Capítulo II: O PESO DA COROA

— Afinal, que segredos valiosos poderiam se esconder neste fim de mundo esquecido pelos deuses? — Kael ruminava, o ranger constante de seus coturnos gastos na terra fria acompanhando seus pensamentos amargos enquanto se embrenhava na floresta inóspita. A luz do sol, outrora vibrante, agora hesitava entre o dossel denso das árvores centenárias, e o ar se adensava, carregado de umidade e mistério. O bosque se tornava mais sinistro a cada passo, as árvores esqueléticas e retorcidas contrastando morbidamente com os carvalhos seculares e pinheiros imponentes. Era um reino onde até os guerreiros mais bravos hesitavam em se aventurar, mas para Kael, era apenas mais um canto isolado onde a corte o enviava para ser esquecido, sua presença incômoda convenientemente exilada dos corredores do poder. Uma névoa densa e sufocante parecia emanar dele, como se a própria noite sangrasse sua dor. Paradoxalmente, a escuridão da floresta oferecia um breve alívio, um santuário sombrio contra o olhar julgador do mundo.

— Será que o Velho Gagá realmente se apega àquela balela de profecia? Aquela história ridícula sobre olhos vermelhos semeando discórdia e caos em Isgard? — A profecia, um sussurro constante nas sombras desde sua infância, havia se intensificado com o despertar de sua "maldição". Seus próprios olhos, da cor de brasas vivas, eram a personificação daquela lenda sombria, um fardo visível que o separava inexoravelmente do mundo, aprisionando-o em uma solidão perpétua sob a máscara de um príncipe.

— Mas de uma coisa eu tenho certeza... — seu lábio superior se curvou em um escárnio frio — a dupla dinâmica: Cérebro e Músculos devem estar se regozijando agora, felizes em me ver sempre distante, ocupado com estas tarefas inúteis. — A mera lembrança de Astrid e Magnus agitava um calafrio de repulsa em seu estômago, a bile amarga queimando sua garganta. O misto de desdém gélido e hostilidade silenciosa em seus olhares era uma afronta constante à sua existência. Sua mandíbula travou, os dentes cerrados, como se ele pudesse morder o próprio ar para aliviar a pressão.

Astrid Flanagan, a Rainha Vermelha... o título ecoava frio em seus lábios, apesar da sonoridade vibrante. Uma mulher desprovida de calor genuíno, envolta em um verniz de tolerância forçada que Kael sentia até os ossos. A frieza glacial em seus olhos quando o encarava era um espelho da rejeição que o cercava, a confirmação silenciosa de que, para ela, ele nunca seria mais do que um estorvo, uma lembrança constante do sangue "impuro" que manchava a linhagem real. — Que ironia... vindo do Reino do Fogo, Drakland, ela ser essa megera glacial! O que Fergus viu nessa criatura, afinal? Deve ter feito um pacto com algum demônio e perdido a alma no negócio. Se Astrid montasse em uma vassoura, provavelmente sairia voando para longe... Não que isso fosse uma má ideia! — Na verdade, o casamento deles havia sido forjado como um tratado de paz instável entre o Reino Invernal de Isgard e a austera Drakland. Kael nunca compreendeu completamente o preço daquela coroa, mas sentia visceralmente que, de alguma forma, ele também estava pagando a conta. — Ela é tão fria que deve ter congelado o cérebro de Magnus durante a gestação. Nem parece meu meio-irmão... Ah, o sangue real diluído em pura estupidez... Pelo menos agora ele tem uma desculpa plausível para tanta obtusidade. — Um riso seco e amargo escapou de seus lábios, quase um rosnado. Por trás do sarcasmo cortante, pairava a tristeza lancinante de uma fraternidade inexistente, a ausência de um único laço familiar que o aceitasse sem reservas, aprofundando sua sensação de isolamento no próprio coração da realeza. — Se eu contasse essa piada para ele, aposto que não se ofenderia. Provavelmente acharia que "piada" é algum tipo de iguaria exótica que a mamãe coração de gelo importou. — Ele balançou a cabeça levemente, um brilho fugaz de diversão dançando em seus olhos vermelhos, uma máscara tênue para a dor que o consumia. Magnus Riagan era alto e forte como um carvalho antigo, e com tanta sagacidade quanto um! Entre os dois meio-irmãos, uma muralha intransponível de incompreensão mútua, erguida tijolo por tijolo pela madrasta fria, separava mundos que, apesar do sangue compartilhado, jamais se tocariam verdadeiramente.

O ar úmido e gelado penetrava em sua carne como agulhas de gelo, fazendo-o encolher sob a lã grossa e pesada do sobretudo. O cheiro intenso de terra molhada, folhas em decomposição e a resina pungente dos pinheiros invadiam suas narinas, despertando memórias ancestrais e sensações primitivas que ele reprimia com um aceno de desprezo — um reflexo doloroso de como o mundo o tratava: com desprezo. O vento uivava entre as árvores esqueléticas, sussurrando segredos inaudíveis em uma língua esquecida pelo tempo, um lamento fantasmagórico que ecoava a solidão em seu próprio coração. A cada passo hesitante, a floresta se tornava mais densa e escura, um labirinto verdejante pronto para envolvê-lo em um abraço úmido e sombrio. Mas isso, estranhamente, não o perturbava tanto. A escuridão, de alguma forma perversa, lhe era familiar, quase acolhedora, um refúgio da luz cruel e dos olhares acusadores. O farfalhar das folhas secas sob seus coturnos pesados, o coaxar lúgubre de rãs ocultas na vegetação rasteira e o canto distante e melancólico de um corvo solitário ecoavam na mata silenciosa, intensificando seus sentimentos de isolamento profundo e desorientação existencial. Era uma sensação fria e constante, o mesmo vazio que o assombrava nos salões opulentos de Isgard, mesmo em meio à multidão.

— Ele me manda para onde Judas perdeu as botas e espera que eu volte com informações cruciais... Que piada! — Um riso seco e desprovido de humor escapou de seus lábios. Mas a verdadeira piada, no fundo, era ele mesmo: um filho bastardo, usado como peão em um jogo de poder que ele jamais compreenderia completamente. Enquanto seus olhos vermelhos percorriam distraidamente a floresta, uma árvore solitária, retorcida e resistente, capturou sua atenção. Suas raízes grossas e nodosas agarravam-se teimosamente a um solo pedregoso e hostil, numa silenciosa batalha pela sobrevivência que, de alguma forma sombria, ressoava com suas próprias lutas para sobreviver nas traiçoeiras cortes do Palácio Real em Isgard. Uma luta constante, agarrando-se a qualquer resquício de dignidade e propósito em meio à rejeição e à manipulação. Kael parou, observando a resiliência silenciosa da árvore, um espelho de sua própria teimosia em face da adversidade.

De repente, um ruído sutil quebrou o silêncio da mata. Instintivamente, a mão de Kael deslizou para a bainha de sua adaga, sacando a lâmina afiada com um movimento fluido. Entre as sombras profundas dos arbustos, uma silhueta pequena e veloz se moveu. Era o Cervo Inermis. Outro? Ou seria o mesmo animal que vira no início da trilha? A proximidade era perturbadora. Será que estou andando em círculos? Essa floresta está me pregando peças? Uma pontada de dúvida sobre sua própria orientação surgiu em sua mente.

Guardando a adaga com um resmungo impaciente, Kael continuou sua marcha pela floresta densa. Então, seus olhos se arregalaram com uma certeza fria. Aquela árvore... aquela mesma árvore retorcida com as raízes expostas... Não havia parado para observá-la há pouco tempo? A náusea o atingiu com força. Ele estava perdido. Completamente perdido. A floresta não estava apenas estranha; ela era um labirinto verde e implacável.

A dúvida plantada pelo primeiro cervo Inermis agora florescia em pânico. E se ele estivesse realmente perdido? Assim como aqueles dois idiotas que supostamente deveriam estar com ele? Com uma crescente sensação de apreensão, Kael parou bruscamente e tentou desesperadamente verificar sua direção, buscando inutilmente o sol através do denso dossel impenetrável. — Por acaso minha adorável face de príncipe amaldiçoado agora se assemelha à de um cão farejador? — A densa cortina verde parecia zombar de sua sanidade, cada tronco e folha indistinguíveis. Uma onda de déjà-vu nauseante apertou seu estômago.

_ É, agora é oficial... Tô mais perdido que Zene tentando convencer os guardas do palácio de Isgard que confundiu o aposento do harém real com a latrina!

Concluiu ele um suspiro derrotado escapou de seus lábios.

— Ótimo, era só o que faltava! Mais um troféu de incompetência para o Coroa esfregar na minha cara e me dar outro sermão interminável de responsabilidade... — Ruminou com um tom carregado de sarcasmo. — Como ele realmente se importasse. Eu poderia virar um cogumelo venenoso nessa floresta esquecida, que ele sequer notaria! —

Fergus Riagan, severo e inflexível. Kael nunca sentira o calor de seu afeto, apenas o peso frio de suas obrigações. Como se ele sequer notasse se eu me transformasse em um cogumelo venenoso nesta floresta esquecida. O rapaz fixou o olhar no chão coberto de folhas mortas. Kael cerrou os punhos com tanta força que as unhas perfuraram a pele de suas palmas. Uma dor lancinante percorreu suas mãos, e sangue quente começou a escorrer entre seus dedos.

— AHHHHH! — Um grito primal rasgou o silêncio da floresta, assustando os pássaros invisíveis. Seus dedos se cravaram em seus cabelos, a pressão em sua cabeça latejando como um tambor de guerra. PA! Um tapa estalou no ar, a palma da mão atingindo sua têmpora com força. Uma tentativa desesperada de se ancorar à sua humanidade. Uma força ancestral fervilhava em suas veias, ansiando pela libertação bestial que ele lutava para conter. Seu polegar esquerdo deslizou sobre a superfície fria e lisa do anel de Isnox, a pedra escura pulsando levemente contra sua pele. Um lembrete constante, uma âncora tênue contra a escuridão que ameaçava engolfá-lo. — Calma, Kael! Respire fundo... você jurou que nunca mais deixaria essa porra acontecer de novo! — Sibilou, a voz rouca e carregada de desprezo próprio. A respiração escapava em golfadas irregulares, como um animal encurralado.

— Que droga de missão, Fergus! Você está tentando se livrar de mim? — Em sua mente, a amargura fervilhava como um veneno lento. Seria este um plano elaborado para descartá-lo? Afinal, ele era uma abominação, a palavra chicoteando sua consciência, um estigma incrustado desde que a cor vermelha floresceu em seus olhos.

Erguendo o rosto para o céu crepuscular, buscou inutilmente o sol poente. — Que ironia cruel... Até o sol me abandona neste buraco esquecido! — Murmurou, um sorriso amargo e frio curvando seus lábios. A revolta deu lugar a uma melancolia gélida, um vazio constante que parecia engolir sua própria existência. — Se eu desaparecesse aqui para sempre... alguém sequer notaria minha ausência? — Um aperto doloroso no coração o atingiu, a ausência da mãe, o afeto negado, abrindo uma ferida antiga que nunca cicatrizava completamente. — Será... será que você teria vergonha de mim, pai? Por que todos me odeiam tanto? — A pergunta dolorosa pairou no ar úmido da floresta, sem encontrar resposta.

— Há dois anos, as coisas eram tão diferentes... Mas tudo mudou em um instante! Desde aquele dia fatídico... — Kael observou as feridas em suas mãos cicatrizarem em um ritmo antinatural. — Maldito ritual de passagem! Aquela droga só me trouxe problemas... — A memória o atingiu como uma onda fria. O ritual de passagem, uma tradição em Isgard para marcar a entrada na vida adulta, culminando no vigésimo aniversário. Mas para a família real, havia uma versão sombria e perigosa: a caça ao Lobo Cinzento, o predador alfa das montanhas. Ele se lembrava da trilha íngreme, o ar rarefeito queimando seus pulmões jovens. A mão pesada de Fergus em seu ombro, a pressão fria o impelindo para frente. O rosto severo do pai, mal visível sob a aba de seu elmo de caça de couro. E então... o ataque. O lobo, maior e mais selvagem do que ele jamais imaginara, saltando das sombras. O medo paralisante quando as presas afiadas se aproximavam, a lua cheia banhando o pelo prateado da besta em uma luz espectral. Foi ali que ela tomou conta. Era assim que ele a chamava. Não havia outro nome para a escuridão que residia dentro dele.

— Acho que eles têm taxa em me odiar... Afinal, quem em sã consciência poderia amar um monstro bastardo como eu? — "Faolan, meu caro enteado... Ninguém em sã consciência colocaria um amaldiçoado no trono." As palavras venenosas de Astrid ecoaram em sua mente, a frieza cortante de sua voz o atingindo como um chicote gelado. Ela sempre o chamava pelo sobrenome materno, uma lembrança constante de sua "impureza".

Uma brisa cortante açoitava suas vestes, e lágrimas silenciosas, quentes e amargas, brotaram em seus olhos vermelhos, contrastando com o frio ao seu redor. Foi quando ele sentiu. Súbito, parou. Seus músculos tensos como cordas de um arco prestes a disparar. A floresta inteira pareceu prender a respiração novamente. Lentamente, levou a mão à lateral da coxa, os dedos roçando a familiar textura do couro das adagas. Seus olhos vermelhos varreram a escuridão densa ao redor.

Um ruído sutil. Entre as sombras profundas dos arbustos, uma silhueta pequena e veloz se moveu. Ele saltou, pronto para o combate iminente. — Claro, outro Inermis. — A constatação surgiu em sua mente com uma pitada de ironia amarga. Inermis eram criaturas raras, sussurravam os caçadores nas tavernas, aberrações da natureza avistadas apenas em contos sombrios. Mas naquela floresta amaldiçoada, pareciam proliferar com a desenvoltura de coelhos em primavera. Uma dúvida insidiosa serpenteou por seus pensamentos: seria o mesmo animal do início da trilha, com seus perturbadores caninos de predador? Estaria ele sendo seguido por essa aberração silenciosa? Uma pontada de um reconhecimento sombrio o atingiu. Talvez ele, Kael Faolan, com seu sangue proibido e olhos cor de sangue, atraísse para si as outras aberrações do mundo, como um farol para a estranheza.

— O que foi? Veio se juntar ao coro dos julgadores? — A pergunta, carregada de um ressentimento profundo, ecoou silenciosamente na sua mente enquanto observava o cervo mastigar as folhas com uma indiferença enervante. — Ótimo. Silencioso. Pelo menos não tenta me dar sermões como Astrid. — Soltou um muxoxo derrotado e recuou a mão das adagas.

Kael limpou as lágrimas teimosas com a parte de trás da mão fria, o gesto brusco, quase impaciente consigo mesmo. Passou os dedos longos e pálidos pelos cabelos negros e rebeldes, a frustração ainda latejando em suas têmporas. — Melhor seguir em frente — murmurou, a voz rouca quebrada por um breve soluço. Como se não tivesse tempo a perder com aquela fraqueza momentânea. Engolir uma dúzia de sapos viscosos não lhe parecia uma ideia tão ruim quanto encarar o olhar crítico e gélido de Fergus, e o tratamento condescendente e venenoso de Astrid. Sim, talvez os Inermis fossem até uma companhia mais agradável. Com um último suspiro resignado, Kael ajustou o sobretudo e continuou sua jornada pela floresta sombria, a determinação, por mais tênue que fosse, reacendendo em seus olhos.