Capítulo III: UM GUIA INESPERADO

Kael marchava pela floresta densa, o ranger constante de seus coturnos na terra fria sendo o único som a competir com o uivo distante do vento entre as árvores. A sensação de estar perdido ainda o assombrava, mas a decisão de seguir em frente, por mais incerta que fosse, havia plantado uma pequena semente de esperança ou, talvez, resignação.

De repente, ele ouviu. Um farfalhar suave de folhas secas atrás dele, um ritmo miúdo e constante. Pequenos passos. Curioso, Kael hesitou, a mão instintivamente próxima ao cabo de sua adaga. Ele se virou lentamente.

Foi então que ele percebeu. O Cervo Inermis não havia ido embora. Estava ali, parado a alguns metros de distância, observando-o com seus grandes olhos escuros.

- Você não tem medo de mim? Estranho... Você não deve ser muito inteligente! - Kael resmungou, a voz carregada de um sarcasmo defensivo. O Inermis, sem se abalar com o insulto, continuou a encará-lo, as mandíbulas movendo-se lentamente enquanto ruminava as folhas que mastigava.

Kael retomou sua marcha incerta, e para sua surpresa, o Inermis começou a segui-lo, mantendo uma distância respeitosa, mas persistente.

- É, definitivamente você não é inteligente! - Kael murmurou, franzindo a testa para o animal persistente. - Isso é estranho demais... Até pro meu gosto! ...Eu hein!? - Kael se sacudiu, como se livrando de um calafrio invisível, e seguiu seu caminho. O cervo, teimoso, continuou a segui-lo.

- Qual é a sua? Tá querendo um biscoitinho? Ou se apaixonou pela minha cara bonita? - Kael parou novamente, encarando o animal com uma sobrancelha erguida.

- Olha aqui, seu bicho esquisito... Eu não preciso de companhia, muito menos de um guia com chifres tortos... Some daqui! - Kael fez um gesto brusco com as mãos, tentando espantar o animal. O Inermis parou, observando-o com seus grandes olhos escuros.

- Você é tão teimoso quanto Zene. Aliás, tomara que ele não me veja numa situação ridícula dessas... Ele nunca me deixaria esquecer deste dia! - Kael suspirou, imaginando a zombaria implacável de seu amigo. Onde ficaria minha reputação de príncipe amaldiçoado?

E então, quase sem se dar conta, Kael se viu seguindo a direção sutilmente indicada pelos movimentos do Cervo Inermis pela floresta labiríntica. A cena era, para dizer o mínimo, ridícula. Kael Faolan, príncipe bastardo de Isgard, o homem que mal tolerava a companhia humana, seguindo um cervo com caninos de predador. Uma abominação seguindo outra. E a que estava na liderança... tinha quatro patas. Um riso seco e incrédulo escapou de seus lábios.

A floresta sob seus pés continuava impenetrável, cada árvore e arbusto indistinguíveis sob o manto sombrio do crepúsculo. Kael seguia o Cervo Inermis, uma sensação bizarra de irrealidade permeando seus pensamentos. Ele, o príncipe marginalizado, guiado por uma criatura que desafiava as leis da natureza. O silêncio da mata era interrompido apenas pelo farfalhar das folhas sob os cascos do cervo e pelos seus próprios passos pesados. Uma comunicação não verbal havia se estabelecido entre eles. O Inermis parecia ter um destino em mente, movendo-se como um guia. Kael, sem outra opção aparente e com uma crescente curiosidade sobre o comportamento da criatura, apenas o seguia.

Foi assim que eles chegaram ao limite... onde o vento cessava, exatamente como o lenhador e aquele maldito militar haviam mencionado. O Inermis parou bruscamente, hesitando à beira da clareira.

Kael observou o animal, uma ponta de surpresa em seu olhar vermelho. - É aqui, então? O fim da sua trilha? - Ele soltou um meio sorriso sarcástico. - Bem, foi... interessante, sua liderança peculiar. Quem diria que uma aberração dessas teria mais senso de direção do que eu hoje? - Ele deu um pequeno aceno de cabeça, quase imperceptível. - Cuide-se, seu bicho esquisito. E tente não assustar mais ninguém por aí com esses seus dentinhos.

Com um último olhar para o cervo parado na entrada da clareira, Kael se virou e adentrou o espaço onde o vento parecia cessar.

Seus olhos, da cor de um crepúsculo sangrento, varreram a escuridão que engolia a clareira onde ele se encontrava.