O Som do Martelo

Cavalguei pela floresta em busca da ajuda de Nissa, seguindo as instruções que tio Jack havia me dado. Yuri estava gravemente ferida, e eu sentia seu corpo ficar cada vez mais frio devido à perda de sangue. Determinado, cheguei ao pequeno riacho, mas logo notei que, por causa da chuva, a água estava muito forte. 

Desci do cavalo com cuidado, amarrei sua rédea em um galho e me preparei para atravessar o rio nadando, pois não havia tempo para contornar a cidade. Apertei o pano que segurava Yuri junto a mim e entrei na água. 

O frio intenso me envolveu, e a corrente parecia decidida a me arrastar. Cada movimento era uma luta; meus músculos queimavam enquanto eu avançava contra a força do rio. Meus dedos ficaram dormentes, e Yuri parecia mais pesada a cada segundo. Com um último esforço, alcancei a margem oposta, respirando com dificuldade e exausto, mas aliviado. 

Sem perder tempo, comecei a correr, subindo o morro. Minhas roupas e as de Yuri estavam pesadas por estarem molhadas, tornando cada passo mais difícil, mas continuei subindo com firmeza. O desespero crescia em mim, pois sabia que cada segundo era crucial. Mesmo exausto, não diminui a velocidade. Quando avistei uma pequena casa, corri com o resto de energia que tinha e comecei a bater na porta com força, esperando que alguém me atendesse rapidamente. 

— POR FAVOR, ALGUÉM NOS AJUDA RAPÍDO! 

A porta se abriu lentamente e, para minha felicidade, uma mulher de cabelos vermelhos e olhos azuis surgiu diante de mim, exibindo uma expressão de surpresa e preocupação. 

— Garoto, o que tá fazendo aqui nesta chuva? 

— Você é Nissa? Por favor, me ajuda! Ela tá muito ferida! 

Nissa se aproximou, e seus olhos rapidamente se arregalaram de preocupação ao ver o estado de Yuri. 

— Essa garota, não é… Venha rápido! — Ela me guiou rapidamente até uma cama e, com cuidado, tirei a faixa entre nós e deitei Yuri de barriga para baixo, tentando não agravar sua condição. 

Nissa cortou a roupa de Yuri com precisão e começou a limpar a ferida com cuidado, usando panos de forma meticulosa. Seus movimentos eram firmes e habilidosos, refletindo sua experiência. 

— Venha aqui, garoto, fique pressionando! 

Aproximei-me e pressionei firmemente o pano coberto de sangue contra a ferida de Yuri, tentando conter o sangramento que ameaçava sua vida. 

— A senhora consegue salvar ela? — A enorme quantidade de sangue que ela havia perdido me deixava profundamente inquieto, como se cada gota fosse uma contagem regressiva para algo irreversível. 

— Agora, ela vai ficar bem. Se você tivesse demorado um pouco mais… talvez não seria possível — Nissa estava misturando cuidadosamente várias substâncias em um pote. — O que aconteceu? 

— Três homens apareceram, roubaram o grampo de cabelo dela e foram embora. Ela se machucou tentando pegar de volta. 

— Que estranho, nunca apareceram bandidos nessa floresta. Vamos, remova os panos. 

Nissa aplicou a mistura sobre a ferida, fazendo Yuri contrair o rosto de dor antes de, gradualmente, se acalmar. 

— Me ajuda aqui! Levante um pouco ela pra eu passar uma faixa. 

Segurei Yuri firmemente enquanto Nissa enrolava uma faixa bem apertada ao redor do corpo dela. 

— Pronto, o sangramento foi contido. Eu fiz tudo o que pude. Agora é ela quem deve lutar pra sobreviver — Nissa sentou-se exausta em uma cadeira, olhando para mim. — Como você encontrou este lugar? 

— O tio Jack disse sobre você. 

— Jack! Onde ele tá? 

— Não sei, ele não disse pra onde ia… Essa não! — Logo percebi que ele havia ido sozinho atrás dos três homens, e a urgência me consumiu. Sem perder tempo, comecei a caminhar rapidamente em direção à saída. — Preciso voltar e avisar meu pai. 

— Quem é seu pai? 

— Elion Falconer! 

Antes de sair, notei uma criança de olhos negros e cabelos vermelhos saindo do quarto. Ela me lançou um olhar de relance, sem dizer nada, enquanto esfregava os olhos, como se tivesse acabado de acordar. 

Deixei a casa às pressas, com a preocupação pela segurança do tio Jack crescendo a cada instante, enquanto corria em direção à minha casa. 

✧༺⚔༻✧

Momentos antes, na casa de Yuri. 

Jack caminhou de volta para casa e, ao olhar ao redor, viu a destruição e o sangue espalhados pelo chão. A visão intensificou sua raiva, consumindo-o por completo. 

— Isso não vai ficar assim! — A chuva continuava caindo forte enquanto Jack cerrava os punhos. — Sangue por sangue! 

Ele saiu da casa de Yuri e começou a seguir as pegadas deixadas na lama. Poucos minutos depois, as marcas desapareceram devido à forte chuva, mas ele não desistiu. Com ímpeto renovado, acelerou o passo e subiu um pequeno morro. Ao chegar ao topo, avistou os três bandidos que Saito havia mencionado anteriormente. Sem hesitar, avançou em direção a eles, seu olhar firme e repleto de determinação. 

Ao se aproximar, ele gritou: — Ei, parem! 

Os três se viraram para encará-lo, suas expressões oscilando entre surpresa e desprezo. 

— É melhor você ir embora se não quiser morrer! — resmungou o que estava à esquerda com desdém. 

— Eu sei o que vocês fizeram! Vou fazer com que paguem por tudo! — Jack sacou sua espada e a apontou para eles. 

O homem do meio começou a colocar a mão sob o manto, e Jack imediatamente percebeu sua atitude suspeita. Logo em seguida, o bandido à esquerda levantou levemente o braço esquerdo. 

— Chefe, pode deixar com a gente. Nós damos conta dele. 

Os dois bandidos sacaram suas espadas e começaram a se aproximar de Jack, seus movimentos calculados, refletindo a confiança de quem estava acostumado a matar. 

— Seus desgraçados! Como puderam fazer aquilo com duas crianças? Vocês não têm honra! 

Os dois bandidos soltaram risadas sarcásticas, ignorando completamente o peso das palavras de Jack. 

— Honra? que porra é isso? 

Quando os bandidos se aproximaram, Jack firmou sua posição, preparando-se para lutar com uma postura cheia de confiança. 

— O que eu tou pensando? Nunca que merdas como vocês teriam honra. 

Os dois homens ficaram furiosos ao ouvir as palavras de Jack. Eles atacaram simultaneamente, suas espadas reluzindo sob a chuva, em movimentos rápidos e cheios de raiva. 

Jack respirou profundamente e, ao soltar o ar, seu corpo se moveu com uma velocidade quase sobrenatural, desviando dos ataques com uma fluidez impressionante. Em um movimento rápido e preciso, ele passou entre os dois bandidos, sua espada traçando um arco letal. 

Antes que os homens pudessem compreender o que havia acontecido, Jack já estava atrás deles. Em um único instante, as cabeças dos dois bandidos caíram, e o sangue jorrou, pintando a cena de forma brutal. Coberto de sangue, Jack permaneceu imóvel por um segundo, seu olhar firme e concentrado. 

— Interessante… — disse o último bandido. 

Ele então tirou o capuz que cobria seu rosto e, ao reconhecer quem era, uma raiva imensa consumiu Jack. 

— Eu sabia que era você, seu filho da puta. 

— Hum? Já nos encontramos antes? 

— Que se foda, vou garantir que pague por tudo o que fez. 

O bandido abriu um sorriso sádico, seus olhos brilhando com um prazer perverso que parecia refletir sua crueldade. 

— Você devia ter visto o desespero deles… os gritos, o medo nos olhos… Foi como uma bela sinfonia pros meus ouvidos. 

Jack perdeu o controle e avançou contra o homem com uma fúria incontrolável, seus olhos ardendo de raiva. 

"Elion não precisa mais se culpar, me vingarei em seu lugar." 

O bandido, com um movimento ágil, enfiou a mão dentro do manto mais uma vez, seus olhos fixos em Jack, avaliando atentamente cada movimento com uma expressão calculista. 

✧༺⚔༻✧

Ponto de vista do Saito. 

Cheguei novamente ao riacho e, ao atravessá-lo, recuperei o cavalo e segui rapidamente para a casa de Yuri. No entanto, ele já não estava mais lá, e a preocupação com a segurança do tio Jack aumentava. 

Enquanto cavalgava de volta para casa, algo estranho no chão próximo chamou minha atenção. Decidi investigar e, ao olhar ao redor, encontrei os corpos decapitados de dois homens. Meu estômago revirou, e levei a mão à boca, lutando contra o impulso de vomitar. 

— Tio Jack fez tudo isso sozinho? Mas eram três… onde tá o outro? 

Olhei ao redor com mais atenção, afastando os arbustos que bloqueavam minha visão. De repente, avistei alguém sentado, encostado em uma árvore, com as pernas esticadas à frente. A posição da pessoa, parcialmente escondida atrás da árvore, impedia que eu visse seu rosto com clareza. Meu coração disparou, temendo que pudesse ser o último bandido vivo. Respirei fundo e me aproximei devagar, cada passo carregado de tensão. 

Quando me aproximei e comecei a inclinar o rosto para ver quem era, minhas pernas falharam, e caí no chão. A cena mais horrível que já presenciei estava bem diante de mim… 

A pessoa sentada ali era tio Jack, mas ele estava morto. Um nó se formou em minha garganta, e meu corpo ficou paralisado pelo choque. Sua cabeça havia sido brutalmente cortada e colocada em seu próprio colo, compondo uma cena tão grotesca que meu estômago se revirou. Onde sua cabeça deveria estar, repousava uma flor negra de aparência macabra, exalando uma aura sinistra que intensificava o peso sufocante da dor e do desespero que me dominavam. 

— AAAAAA. É tudo minha culpa! — bati os braços com força no chão, enquanto a raiva e a tristeza me consumiam. 

Depois de vomitar intensamente, levantei-me, tentando recuperar o controle. Enxuguei as lágrimas e limpei a boca, sentindo o gosto amargo da perda ainda presente. Decidi subir na árvore mais alta da floresta para obter uma visão melhor da área. Lá de cima, avistei o último bandido encapuzado seguindo em direção ao porto. Minha casa estava muito distante, e, se eu tentasse avisar meu pai, não haveria tempo suficiente. Além disso, eu nem sabia se ele já havia retornado. 

— Eu me lembro onde ele guardou. 

Desci da árvore com agilidade e corri até o cavalo do tio Jack. Montei rapidamente e parti em disparada em direção ao porto. Poucos minutos depois, quando estava quase alcançando o bandido, ele percebeu minha presença e, alarmado, tentou fugir. 

Sem hesitar, saltei sobre ele, agarrando-o com toda a força. Ele reagiu rápido, acertando um soco forte na minha barriga que me deixou sem fôlego por alguns instantes, mas desisti. Com um movimento ágil, consegui recuperar a bolsa com o grampo de Yuri. Com ele firmemente em minhas mãos, corri na direção oposta, decidido a proteger o que havia recuperado. 

— Consegui! 

Tentei fugir o mais rápido que pude, mas, ao levantar a cabeça, percebi que o bandido já estava bem à minha frente. Parei imediatamente, encarando sua expressão assustadora. Seus olhos negros refletiam uma escuridão fria e impiedosa, enquanto uma adaga negra ornamentada brilhava ameaçadoramente em sua mão direita, de onde gotas de sangue escorriam lentamente. 

Meu corpo não respondia, e eu sentia o mundo ao meu redor desmoronar. Perdi o equilíbrio e caí para o lado esquerdo. Ao tocar o chão, uma dor excruciante tomou conta de mim, como se um calor intenso queimasse minha carne e uma sensação cortante atravessasse minha perna. Foi então que percebi: minha perna esquerda havia sido completamente cortada na altura da coxa. O sofrimento me atingiu como um golpe brutal, deixando-me à beira do desespero. 

— AAAAAAAAA… 

Enquanto agonizava de dor, o homem se abaixou e pegou a bolsa que estava ao meu lado. Mesmo sentindo uma dor imensa, reuni toda a minha força e estiquei o braço esquerdo numa tentativa desesperada de impedi-lo, agarrando seu manto. Com um olhar frio e indiferente, ele, em um movimento rápido, cortou meu braço quase na altura do ombro. Por pouco, a lâmina não atingiu meu pescoço, deixando apenas um arranhão superficial no meu rosto. 

Observando impotente, senti minha visão começar a escurecer enquanto o bandido se afastava em direção ao porto com a bolsa. A sensação de que minha vida estava escapando de mim era avassaladora, e não havia nada que eu pudesse fazer para impedir. 

Depois de algum tempo, algo chamou minha atenção: um homem de barba grande se aproximava, o rosto marcado pela preocupação. Tentei dizer algo, mas minha voz falhou, e o mundo ao meu redor começou a se apagar enquanto eu desmaiava devido à perda de sangue. 

✧༺⚔༻✧

Na residência dos Falconer. 

Elion chegou em sua casa às pressas, seus olhos percorrendo o ambiente. 

"Onde tá Jack? falei pra ele levar todos para o castelo de Gregory, mas ainda não chegou." 

Assim que entrou, ele encontrou Margery, que o aguardava com uma expressão de leve preocupação. 

— Margery, você viu Jack? 

— Sim, ele chegou apressado, pegou algumas coisas e me disse pra esperar, pois ia voltar de novo, mas até agora não apareceu. O jovem mestre Saito também não tá na casa, já procurei por todos os lados. 

— Você verificou o campo de treinamento? 

— Sim, olhei por todo canto. 

— Certo. Margery, você pode voltar pra casa agora. 

— Elion, aconteceu alguma coisa? 

— Não, não precisa se preocupar, pode ir. 

— Entendido, senhor. Agradeço — Margery juntou suas coisas antes de sair em direção à sua casa. 

"Pra onde eles foram? Jack sabia que não tinha tempo pra perde por causa daquelas coisas… Será que ele pegou o Saito, foi até sua casa e já levou todos pro castelo? Será que nos desencontramos?" 

A chuva forte já havia cessado, e o sol estava prestes a se pôr. Incapaz de se acalmar, Elion deixou a casa com passos apressados. 

— Acho melhor dar uma olhada na casa de Yuri. 

Com essa ideia em mente, Elion decidiu ir até a casa de Yuri, partindo imediatamente em direção à floresta, determinado a descobrir o que havia acontecido. 

Enquanto caminhava pela floresta, Elion avistou dois corpos estendidos no chão. Aproximando-se com cuidado, percebeu que ambos estavam decapitados. Seus movimentos se tornaram ainda mais cautelosos, seus olhos atentos a qualquer sinal de perigo ao redor. 

— O que aconteceu aqui? essa não, tenho que me apressar, ela pode tá em perigo. 

Sem hesitar, Elion correu em direção à casa de Yuri. Ao chegar, encontrou a porta quebrada, e seu coração disparou em pânico. 

"Será que são ladrões? Mas aqueles cortes no pescoço… só alguém muito habilidoso com a espada faria isso. Jack!" 

Com cautela, Elion entrou na casa, segurando sua espada com firmeza, mas não encontrou ninguém. A cena diante dele era desoladora: a casa estava em completa desordem, e uma mancha de sangue no chão chamou sua atenção. Ele se aproximou, tocando a mancha com os dedos, enquanto sua mente fervilhava com pensamentos sombrios. 

"O sangue ainda tá fresco, mas cadê eles? Será que foram pra a casa de Nissa? 

Antes de seguir para a casa de Nissa, Elion decidiu examinar mais atentamente os corpos. Seus músculos estavam tensos, mas ele sabia que precisava entender o que havia acontecido. 

Ao chegar novamente aos corpos, Elion revistou os bolsos, mas não encontrou nada. Apesar disso, uma sensação inquietante o consumia, como se algo não estivesse certo. 

"Nada foi roubado? será que Jack matou eles e pegou o que tinham roubado? Mas aquele sangue na casa. Será que esses desgraçados machucaram a Yuri? Preciso ir até Nissa pra descobrir." 

Antes que pudesse correr, algo chamou sua atenção: pegadas na lama próximas a alguns arbustos. Elion aproximou-se para investigar e notou as pernas de alguém sentado, encostado em uma árvore. Seu coração acelerou, e ele avançou lentamente. Quando se inclinou para ver melhor, um choque profundo o atingiu ao perceber que Jack estava morto de forma brutal. 

Elion permaneceu em silêncio, abaixado ao lado do amigo, mas ao avistar a flor negra, uma ira avassaladora tomou conta de si, como uma onda incontrolável de emoção. 

— Essa flor negra, só pode ter sido aquele desgraçado filho da puta. — Elion pegou a flor, esmagou-a com força em sua mão e desferiu um soco violento no tronco da árvore. — De novo isso? Por quê? Por quê? Mais uma vez não consegui fazer nada! 

Com extremo cuidado, Elion deitou o corpo de Jack, colocando a cabeça do amigo sobre seu peito e cobrindo-o com sua capa. Em seguida, ergueu-o e começou a carregá-lo em direção à casa de Nissa. Seu rosto refletia uma ira contida, enquanto a tristeza o consumia por dentro. Jack, seu companheiro de longa data, agora estava perdido para sempre. 

Ao chegar ao riacho, Elion lembrou que, um pouco mais acima, o rio se estreitava, onde um tronco improvisado formava uma passagem instável para o outro lado. Ao se aproximar da casa de Nissa, ele colocou cuidadosamente o corpo de Jack sob uma árvore antes de se dirigir à porta. 

Toc, toc! 

Nissa abriu a porta rapidamente com um sorriso no rosto. 

— Ah… é você, Elion. Está tudo uma loucura hoje… Entre. — Sua expressão mudou instantaneamente para preocupação. 

Elion entrou em silêncio e encontrou Yuri deitada na cama, sua pele pálida e sua respiração fraca. Ele se aproximou dela com cuidado, seus olhos refletindo preocupação, e colocou a mão suavemente sobre seu rosto, sentindo o frio de sua pele. 

— Ela vai ficar bem. A febre forte já passou. 

— O que aconteceu? 

— Seu filho trouxe ela bastante ferida, no meio da chuva. Disse que alguns bandidos roubaram o grampo de cabelo dela, e ela se machucou tentando pegar de volta. 

Ao ouvir isso, uma ira imensa tomou conta de Elion, mas ele conseguiu se conter, respirando fundo para manter a calma. 

— Onde tá Saito? 

— Ele saiu correndo, dizendo que ia te avisar que Jack foi atrás dos bandidos sozinho. 

— Me avisar? 

— Sim. hoje é o aniversário de Claris, e Jack disse que passaria o dia com ela, mas ainda não voltou. Ela chorou tanto que acabou dormindo. Você viu Jack? Ele tá bem? 

— Venha comigo. — Elion virou-se e caminhou em direção à porta. 

— O que foi? 

— Por favor, apenas me siga. 

Os dois deixaram a casa e seguiram em direção à árvore onde Elion havia deixado Jack. Ao se aproximarem, Nissa avistou o corpo coberto por um pano, e um arrepio gélido percorreu sua espinha, fazendo seu coração disparar descontroladamente. 

— Não, não pode ser ele! Por favor, Elion, diga que não é o Jack! 

Nissa se aproximou do corpo, suas mãos tremendo incontrolavelmente enquanto começava a retirar a capa. Ao ver o estado de Jack, ela não suportou a visão e o cobriu novamente, recuando com um soluço estrangulado. Com o rosto enterrado nas mãos, começou a chorar de forma descontrolada, tomada por uma dor avassaladora que parecia impossível de descrever. Ela se levantou e correu em direção a Elion, começando a bater em seu peito com desespero. 

— Seu desgraçado, eu falei, eu cansei falar, que vocês viviam caçando problemas! E mesmo assim não paravam! É tudo culpa sua! — Suas lágrimas misturavam-se aos soluços de dor e frustração. 

Elion a abraçou com força, tentando acalmá-la, mas Nissa não conseguia suportar uma perda tão devastadora e se debatia, golpeando o corpo de Elion. 

— Eu sei… Eu sei… é tudo minha culpa, pode me culpar o tanto que quiser. 

Nissa caiu de joelhos no chão, e Elion se abaixou ao seu lado, colocando delicadamente a mão sobre seu ombro em um gesto de conforto. 

— Nissa Preciso voltar e procurar meu filho. Sei que é difícil, mas peço que cuide da Yuri. 

— Não… Você não pode me deixar aqui sozinha, com Jack desse jeito. 

— Posso levar o corpo dele pro castelo do rei e providenciar um enterro digno pra ele. Além disso, aqui não é mais seguro. Vou pedir que alguém venha buscar vocês e as leve ao castelo também. 

— Por favor, faça isso. Não quero que Claris o veja assim — Nissa permaneceu ajoelhada ao lado do corpo, segurando a mão de Jack com força. — Minha carroça tá atrás da casa. Use ela pra levar ele. 

Elion envolveu o corpo de Jack com a capa, segurando-o com delicadeza enquanto o transportava cuidadosamente até a carroça. 

— Nissa, pode ter certeza, vou encontrar o culpado e farei com que ele pague por tudo! 

Em seguida, Elion partiu para a cidade, deixando Nissa para trás, profundamente abalada pela perda irreparável de Jack. Ela permaneceu imóvel, observando com tristeza enquanto a carroça desaparecia no horizonte, consciente de que precisaria reunir forças para seguir em frente. 

Ao entrar em casa, ela sentou-se na cadeira próxima a Yuri. Levantou o olhar, seu coração em pedaços, sem saber o que fazer. Pouco depois, Claris apareceu. 

— Mamãe, o papai chegou? 

— Claris, você já acordou? Venha aqui! 

Quando Claris se aproximou, Nissa a envolveu em um abraço caloroso, buscando conforto na presença da filha. 

— Que foi, mamãe? 

— Nada, querida, não se preocupe. Tá tudo bem. 

Nissa lutou para conter as lágrimas, sabendo que precisava reunir forças agora para cuidar de Claris sozinha, mesmo com a dor devastadora que carregava em seu peito. 

✧༺⚔༻✧

Ponto de vista do Saito. 

Enquanto recobrava a consciência, percebi que estava deitado em uma cama improvisada dentro de uma caverna. Faixas envolviam firmemente meu braço e minha perna amputada, e algo pressionava com força por baixo delas. A dor era ainda insuportável. De repente, o som estridente de um martelo golpeando metal ecoou pelas paredes da caverna, reverberando de maneira quase ensurdecedora. 

Virei a cabeça lentamente e avistei uma figura sentada de costas para mim, martelando algo feito de ferro. O martelo, adornado com uma pedra amarela, emitia um brilho intenso a cada golpe. Ainda muito fraco, senti minha visão escurecer e desmaiei novamente, incapaz de identificar quem era aquela pessoa misteriosa. 

Na tarde do dia seguinte, eu estava sentado na cama, observando o que restava do meu braço e perna amputados. Em seguida, percebi que alguém estava entrando. 

— Haldan, você já voltou, como foi, conseguiu achar a casa? 

Haldan aproximou-se lentamente, retirando o capuz. Era um anão de cabelos longos e barba espessa, ambos de um castanho profundo, com olhos castanho-claros que refletiam um brilho curioso. Suas roupas eram simples, feitas de couro escuro desgastado e adornadas com detalhes em bronze, destacando sua experiência como ferreiro. O ambiente ao redor estava iluminado apenas por um lampião no canto, cujas sombras acentuavam a atmosfera rústica do lugar. 

— Fui até a casa que você falou, mas encontrei apenas um soldado pegando algumas coisas, não tinha mais ninguém. Conversei um pouco com ele e descobri que todos foram pro castelo do rei. A garota machucada tá fraca, mas tá se recuperando. 

Senti alívio ao saber que Yuri havia sobrevivido, mas o desgosto e a culpa permaneciam evidentes em meu rosto, refletindo o peso de tudo o que havia acontecido. 

— Quero me desculpar novamente. Aqueles desgraçados estavam atrás de mim, e vocês acabaram sendo atacados por minha causa. 

— A culpa é minha também. 

Haldan caminhou até o canto da caverna e pegou algo. 

— Aqui, fiz um apoio pra que você consiga, pelo menos, ficar de pé. Mas o melhor seria uma cadeira de rodas. Usei fogo pra estancar o sangramento e uma atadura de ferro pra garantir que a ferida ficasse firme. Por enquanto, é melhor que você descanse mais alguns dias pra permitir a cicatrização, e depois poderá voltar à cidade. 

— Foi tudo minha culpa… e agora, não posso fazer mais nada! — Apertei com força o coto do braço amputado, enquanto a dor se fundia ao arrependimento, criando um peso quase insuportável em meu peito. 

— Na verdade, existe uma maneira de recuperar seu braço e sua perna. 

— O quê? Como assim? 

— É um tipo de engenharia mecânica. Não é simples, leva bastante tempo, e muitos desistem por causa da dor envolvida no processo de implantação das próteses. 

— Não me importo, se eu conseguir andar novamente, farei qualquer coisa! 

— Quantos anos você tem? 

— Dez, por quê? 

— Então, terá que ficar comigo até os dezoito. Se aceitar, durante esses anos, vou te ensinar tudo o que sei, tanto sobre este mundo quanto sobre combate. Tá disposto a aprender comigo por todo esse tempo? 

— Se eu ficar mais forte, farei tudo o que você disser. Mas por que tá me ajudando? 

— Para ser honesto, não sei exatamente… Talvez seja o desejo de me desculpar pelo que aconteceu, mas algo me diz que devo fazer isso. Acredito que um dia, você será capaz de enfrentar aquelas pessoas. — Ele olhou para a entrada da caverna, onde a luz começava a penetrar, iluminando suavemente o ambiente escuro. 

✧༺⚔༻✧

Alguns dias depois, em um lugar desconhecido. 

O homem que roubou a pedra de Yuri adentrou em uma caverna, iluminada apenas por tochas esparsas que projetavam sombras dançantes nas paredes rugosas. Ao abrir uma enorme porta de ferro, revelou-se um imponente salão, sustentado por vigas de pedra maciça decoradas com candelabros. As paredes e o teto de pedra bruta exalavam uma atmosfera sombria e opressiva. 

No centro do salão, cinco figuras se destacam. Uma delas, um elementalista, estava sentado em um trono. Com o cotovelo apoiado, sustentava a cabeça com a mão, exibindo um ar de indiferença. As outras figuras permaneciam envoltas nas sombras, mantendo uma distância respeitosa, quase ameaçadora. 

— Finalmente você voltou, Arald. Espero que tenha um bom motivo pra fazer todos esperar por você — disse o elementalista, com um tom de impaciência. 

Arald aproximou-se do trono, ajoelhando-se lentamente. Com cuidado e reverência, retirou a pedra de dentro de seu manto e a estendeu ao elementalista, suas mãos vacilando levemente com a tensão do momento. 

— Meu senhor, aqui tá uma das pedras místicas. 

Todos ao redor arregalaram os olhos em surpresa. O elementalista levantou-se do trono, caminhando lentamente em direção a Arald, com os olhos fixos na pedra, como se avaliando cada detalhe com atenção. 

— Você encontrou a pedra dos elementalistas. Excelente trabalho, Arald. — O elementalista pegou a pedra das mãos de Arald, e um sorriso satisfeito apareceu em seu rosto. 

Ao se virar, ele examinou a pedra mais de perto, mas logo uma raiva crescente tomou conta dele. Fechou o punho com tanta força que os músculos de seu braço tremiam. Seus olhos se estreitaram, e ele avançou em direção a Arald, seus passos firmes e a expressão carregada de fúria. 

Sem aviso, em um movimento rápido e preciso, o elementalista desferiu um soco devastador no rosto de Arald. O impacto foi tão brutal que Arald foi arremessado com violência, seu corpo quicando no chão antes de colidir com a parede, criando um buraco profundo no local do impacto. 

O silêncio tomou conta do salão, quebrado apenas pela respiração pesada do elementalista, que reverberava de forma ameaçadora no ambiente. Ele abriu a mão que segurava a pedra, deixando apenas pó escorrer por entre seus dedos. Seus olhos brilharam com uma intensidade feroz, e sua mandíbula se contraiu em um gesto de fúria incontida. A frustração distorcia suas feições, tornando-o quase irreconhecível enquanto a ira dominava cada parte de seu ser. 

— Você ousa tentar me enganar com uma pedra falsa? Não te mato agora mesmo porque seu poder ainda me serve. Mas escute bem: se tentar me enganar de novo, não terá segunda chance! Que isso fique claro pra todos aqui! 

A força do soco foi tão devastadora que o rosto de Arald ficou severamente desfigurado, com vários ossos quebrados, tornando sua morte aparentemente inevitável em questão de minutos, mesmo com o seu poder. 

— Lya, cure ele — ordenou o elementalista, sentando-se novamente em seu trono. 

— Sim, senhor. 

Lya emergiu das sombras, sua presença imponente impossível de ignorar. Seus longos cabelos pretos lisos, com mechas vermelhas, balançavam suavemente a cada passo, e seus olhos negros, intensos e penetrantes, fixavam-se adiante. 

Ela trajava uma calça justa de couro escuro combinada com uma blusa de mangas longas de tecido leve, na cor vermelha. O conjunto realçava suas curvas de maneira refinada e elegante, conferindo-lhe uma aura ao mesmo tempo sedutora e imponente. 

Lya se aproximou de Arald, abaixou-se ao seu lado e, apoiando-o com um dos braços, retirou da sua blusa uma poção vermelha cintilante. Com delicadeza, derramou o líquido brilhante na boca dele. Em questão de segundos, o corpo de Arald começou a se regenerar, restaurando-se completamente, como se nada tivesse acontecido. 

Arald levantou-se, esforçando-se para recuperar a compostura, embora seus olhos ainda refletissem a indignação que queimava dentro dele. 

— Ray, eu peguei essa pedra de um elementalista. Não tinha como saber que era falsa. 

— Cale a boca e desapareça daqui, ou eu mesmo mato você! — gritou um dos presentes no salão, sua voz carregada de fúria. 

— Vão embora, e agora só voltem quando tiverem as pedras em mãos! Se trouxerem outra pedra falsa, já sabem o que os espera! 

— Certo! — Todos no salão concordam.