No dia seguinte, acordei renovado e bastante animado. Enquanto praticava com a espada, não conseguia tirar da mente os acontecimentos do dia anterior. Decidi então visitar Yuri novamente. Mesmo tendo ido apenas uma vez, já conhecia o caminho até sua casa, pois os detalhes ao longo do percurso, como as grandes árvores próximas, ficaram gravados em minha memória.
Assim que cheguei, a encontrei cuidando com carinho e dedicação dos seus coelhos, que pareciam tão tranquilos quanto ela.
— Oi, Yuri.
— Você voltou! achei que não viria mais.
— Por quê?
— Achei que tinha coisas melhores pra fazer com seus outros amigos.
— Isso… ah… eles tão trabalhando agora.
Trabalhando? Não poderia ter pensado em algo melhor, como estudando? Ela nunca vai acreditar nisso.
— Entendi.
Que? Ela acreditou? Soltei um suspiro discreto, sem deixar transparecer meu nervosismo.
— Tava pensando em fazer biscoitos pra você, mas não sabia se voltaria. Se tiver tempo, faço rapidinho.
— Quero sim! Hoje tenho o dia todo livre.
— Que bom! Vem, pode entrar.
Eu a segui em direção à porta de sua casa, mas logo seu olhar se desviou para a direção da capital, como se algo chamasse sua atenção.
— Você sabe por que as vezes fica tão barulhento daquele lado? — Ela apontou em direção à capital.
— Você deve tá falando do festival.
— Festival? O que é isso? — Yuri aproximou-se de mim, curiosa, seus olhos brilhando de interesse genuíno. Dei um passo para trás, sentindo-me ligeiramente envergonhado.
— Você nunca foi à capital?
— Não, nunca saí da floresta.
— Por quê?
— O senhor Jack e o senhor Elion disseram era perigoso sair. Eles prometeram que eu poderia sair quando ficasse mais velha.
Ao perceber Yuri desanimada, senti um forte impulso de animá-la. Foi então que uma ideia surgiu em minha mente.
— Vamos na capital agora, nós dois!
— Não posso sair, já falei.
— Não tem problema! Eles tão em uma missão fora da cidade, nem vão perceber. Vamos rápido e voltamos antes que notem.
Yuri hesitou, balançando de um lado para outro, mas após alguns segundos, ergueu os olhos e, finalmente, disse: — Tá, vamos!
Minha empolgação cresceu ainda mais, e mal podia conter a ansiedade para mostrar a ela o que tinha além da floresta.
— Espera um pouco, essa roupa tá suja, vou trocar rapidinho. — Ela andou apressadamente para sua casa.
Logo, ela saiu vestindo um vestido branco adornado com bordados delicados e um laço azul-claro na cintura, que destacava ainda mais sua presença serena. Fiquei sem palavras; a roupa parecia ter sido feita sob medida para ela, realçando sua beleza de maneira cativante.
— Então, o que achou? — Yuri parecia curiosa enquanto se movia graciosamente, exibindo o vestido.
— Ficou maravilhoso… — sussurrei, com um sorriso tímido enquanto a admirava. — Cof! Vamos!? — comecei a caminhar em direção à minha casa, tentando disfarçar o embaraço evidente que aquecia meu rosto.
Após uma breve caminhada, chegamos a minha casa, cuja presença parecia grandiosa diante do olhar curioso de Yuri.
— Essa é sua casa? É muito grande.
— Sim. Espera aqui, vou pegar um pouco de dinheiro.
Entrei apressado, fui direto ao meu quarto e peguei uma parte do dinheiro que tinha guardado. No caminho de volta, encontrei Margery limpando a casa, com um olhar sereno enquanto organizava tudo com dedicação.
— Margery, vou até a capital!
— Você sabe que seu pai não gosta que você vá pra a capital.
— É rápido, só vou comprar alguns biscoitos pra comer.
— Tá bom, mas volte rápido.
— Sim! — Sai correndo em direção à saída.
— Não corra dentro de casa!
— Está bem, desculpe. — Diminui minha velocidade, embora a empolgação ainda fervesse dentro de mim.
Refleti que seria melhor não mencionar Yuri, evitando que meu pai e Tio Jack descobrissem. Assim que saí, corri ao encontro de Yuri.
— Vamos! — disse animadamente, começando a caminhar em direção à capital. — Infelizmente o festival já acabou. Você ia ficar impressionada com tudo.
— Que pena, eu queria ver também.
— Podemos ir juntos no ano que vem!
— Sério? Mal posso esperar!
— Mas, algumas barracas de comida ainda tão lá. Vou te mostrar o algodão-doce, é um doce que derrete na boca, você não vai acreditar!
Yuri me encarava, impressionada, com um sorriso curioso que iluminava seu rosto enquanto eu falava, cativada pelo entusiasmo em minhas palavras.
Pouco tempo depois, as árvores começaram a diminuir, revelando aos poucos a imponente capital. Os olhos de Yuri brilhavam com entusiasmo e fascínio, incapaz de conter sua animação diante da grandiosidade da cidade.
— Quantas casas… não dá nem para contar!
Sorri enquanto caminhava ao lado dela, tomado por uma alegria genuína ao presenciar sua empolgação contagiante.
Assim que entramos na capital, Yuri olhou ao redor com olhos brilhando de encantamento, maravilhada pela imponência do lugar. No entanto, sua expressão se transformou em um leve receio ao notar a multidão densa ao seu redor. Por um instante, ela parou, claramente impactada pela agitação e pelo intenso movimento da cidade.
— Ei, pirralha, saia da frente! — disse um homem, empurrando-a rudemente para passar.
Yuri ficou visivelmente assustada, seus olhos arregalados enquanto ela tentava se equilibrar, claramente perdida sem saber como reagir. A raiva borbulhou em meu peito ao presenciar aquela cena. Segurei sua mão com firmeza, tentando transmitir a ela segurança.
— Não se preocupe, ele é apenas um idiota. Venha, vamos para ali. — Apontei na direção da barraquinha de algodão-doce.
Quando chegamos às barracas de comida, a atmosfera animada e os aromas deliciosos aumentaram ainda mais sua empolgação. Eu me sentia encantado ao vê-la tão feliz e envolvida naquele momento.
— Olá, quero dois algodões-doces — pedi ao vendedor, com um sorriso animado.
— Certo!
Logo ele começou a prepará-los. Enquanto girava a roda que formava o algodão-doce, Yuri observava fixamente, seus olhos arregalados de surpresa, como se presenciasse algo mágico. Um leve sorriso surgiu em seus lábios, e seus ombros relaxaram, como se estivesse completamente encantada pela cena diante de seus olhos.
— Incrível…
Após terminar, ele me entregou os dois. Pedi para ela segurá-los por um momento enquanto eu pagava o vendedor.
— Vamos, experimente — disse, enquanto pegava o meu, os olhos atentos e ansiosos para capturar cada detalhe da reação de Yuri.
Quando ela deu a primeira mordida, sua expressão de surpresa se intensificou, e uma risada escapou de mim ao testemunhar sua reação encantadoramente genuína.
— Nooossa, sumiu na minha boca, e é muito docinho.
— Eu disse que você ia ficar surpresa. Vamos, tem outras comidas pra você experimentar.
Em seguida, fomos explorar as outras barraquinhas. Yuri se maravilhava com cada nova comida que experimentava, e eu me sentia profundamente feliz ao vê-la deslumbrar-se com tantas novidades, especialmente considerando que viveu toda a sua vida na floresta.
Nós nos divertimos bastante, e o tempo pareceu voar sem que eu percebesse. Embora já tivesse visitado a capital algumas vezes, nunca havia feito isso na companhia de um amigo; dessa forma, tudo se tornou infinitamente mais divertido. Depois de muito tempo explorando, decidimos nos sentar em um banquinho para descansar.
— Estou cheia, não consigo comer mais nada. — Ela encostando-se no banco com um sorriso satisfeito.
— Eu também comi bastante. O que achou da capital?
— Gostei muito, nunca imaginei que seria assim.
— Se gostou tanto assim, podemos vir outras vezes.
— Sério? Vou querer sim. Ah, e seus outros amigos? Onde estão? Quero conhecer eles.
Desviei o olhar, surpreso com a pergunta, e pigarreei discretamente, tentando disfarçar o nervosismo que me invadiu.
— Eles… Eles são de outras vilas, não estão aqui.
— Entendo… Mesmo assim, hoje foi muito divertido. Nunca me diverti tanto, obrigada por me trazer.
Senti-me profundamente feliz com as palavras dela. Recostei-me no banco e deixei meu olhar se perder no céu. Foi então que notei o sol começando a se esconder no horizonte.
— Ah não, já tá tarde. É melhor voltarmos. Margery vai ficar furiosa. Espero que meu pai e Tio Jack não tenham voltado ainda.
— O quê? Elion é seu pai? Por que não me disse antes?
— Eu tentei. Venha, vamos rápido! — Segurei a mão dela, e corremos juntos em direção à saída.
✧༺⚔༻✧
Ao mesmo tempo, no norte de Valoria.
Elion e Jack cavalgavam em direção ao vilarejo de Voltina, uma das localidades mais próximas da capital. Jack estava visivelmente preocupado com o tempo, pois o sol já começava a se pôr, e a noite logo envolveria o caminho com sua escuridão.
— Chefe, precisamos acelerar. Caso contrário, não chegaremos antes de escurecer!
— Tamos próximo do vilarejo. Não se preocupe, ainda temos tempo.
Jack assentiu e direcionou novamente sua atenção para a estrada à sua frente. Após alguns minutos cavalgando sob a luz dourada do pôr do sol, Elion e Jack avançaram com cuidado, atentos a qualquer movimento ao redor. De repente, um som peculiar vindo da floresta atraiu a atenção de Elion, que puxou as rédeas de seu cavalo abruptamente. Jack, que cavalgava logo atrás, também parou.
— Chefe, o que foi? por que parou?
Elion levantou o braço em sinal de silêncio e disse: — Shh! Não faça barulho.
Elion desceu de seu cavalo e o amarrou em um pedaço de madeira. Sabia que investigar a pé seria mais silencioso e o tornaria menos visível, garantindo uma abordagem mais cautelosa. Ele começou a caminhar lentamente em direção à floresta, atento a tudo ao seu redor. Cada passo de Elion era meticuloso e silencioso, pois ele não sabia o que poderia estar espreitando nas sombras da floresta. Como um homem experiente, sabia que um único erro poderia ser fatal.
A poucos metros da estrada, Elion parou por um momento, fechou os olhos e concentrou-se nos sons da floresta. O ruído de algo correndo ao seu redor chamou sua atenção, e ele percebeu que um ataque era iminente.
Com um braço direito enorme e garras afiadas, o monstro avançou sobre Elion com um golpe feroz direcionado ao seu pescoço. No entanto, com um movimento rápido para trás, Elion esquivou-se habilmente do ataque, saindo ileso.
Com os olhos fixos e cheios de determinação, Elion agarrou o monstro pelo pescoço com o braço esquerdo, exibindo uma força impressionante. Em um movimento rápido e preciso, arremessou a criatura contra o chão e, num piscar de olhos, imobilizou seu braço esquerdo com o joelho, prendendo-a completamente.
A criatura tentou reagir, desferindo um golpe com o outro braço, mas Elion, com reflexos impecáveis, brandiu sua espada e cortou o membro em um único movimento. Sem hesitar, girou habilmente a lâmina em sua mão e cravou a ponta afiada no peito do monstro.
— Grrraaaagh… — O monstro gemeu em dor antes de exalar seu último suspiro.
Enquanto Elion estava concentrado, outro monstro surgiu correndo rapidamente em direção às suas costas. Elion percebeu o ataque iminente, mas manteve a calma, aguardando o momento certo para agir.
O monstro acreditava que teria uma chance fácil de matar Elion, que estava de costas para ele. No entanto, Elion sabia que não precisava se preocupar com sua retaguarda, pois contava com alguém de confiança para protegê-la, sempre atento e preparado para agir.
Quando o monstro estava prestes a atacar com suas garras, uma espada atravessou seu pescoço, decapitando-o com precisão impecável, sem sequer sujar a lâmina.
— Chefe, o que tá fazendo? Não baixe sua guarda assim! Se não tivesse chegado a tempo, você estaria morto agora!
Elion se levantou, balançou a espada para limpar o sangue e a guardou na bainha presa às suas costas.
— Eu sabia que você chegaria a tempo.
Jack guardou sua espada na bainha presa à cintura, respirou fundo enquanto coçava a nuca e, determinado, caminhou em direção ao corpo de um dos monstros.
— Será que tem mais?
Elion olhou ao redor, examinando atentamente o ambiente em busca de qualquer sinal de perigo, seus olhos atentos varrendo cada sombra na floresta.
— Não, se houvesse outro, já teria nos atacados.
— Chefe, temos que queimar os corpos desses monstros. Tamos perto de um vilarejo, se algum animal arrastar os restos pro rio, pode contaminar a água e causar doenças nas pessoas.
Elion observou os corpos e assentiu, plenamente ciente do perigo que aquelas criaturas mortas poderiam representar para a população do vilarejo próximo.
— Comece a preparar uma fogueira. — Ele apontou para um local apropriado para a queima dos corpos.
Jack prontamente começou a preparar a fogueira, lançando os corpos dos monstros com destreza e precisão.
Enquanto os corpos dos monstros eram consumidos pelo fogo, Elion permanecia imóvel, com o olhar fixo nas chamas crepitantes, perdido em seus próprios pensamentos. Jack observou Elion atentamente e percebeu que algo parecia incomodá-lo profundamente.
— Aconteceu alguma coisa? Você tá aí parado tem tempo.
— Temos um problema!
Jack, que estava abaixado, levantou-se rapidamente, seus movimentos revelando uma tensão crescente.
— Problema? Que problema?
— Esses monstros tão muito próximos à capital. se eles invadirem, haverá um grande derramamento de sangue.
— Nem pensei nisso, você tá certo. Precisamos voltar o mais rápido possível e informar Gregory pra ele reforçar as defesas da cidade.
— Não acho seguro voltar agora, especialmente com essa escuridão. Vamos seguir em frente até a vila e esperar pela primeira luz do sol pra então retornarmos à capital.
Os dois montaram novamente em seus cavalos e retomaram a jornada até alcançarem a vila de Voltina. Após uma noite de merecido descanso, partiram ao amanhecer, dando início ao caminho de volta.
— Jack, pegue sua família e também a Yuri e os leve para o castelo. Não é seguro ficar fora da cidade agora.
Jack assentiu, embora a tensão em seu rosto fosse evidente, sinalizando a gravidade da situação que pairava em sua mente.
— Tá bem. Elion, você acha que é ele?
A expressão de Elion se endureceu por um momento, como se estivesse relembrando algo.
— Não importa quem seja, temos que proteger as pessoas.
— Sim… E o jovem mestre Saito?
— Eu vou direto pro castelo. Vá até minha casa, e pegue os documentos na gaveta mais baixa da minha mesa e os entregue imediatamente a gredory. São relatórios sobre os acontecimentos próximos à capital, temos que verificar tudo agora. Depois, leve as garotas e Saito pro castelo e avise Margery pra retornar pra casa até novas instruções.
— Certo, farei isso!
Os dois cavalgavam de volta para a capital, atentos a cada movimento ao redor, mas o trajeto permaneceu tranquilo, sem sinais de qualquer ameaça.
✧༺⚔༻✧
Ponto de vista do Saito
Ainda era cedo, mas, ao sair de casa, notei que uma chuva forte se aproximava. Ontem, passei o dia estudando com o velhote e acabei não indo à casa de Yuri. Hoje, embora tivesse planejado praticar esgrima, decidi deixar isso para amanhã por causa do tempo e resolvi ir visitá-la.
Antes, porém, resolvi passar rapidamente pela capital para comprar os doces que ela tanto gostou. Com essa ideia na cabeça, corri em direção à capital, apressado para chegar antes que a chuva começasse. Ao chegar, fui direto a uma pequena barraca.
— Olá, gostaria de quatro bolinhos de chocolate e morango rápido! — Olhei para o céu e as nuvens já se aproximavam, carregadas de chuva.
Pouco próximo a mim, três homens estavam sentados a uma pequena mesa, bebendo.
— Acho que aquele cara não tá mais nesse reino — disse um deles.
— Também acho. Procuramos por todos os lados e nenhuma pista. Alguns anos atrás, já revistamos todo esse reino e não encontramos nada.
— Eu sei que aquele desgraçado tá aqui. Desta vez ele não vai escapar!
— Você, é o garoto de ontem. Onde tá aquela linda jovem de cabelos brancos que estava com você? — perguntou o vendedor enquanto me entregava os bolos.
— Ela não veio.
Entreguei o dinheiro e, rapidamente, virei-me para começar a correr de volta. No entanto, antes que pudesse iniciar a corrida, uma voz grave chamou minha atenção.
— Ei, garoto, espera aí — chamou um dos homens que estava à mesa.
Conforme ele se aproximava, notei sua altura imponente, os cabelos e olhos pretos, além do manto escuro que lhe conferia um ar misterioso.
— O que foi? Preciso ir rápido, a chuva tá chegando.
— Me diga, você conhece alguém de cabelos brancos?
Meu coração acelerou ao ouvir aquilo. Ele conhece a Yuri? Será que ele nos viu? Disfarcei minha surpresa e decidi não revelar nada. Encarei-o diretamente, com um olhar desconfiado, ainda mais após ouvir aquela conversa.
— O que você quer?
— Não é nada não, escutei o vendedor ali comentando. É que eu conheço alguém parecido, que tava procurando sua família. Ele tem até olhos dourados. Talvez possam ser parentes.
Fiquei surpreso com o que ele disse. Será que é alguém da família da Yuri? A ideia despertou em mim uma animação crescente com essa possibilidade.
— Sim! eu conheço alguém assim. Eu tava indo me encontrar com ela agora mesmo.
O homem esboçou um sorriso.
— Bom, vou ficar na cidade até amanhã. Posso conhecer essa sua amiga? Vou esperar perto daquela barraca de doces ali pra facilitar. Aí posso ver se ela é da família do meu amigo.
— Claro! vou falar com ela, e aí a trago aqui. — Virei-me e comecei a correr de volta.
Meu coração se encheu de esperança. Talvez Yuri finalmente encontrasse um membro de sua família, algo que tanto lhe fazia falta em sua solidão.
Ao chegar em casa, notei que Tio Jack também estava chegando, e enxerguei nisso a oportunidade ideal para perguntar a ele sobre Yuri. Assim que Tio Jack desceu do cavalo e se dirigiu para casa, esperei nas escadas, observando enquanto ele se aproximava.
— Podemos conversar, Tio Jack?
— Desculpe, mas agora não é um bom momento, jovem mestre. Tenho coisas urgentes pra resolver. Fique em casa e não saia até que eu volte.
Enquanto observava Tio Jack entrar na casa, senti-me desapontado. Queria saber sobre Yuri, mas ele parecia ocupado demais para conversar. Decidi ir à casa de Yuri. Ao olhar para o céu, percebi que a chuva estava prestes a cair, enquanto o vento forte balançava as árvores com intensidade.
Poucos minutos depois, cheguei à casa de Yuri e a encontrei agachada, regando suas flores com serenidade. Aproximei-me com cuidado para não a assustar.
— Oi.
— Ahh… — ela se virou, surpresa. — É você, Saito! Tomei um susto, já que não recebo muitas visitas.
— Desculpe.
— Não foi nada.
Aproximei-me ainda mais e observei-a cuidando das flores com tanto carinho. Admirei como parecia em perfeita sintonia com a natureza ao seu redor.
— Você gostar muito dessas flores, né? mas, por que tá regando se vai chover?
— Já te disse, elas são minhas companheiras aqui. Quando estou ao lado delas, é como não tivesse sozinha. Rego todos os dias, até em dias de chuva.
Naquele instante, um aroma delicioso emanava de dentro da casa de Yuri, despertando minha curiosidade.
— Você tá cozinhando?
— Estou fazendo biscoitos, como prometi da última vez. Só preciso cobrir os coelhos pra que não se molhem. Já pode entrar.
— Tá! Além disso, olha só o que eu trouxe, aqueles bolinhos que você tanto gostou.
— Que bom! Venha, vamos comer junto com os biscoitos!
Ela cobriu os coelhos com um couro grosso e entrou em casa, sorrindo animada. Assim que atravessei a porta, o aroma dos biscoitos ficou ainda mais forte, despertando meu apetite na hora.
— Pode se sentar. Os biscoitos tão quase prontos. Enquanto terminam, vou preparar um chá.
Sentei-me à mesa e fiquei observando Yuri. A maneira ágil e habilidosa com que ela preparava tudo me hipnotizou; observei-a em silêncio, admirado por sua naturalidade.
— Pronto, terminou de cozinhar!
Ela colocou sobre a mesa uma tigela repleta de biscoitos recém-assados e uma xícara de chá fumegante. Peguei um dos biscoitos e, ao mordê-lo, fiquei impressionado com o sabor único. Nunca havia provado algo tão delicioso.
— E aí, como estão? — Ela sentou-se à minha frente, bastante animada, aguardando ansiosamente uma resposta.
— Estão incríveis! Nunca comi biscoitos tão deliciosos! Muito melhor dos que vendem na capital! Você é uma excelente cozinheira, Yuri.
— Para. Você tá exagerando. Nunca tinha cozinhado pra outra pessoa antes. Fico feliz que gostou.
Decidi contar a Yuri sobre a pessoa que mencionou alguém semelhante a ela. No entanto, antes de começar a falar, ouvi o som de pássaros voando agitados próximo à casa. Intrigado, levantei-me e fui até a janela para observar o que estava acontecendo.
— O que foi? — perguntou Yuri.
— Você tá esperando mais águem?
— Não, o senhor Jack disse que ia demorar um pouco pra vir desta vez.
Continuei observando pela janela, intrigado com o comportamento agitado dos pássaros, que voavam para longe como se estivessem fugindo de algo.
Será que Tio Jack está vindo? Mas ele parecia estar tão ocupado com algo importante…
— Se continuar aí parado, o chá vai esfriar. — Yuri tomou um gole do chá e mordeu um dos bolinhos, um sorriso de satisfação suave se desenhando em seus lábios.
Nunca tinha ouvido os pássaros tão agitados antes; talvez fosse por causa da forte chuva que se aproximava. Sem perceber nada de anormal e com o silêncio dos pássaros retornando, optei por ignorar a situação e caminhei de volta à mesa.
Toc, toc!
O som de batidas na porta ecoou pela sala, fazendo-me parar abruptamente. Um ar pesado parecia envolver o ambiente, carregado de tensão.
— Ué, quem é? Será que o senhor Jack já chegou?
Yuri passou por mim e abriu a porta lentamente. Aproximei-me um pouco e os vi. O homem ao centro era o mesmo que encontrei na cidade, mas algo em seus olhos me deixou intrigado: negros, com pupilas finas e douradas como as de uma serpente, completamente diferentes dos olhos de uma pessoa comum.
Ela recuou dois passos, visivelmente assustada, enquanto seus olhos refletiam o medo que a situação provocava.
— Quem são vocês? O que querem?
— Esse cabelo, esses olhos dourados… Finalmente te achei, a pedra dos elementalistas — disse o do meio, esticando o braço em direção a Yuri.
Yuri ficou ainda mais assustada. Instintivamente, corri e fechei a porta, tentando protegê-la.
— Yuri, pra trás!
Olhei ao redor, desesperado por uma saída, mas não encontrei nenhuma. De repente, a porta foi destruída com um chute poderoso, espalhando fragmentos pela sala.
— Peguem a pedra!
Os outros dois avançaram em direção a Yuri, que estava encostada na parede, sem ter para onde fugir. Coloquei-me na frente dela, com os braços abertos, em uma tentativa desesperada de protegê-la.
— Vão embora! Se meu pai descobrir, vocês tão mortos!
O homem à direita soltou uma risada antes de me atingir com um soco no rosto, lançando-me para perto da cozinha. Minha cabeça girou, e logo comecei a tossir sangue, sentindo a dor se espalhar pelo meu corpo.
O homem à esquerda segurou a cabeça de Yuri com força e tentou arrancar o grampo de forma brutal.
— Saiam! Me deixem! — Yuri começou a se debater desesperadamente.
— Vamos, pegue logo! — ordenou impaciente o que estava na porta.
— Sim, chefe!
Sem piedade, o capanga desferiu um soco violento na barriga de Yuri, que a fez vomitar e cair de joelhos. Em seguida, arrancou o grampo, puxando vários fios de cabelo.
— Aqui, chefe. — O homem que pegou o grampo entregou-o ao líder que estava na porta.
Com o grampo em mãos, um sorriso maligno surgiu em seu rosto ao admirar o grampo.
— Finalmente, depois de tantos anos de buscas. — Ele guardou o grampo em uma pequena bolsa e, sem dizer mais nada, os três homens começaram a caminhar em direção à saída.
— Não! Devolvam meu grampo de cabelo! — Yuri tentou se recompor e, sem hesitar, correu em direção ao líder, golpeando suas costas com desespero evidente em cada movimento.
Ele se irritou e, com um movimento brusco do braço direito, lançou Yuri para trás com uma força impressionante. Ela bateu as costas contra a mesa e desmaiou. Impotente, permaneci paralisado, assistindo à cena em estado de choque, até que, momentos depois, também desmaiei.
Comecei a recuperar a consciência e percebi algo frio em minha mão. Ao olhar para ela, notei que estava coberta de sangue. Observando ao redor, vi Yuri desmaiada e percebi que todo aquele sangue vinha dela.
— Yuri, acorda! Vamos, acorda! — Sacudi o corpo dela, mas não obtive resposta.
Ao perceber a quantidade de sangue em minhas mãos, entrei em estado de choque, paralisado e sem saber o que fazer. Então, uma voz familiar começou a ecoar, trazendo-me de volta à realidade: era a voz do Tio Jack.
— Jovem mestre, jovem mestre, o que aconteceu?
— Tio Jack, é você?! — Algumas lágrimas deslizaram pelo meu rosto enquanto eu tentava assimilar tudo o que havia acontecido.
— Sim, sou eu. Quando percebi que os animais tavam estranhos nessa direção, decidi vir ver. O que aconteceu aqui?
— Três homens apareceram e nos atacaram. Eles pegaram o grampo de cabelo da Yuri, aí ela tentou pegar de volta, mas… mas… é tudo minha culpa.
Tio Jack aproximou-se de Yuri e cuidadosamente colocou os dedos em seu pescoço, verificando os sinais vitais.
— Mestre Saito, por favor, ouça! Ela ainda tá viva, mas se não cuidarmos deste ferimento rápido, ela morrerá.
Tio Jack rasgou um pedaço de seu manto e improvisou um curativo para estancar o sangramento, agindo com precisão e rapidez. Com cuidado, ele posicionou Yuri sobre minhas costas e amarrou um pano ao nosso redor para mantê-la firme.
— Jovem mestre, escute bem! — Ele colocou as mãos em meus ombros enquanto eu mantinha a cabeça baixa. — Ao Norte, tem um riacho. Ao cruzar ele, siga a estrada que sobe a montanha. Lá você vai encontrar uma casa onde mora uma mulher chamada Nissa. Ela saberá o que fazer.
Ao levantar minha cabeça e encarar Tio Jack, percebi seus olhos flamejando de raiva, com as veias saltadas em seu rosto. Nunca o havia visto assim antes, e por um instante, senti um calafrio de medo.
— Vamos, rápido!
Seguimos juntos sob a chuva, e ao olhar para o cercado de coelhos, vi todos mortos, suas cabeças espalhadas pelo chão e o sangue misturando-se à água da chuva. Levei a mão à boca, tomado por ânsia e um nó no estômago. Em seguida, Tio Jack me ajudou a montar no seu cavalo.
— O que você vai fazer, tio Jack?
— Isso não importa agora, apenas vá!
Sem hesitar, segurei firme as rédeas do cavalo e disparei em direção à montanha, determinado a chegar o mais rápido possível.