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A última noite do Festival Amaterasu havia chegado. E, com ela, um céu sem nuvens, iluminado por milhares de lanternas mágicas flutuando no ar, cada uma colorida com um tom diferente — azul profundo, laranja vívido, verde brando. O reino parecia ter sido engolido por uma pintura viva.
Eu caminhava devagar entre as ruas principais, com Merlin flutuando ao meu lado. Burst nos seguia com passos pesados. E Jane... ela estava próxima, embora permanecesse a dois ou três metros de distância. Não trocamos palavras — e talvez isso fosse o melhor que podíamos fazer por enquanto.
A praça estava cheia. Elfos com roupas bordadas de pétalas prateadas dançavam com anões que carregavam tambores, girando ao som de instrumentos mágicos. Havia crianças humanas e outras com olhos de brilho incomum, provavelmente ligadas a alguma linhagem espiritual. Espíritos menores de todos os tipos flutuavam entre as barracas, emitindo luzes suaves como vaga-lumes.
— [Parece um sonho…] — escreveu Merlin, girando no ar.
E realmente parecia. Não havia gritos. Não havia discussões. Mesmo os guardas, geralmente tão rígidos, estavam rindo e comendo carne assada em palitos de madeira. Tudo respirava tranquilidade.
— Essa é minha primeira vez em um festival.
— [Você nunca foi mesmo?] — perguntou, com um emoji pensativo.
— Na verdade, eu não sei. Ainda não lembro de quase nada de antes de vir pra cá.
— [É mesmo… Então vamos aproveitar!]
A música mudou. Um som grave e arrastado ecoou pelas ruas. Todas as cabeças se viraram na mesma direção.
Estava começando.
A multidão se moveu, abrindo caminho. E então, da curva da rua principal, ele surgiu — o castelo alegórico de Amaterasu.
Era imenso, mas não sólido. Um palácio feito de estruturas flutuantes, espelhos, placas de vidro mágico e fileiras de lanternas encantadas. Partes dele se desmontavam no ar e se remontavam logo em seguida, como se o próprio castelo dançasse.
Na frente, um grupo de músicos — anões, elfos e humanos — tocava instrumentos encantados que reverberavam com o chão. As janelas do castelo brilhavam com cenas de festivais passados, como se projetassem memórias vivas. Espíritos flutuavam ao redor da estrutura, moldando pequenas criaturas de luz que corriam pelos telhados.
E no topo, sob um pedestal giratório coberto por pétalas flutuantes, estava Amaterasu.
Ela usava um vestido dourado de mangas longas, fluido como água. A capa prateada se estendia por trás como asas, mudando de forma conforme ela se movia. Seu leque, fechado nas mãos, parecia conter o brilho da própria lua.
— [Wow!]
— É... — murmurei. — Ela realmente sabe como fazer uma entrada.
Me lembrei de quando ela assustou minha alma uns dias atrás.
— [Olha a capa! Ela tem uma capa!]
Jane cruzou os braços. Burst não disse nada, mas eu notei que ele mantinha os olhos fixos nela, mesmo sem admitir.
Amaterasu não precisou dizer nada. Quando abriu os braços, uma chuva de pétalas douradas flamejantes caiu sobre a multidão e desapareceu. E, no mesmo instante, o castelo parou de se mover, estabilizando-se sobre o chão como se tivesse raízes invisíveis fincadas no mundo.
Foi então que ela falou.
Sua voz surgiu através de amplificadores mágicos, clara e suave, como se estivesse sussurrando para cada pessoa ali.
— Boa noite… — disse, sorrindo. — Hoje, a luz não é minha. É de vocês. Eu só estou refletindo de volta todos os momentos calorosos que vi neste festival.
Não foi um discurso longo. E não precisava ser.
Amaterasu estendeu o leque ao céu — e ele se abriu sozinho. Um círculo de energia girou sobre nós, espalhando faíscas de magia que se transformaram em formas efêmeras: bailarinas feitas de névoa, árvores que dançavam com os galhos, crianças feitas de fogo e gelo correndo pelas nuvens falsas.
Foi… difícil de descrever. Como se o espetáculo não fosse apenas visual — mas emocional. As emoções do público pareciam alimentar a apresentação, moldando os detalhes mais sutis. Uma senhora ao meu lado chorava. Um garoto riu tão alto que seu riso virou uma onda de notas coloridas no ar.
O mundo parecia suspenso.
E no centro de tudo, Amaterasu continuava girando com o leque nas mãos, sem pressa. Sem urgência. Como alguém que já viu tudo e, mesmo assim, ainda consegue se divertir com a beleza simples de uma noite bem feita.
E então, ela nos notou.
Depois do último giro de seu leque, o castelo começou a se desmanchar em luz. Não colapsou — desapareceu com graça, como se nunca tivesse sido real. As pétalas douradas subiram aos céus, transformando-se em estrelas que se juntaram às lanternas.
O festival ainda seguia animado, mas o centro da multidão começava a se dispersar. Foi então que uma pequena luz brilhou ao meu lado, e uma figura familiar surgiu por entre a névoa mágica.
— Gostaram? — perguntou Amaterasu, sorrindo como se tivesse acabado de pintar um quadro — e não de mover o coração de meio reino.
— Foi incrível — respondi, sincero.
Merlin girou no ar com empolgação, soltando brilhos coloridos como fogos de artifício em miniatura.
— [Você é tipo uma maga?!] — perguntou, com um balão sorridente e uma estrelinha.
Amaterasu riu baixinho.
— Digamos que eu só brinco com aquilo que me emociona. — Ela se abaixou um pouco para encarar Merlin de perto. Seus olhos se suavizaram, como quem enxerga algo que os outros não veem.
— Você… você tem uma alma preciosa, sabia? — disse com delicadeza. — Uma alma gentil e inocente, daquelas que brilham mesmo quando não querem. Gente assim é rara. Muito rara.
Merlin ficou tão brilhante que parecia uma lanterninha corada.
— [O-obrigada…] — respondeu, tímida, com um emoji de bolinha se escondendo atrás de uma flor.
Eu observei em silêncio. Aquela foi a primeira vez que vi Merlin envergonhada de verdade.
— Cuide bem dela, Victor.
— Tudo bem. — Falei quase num sussurro.
Amaterasu então olhou por cima do ombro. Jane se aproximava com passos calmos, e Burst vinha ao lado dela, quase arrastado pelo momento.
— Ora, ora... vejam só quem se aproximou — disse Amaterasu com um sorriso travesso.
— Eu ainda tô digerindo o espetáculo, não me julgue — resmungou Burst, cruzando os braços.
— Ele quase chorou… — comentou Jane baixinho, com um olhar de canto.
— Eu... não chorei, ok?
— É, tá certo. Mas fungou.
— Funguei porque o vento estava forte.
Amaterasu riu com gosto, e então parou, observando os dois com mais atenção. O sorriso dela se suavizou novamente.
— Faz muito tempo que não vejo os dois juntos assim… mesmo que seja a dois metros de distância.
Jane franziu os lábios, mas não respondeu. Burst soltou um "tch" baixo e olhou pro lado.
Amaterasu riu, sem deboche. Apenas com aquele tipo de compreensão que vem com o tempo.
— O rei Ignaris está preocupado com vocês, sabiam? Não com o trono. Com vocês dois. — Ela olhou para o céu por um instante. — Ele sempre teve o coração de um pai… mas também carrega o peso de um rei. Então tentem pegar leve.
Jane e Burst se entreolharam com visível desconforto.
— Tá bom… — respondeu Burst, sem graça.
— Uh-hum… — Jane desviou o olhar.
— Que respostas são essas? Faz eu me sentir como se fosse avó de vocês. — disse Amaterasu, rindo de leve.
— Porque tá parecendo — comentou Burst, encarando o chão com um sorriso contido.
— Você tem essa energia mesmo… — Jane concordou, mas sem ironia, apenas com uma sinceridade que parecia surpreender até ela mesma.
Amaterasu sorriu. Um sorriso calmo, aceitando, mas cheio de vida.
— Então ouçam esse conselho de velha — disse, olhando para os dois com gentileza. — Tem coisas que demoram pra florescer. Às vezes uma primavera não é suficiente. Mas isso não quer dizer que a flor morreu. Só que ela ainda está esperando o momento certo. Então, se forem se resolver, tenham certeza de quem são e resolvam da maneira que sabem.
Jane permaneceu em silêncio. Burst desviou o olhar. Mas nenhum dos dois pareceu desconfortável com o que ouviu.
Ela então virou-se para mim e Merlin, dando um leve aceno de cabeça.
— Quanto a vocês… aproveitem. Vocês ainda são novos demais pra carregar o mundo nas costas. Viver também é uma missão.
— Isso foi poético — murmurei.
— Foi? — ela riu. — Eu só disse porque vocês estavam com cara de quem precisava ouvir. Mas como eu sempre digo... podem escutar se quiserem.
E então, antes que alguém pudesse responder, Amaterasu girou no próprio eixo e sumiu em uma espiral de pétalas douradas, deixando apenas um rastro suave no ar.
Merlin flutuou um pouco mais alto, ainda olhando para onde ela esteve.
— [Ela é mesmo um pouco mágica...] — escreveu.
— Ou muito velha. — murmurou Burst.
— Ou muito sábia… — corrigiu Jane, suavemente.
E com isso, o festival começou a se encerrar.
As luzes da cidade pareciam começar a silenciar, mas era apenas para dar espaço ao verdadeiro final. O ápice.
Uma batida profunda ecoou pelo chão, reverberando nos pés. Depois outra. E então… o céu se acendeu.
Fogos de artifício subiram em ondas, cruzando o horizonte em círculos flamejantes e estalidos vibrantes. Estrelas coloridas explodiam em espirais, flores mágicas se desabrochavam entre as nuvens, e serpentes de luz dourada dançavam ao redor da lua. A cada explosão, uma figura tomava forma lá em cima: um cervo feito de cristal flamejante; um dragão de névoa vermelha; uma árvore cujas folhas eram pétalas vivas que caíam sobre nós como chuva de luz.
— [WAHHH!] — Merlin girava no ar, brilhando intensamente.
— Isso é… muito mais do que eu esperava. — murmurei, absorvendo cada detalhe.
A multidão aplaudia, assobiava, gritava palavras de admiração. Mas havia algo sagrado naquele momento. Uma beleza que não era apenas visual, mas emocional. Como se o céu tivesse sido pintado por todas as esperanças acumuladas nesses dias de festa.
Ao nosso redor, vi Jane olhando o céu com um brilho tranquilo no olhar — sem dizer nada. Burst estava logo atrás, os braços cruzados, mas sem desviar o olhar de cada explosão.
E então veio o último.
Um silêncio tomou conta. Tudo parou.
E então, como uma respiração coletiva sendo solta de uma só vez, uma única estrela subiu sozinha. Branca. Silenciosa.
No topo do céu, ela explodiu.
Não em barulho. Mas em luz.
Uma explosão circular que se espalhou como uma onda suave sobre todos, tingindo tudo de dourado. Não caiu nenhuma faísca, nenhuma fumaça. Apenas um brilho suave e morno, como um último abraço da noite.
Era o fim do Festival Amaterasu.
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Seguimos juntos pelas ruas ainda iluminadas. O festival tinha acabado, mas o silêncio que restava era confortável — como se a cidade estivesse respirando depois de dançar por horas.
Merlin flutuava ao meu lado, mais calma que o normal, emitindo pequenos brilhos que piscavam em tons suaves. Burst caminhava um pouco atrás, mãos nos bolsos, sem pressa. Jane liderava o grupo, passos firmes, mas desacelerados.
Foi só quando dobramos uma esquina tranquila que ela parou.
— É aqui. — disse, virando-se para nós.
O prédio era discreto, feito de pedras polidas e varandas de madeira encantada. Um pequeno jardim pairava ao redor da entrada, contido em esferas mágicas como bolhas flutuantes — cheias de flores minúsculas que giravam sobre si mesmas. Era... bonito. De um jeito calmo, silencioso. Com cara de refúgio.
Jane olhou pra mim, depois pra Merlin, e fez um aceno breve.
— Obrigada por hoje.
— Nós que agradecemos.
Merlin acenou com um emoji sorridente.
Mas quando Jane voltou o olhar para Burst, o clima mudou sutilmente. Ela não sorriu de imediato. Apenas o encarou, séria — não dura, só... presente.
— Ainda faltam algumas semanas, né?
Ele assentiu com um murmúrio quase imperceptível:
— É…
Jane cruzou os braços. Por um instante, me pareceu… nervosa? Ou talvez só tentando manter a expressão firme.
— Vou te enviar uma carta com um local, no dia. Me encontra lá, e a gente resolve isso de uma vez por todas.
Eu e Merlin permanecemos em silêncio. Aquilo não era nosso.
Burst apenas assentiu, sem levantar os olhos. Um tipo de entendimento pairou no ar — não de reconciliação, mas de aceitação do que precisa acontecer.
— Boa noite, Victor. Merlin. — disse Jane, agora com um meio sorriso cansado.
— Boa noite. — respondi.
— [Boa noite!] — escreveu Merlin, soltando um balão em forma de coração que estourou no ar com um brilho delicado.
Jane subiu os degraus devagar, abriu a porta sem olhar para trás e desapareceu na penumbra do apartamento. A entrada se fechou com um estalido baixo. Nada dramático. Só... real.
Ficamos ali por um momento, em silêncio. A noite ao nosso redor parecia escurecer um pouco mais — não de tristeza, só de fim mesmo.
— Então... vai vir com a gente? — perguntei.
— Vou. Ainda não tenho casa.
— Claro. Bora.
Merlin se posicionou entre nós, girando suavemente no ar. A luz da cidade já começava a se apagar. O festival, enfim, tinha terminado.
Caminhamos juntos pelas ruas vazias, o som das explosões ainda ecoando suavemente na memória. Nenhum de nós falou muito. Cada um mergulhado em seus próprios pensamentos.
Eu não sabia o que viria depois. Mas, sinceramente... acho que estou curioso. E isso já é alguma coisa.
— [Acho que gostei do festival.] — escreveu Merlin, com um emoji sorrindo de olhos fechados e uma estrelinha.
— É. Eu também. — respondi.
E seguimos assim, rumo à nossa casa.
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