapareceram na hora.

Ao ver que a [Resistência ao Frio] não estava ajudando, um dos assassinos mudou sua expressão de confusão para medo e repulsa, quase soltando um grito, mas foi calado quando seu corpo inteiro foi consumido por cactos de gelo desaparecendo no local.

O assassino aos pés de Serena tentou correr, mas caiu de cara em um dos espinhos quando suas pernas desapareceram. Corvo já nem estava mais consciente, seu corpo desaparecendo pela metade, eles não conseguiram fazer absolutamente nada.

O assassino na porta correu desesperado pelo corredor, o pânico nublando seus pensamentos. A porta do quarto estava aberta, e o gelo parecia vivo. Ele viu por um instante um tentáculo congelado com a ponta afiada tentando perfurar sua cabeça enquanto fugia. Tudo aquilo aconteceu em menos de quatro segundos. Invadir ali foi um erro fatal.

Correndo pela ala gelada do castelo, o assassino quase escorregou várias vezes. Seu coração batia tão forte que parecia ecoar pelos corredores, cada respiração rasgando sua garganta. Ele precisava escapar, precisava alertar os outros, mas a esperança era escassa.

No final do corredor, a figura imponente do guarda real emergiu das sombras, um espectro de morte vestido com armadura reforçada e uma espada larga em punho. Seus olhos frios observavam o assassino cambaleante que se aproximava, um homem claramente consumido pelo terror.

— Socorro... o quarto... ela... o gelo... — o assassino conseguiu balbuciar, os olhos arregalados e a respiração ofegante.

Sem uma palavra, o guarda ergueu sua espada e com um movimento fluido e preciso, separou a cabeça do corpo do assassino. O corpo caiu com um baque surdo, o sangue manchando o chão de pedra enquanto a vida se esvai dos olhos ainda abertos do homem.

O guarda não demonstrou emoção alguma ao olhar para o corredor que levava ao quarto de Serena. Um silêncio mortal emanava de lá, carregado de um pressentimento sombrio. Ele avançou calmamente.

Os corpos dos outros assassinos, também vítimas da lâmina do guarda infiltrado, estavam espalhados atrás dele. A cena era um testemunho silencioso da eficiência letal com que ele havia executado seu papel.

Ao se aproximar do quarto da princesa, o frio se intensificou. Ele parou na entrada, observando a cena caótica transformada em uma paisagem congelada. Apenas um corpo era visível, com o crânio espetado no chão; os outros haviam sido apagados pela fúria daquela habilidade única.

Os passos do falso guarda eram precisos, o rangido metálico de suas botas ressoava contra o gelo enquanto ele se aproximava da cama onde Serena dormia. A respiração dela era suave, calma, um contraste gritante com o massacre que havia ocorrido momentos antes naquele mesmo quarto. 

Com um gesto sutil, ele cruzou o indicador e o médio, um sinal discreto para alguém que não estava presente. 

— Eu vim aqui para impedir os assassinos, mas parece que a lindinha fez meu trabalho melhor do que eu. Tem certeza que vamos continuar com o plano B? 

A resposta veio rápida por um dispositivo oculto sob sua armadura. Seus olhos brilharam com determinação. 

— Certo, vou levar ela para o segundo esconderijo… 

Mas então, o tom de sua voz mudou. Ele franziu o cenho, pressionando o dispositivo com força. 

— Como assim, reforços? Está achando que eu não dou conta? 

O silêncio que se seguiu foi denso, quase sufocante. Ele olhou para Serena. Ela ainda dormia, protegida por seu próprio poder. 

O gelo que havia consumido os assassinos antes agora não se movia. O motivo era claro: ele não tinha intenção de machucá-la. Enquanto sua intenção permanecesse neutra, a [Rosa Gélida] de Serena não reagiria, apenas congelaria seu toque. Mas ele estava preparado para isso. Então com uma pequena bola rosa que ele quebrou, um gás foi liberado, aquilo era pra garantir que a princesa não acordasse tão cedo.

Então— 

— Parado aí. 

A voz rouca e imponente cortou o ar como uma lâmina. 

O falso guarda virou-se lentamente. 

Diante dele estava um homem de idade avançada, com uma barba longa e trançada. Seu sobretudo marrom cobria um corpo robusto, treinado pela guerra. Em suas mãos, uma espada já estava desembainhada, apontada diretamente para ele. 

— Você é… O velho Roghan? 

O invasor sentiu um arrepio. 

— E quem mais seria? Agora, irei pedir que se afaste da Senhorita Serena. 

Roghan. O primeiro cavaleiro de Cirgo. O mentor de milhares de soldados. Um homem cuja lâmina, diziam as lendas, podia atingir a velocidade da luz em seu auge. 

Em qualquer outra situação, Roghan já teria decapitado sua cabeça antes mesmo de uma palavra ser dita. Mas ali, com Serena tão próxima, ele não podia se dar ao luxo de correr riscos. 

O falso guarda forçou um sorriso, tentando esconder a tensão que crescia dentro dele. 

— Se eu fizer isso, você vai me cortar, e isso poderia ser perigoso pra mim… Então, que tal se eu ficar aqui mais um pouco? 

Havia sarcasmo em sua voz, mas seu coração batia rápido. Ele estava jogando tempo fora. Precisava segurar Roghan até que seus reforços chegassem. 

Mas ele não era o único com aliados. 

Roghan manteve sua lâmina firme, o olhar inabalável. 

— Você já perdeu. Todos os soldados da cidade estão a caminho do castelo. 

O falso guarda arregalou os olhos. 

— Ninguém mais entra. 

Lá fora, passos pesados ecoavam pelos corredores congelados. 

— E ninguém mais sai. 

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