CAPÍTULO XI: A RUIVA MALUCA

Em meio à fuga frenética, Ginger desviou por um triz de um morador distraído que atravessava a rua, assobiando uma melodia qualquer com uma despreocupação irritante. O homem, seus olhos arregalados em choque pelo repentino estrondo da carruagem desgovernada e a aproximação vertiginosa, instintivamente se jogou para o lado no último segundo, escapando por um triz de ter seus ossos esmagados sob as rodas de madeira. A Ruiva sequer se dignou a olhar para trás, seus olhos verdes, esmeraldas selvagens e fixas na rua caótica à frente, concentrada na adrenalina pulsante de sua fuga desesperada. Mas a imprudência parecia ser sua companheira inseparável. Ao guinar bruscamente em uma esquina estreita, a carruagem sacudiu violentamente, atingindo em cheio uma gaiola de madeira pendurada precariamente em uma varanda florida. O impacto estilhaçou a frágil estrutura, libertando uma dúzia de galinhas cacarejantes que irromperam em um pandemônio de penas e grasnidos estridentes, correndo em disparada e batendo asas em pânico, semeando ainda mais caos no mercado já fervilhante de sons e cores.

Dois perseguidores implacáveis se aproximavam como cães de caça determinados: um homem de compleição magra e ágil, seus músculos tensos sob a camisa suja, e outro mais corpulento, o rosto congestionado por uma raiva vermelha e fervente. Ambos se agarraram à carruagem em movimento com a tenacidade de parasitas. O mais pesado se prendeu à traseira, seus dedos crispados na madeira áspera como garras, enquanto o mais leve corria ao lado de Ginger, seus pés ágeis encontrando impulso no chão irregular, tentando desesperadamente escalar a carroça como um felino faminto. Ginger, com uma frieza surpreendente que contrastava com o fogo selvagem em seus olhos, não hesitou por um instante sequer. Com um movimento rápido e preciso, a bota de couro surrado desferiu um chute feroz no rosto do homem esguio, atingindo-o com a força total de sua frustração e da urgência da fuga. O perseguidor, pego de surpresa pela violência inesperada e gritando com uma dor lancinante que ecoou pela rua, foi arremessado para trás como uma boneca de trapo, caindo e rolando pelo chão empoeirado em um emaranhado de membros.

- Toma essa, otário! - A Ruiva gritou com um sorriso travesso e triunfante que iluminou seu rosto sardento, vibrando com a adrenalina e a satisfação momentânea da vingança rápida. Seus olhos verdes brilhavam com uma intensidade selvagem, faíscas de excitação dançando em suas pupilas.

O perseguidor corpulento finalmente conseguiu impulsionar seu peso para dentro da carruagem, aterrissando com um baque surdo que fez a madeira gemer. Inicialmente, sua respiração ofegante e a raiva turvando sua visão o impediram de notar Kael, que jazia parcialmente encoberto por um lençol sujo, como um espectro esquecido. Kael, embora ainda estivesse envolto nas brumas da inconsciência, sua mente um turbilhão de ecos distantes do impacto, sentiu o peso estranho na carroça e um instinto primal, adormecido mas jamais extinto, o despertou com a urgência de um predador ameaçado. Com um movimento surpreendentemente rápido e fluido para seu estado debilitado, ele agarrou o braço do homem com uma força avassaladora que fez os ossos do perseguidor estalarem sob sua pressão. O homem corpulento arregalou os olhos em terror puro e visceral ao se deparar com os olhos negros e furiosos de Kael, que o encaravam com uma intensidade selvagem e predatória. Sem qualquer esforço aparente, como se desafiasse as leis da física, Kael levantou o homem robusto no ar com um único braço, o corpo do perseguidor balançando impotente como um galho seco. Um grito de puro pavor, um som gutural e animalesco, escapou da garganta do perseguidor antes que Kael o arremessasse para fora da carruagem com um golpe brutal e silencioso. O corpo do homem saiu rolando pela estrada poeirenta, levantando um halo de poeira e pedras em seu rastro, o terror estampado em cada centímetro de seu rosto enquanto desaparecia de vista, engolido pela distância.

- Uau, parece que eu fiz a coisa certa em te salvar, afinal das contas, grandão! - disse Ginger, sua voz carregada de uma surpresa genuína e um sorriso de canto divertido que brincava em seus lábios sardentos, referindo-se à sua decisão inicial de ajudá-lo, sem ter plena consciência da força bruta que Kael possuía mesmo naquele estado vulnerável.

Ela puxou as rédeas com força, a determinação cintilando em seus olhos verdes, virando bruscamente para um beco estreito e escuro que engolia a luz do sol, desaparecendo da vista dos perseguidores que, obcecados pela fúria e sem notar a manobra repentina, passaram direto pela entrada estreita, perdendo a carruagem como uma agulha em um palheiro.

- Hah! Idiotas! - A Ruiva exclamou com um sorriso presunçoso que curvou seus lábios finos, sentindo uma onda de vitória e alívio percorrer seu corpo tenso como uma descarga elétrica. A carruagem, agora a salvo na escuridão úmida e silenciosa do beco, esperava pacientemente pelo próximo movimento da imprevisível Ginger Veridian. A adrenalina da fuga começou a ceder, e um cansaço repentino abateu Ginger. Ela sabia que precisava encontrar um lugar seguro para o grandalhão inconsciente. Com um suspiro de alívio hesitante que ainda carregava a tensão da perseguição, Ginger estacionou a carruagem em frente a uma construção de madeira desgastada, com uma placa torta e desbotada indicando "Dr. Aristiades" com letras rabiscadas e quase apagadas pelo tempo. Ajeitou Kael, ainda entregue ao sono pesado da inconsciência, sobre o assento da carruagem, e saiu com passos rápidos e decididos, a adrenalina da fuga começando a ceder, substituída por uma urgência pragmática.

Ginger agarrou Kael, cujo corpo inerte pendia em seus braços finos como um fardo pesado, e o arrastou pela rua de terra batida, seus pés calçados em mocassins marrons firmes ignorando os olhares curiosos e fofoqueiros dos transeuntes que cochichavam em seus cantos. Chegando à porta da enfermaria, ela a arrombou com um chute surpreendentemente forte e direto que ecoou pelo pequeno vilarejo como um trovão abafado, assustando uma revoada de pombos que grasnavam preguiçosamente em um telhado vizinho. Sua boina preta permaneceu firmemente plantada sobre seus cabelos ruivos, vibrantes, ondulados e selvagens, enquanto o grande casaco verde de lã-batida balançava com seus movimentos bruscos. A bolsa de couro marrom desgastada cruzava seu corpo, esbarrando em sua bermuda preta enquanto ela se movia. O laço preto de sua camisa branca estava ligeiramente desalinhado, e o suéter marrom parecia um pouco grande demais para sua figura delicada.

- Doutor! Preciso de ajuda! - Gritou, a voz embargada pela adrenalina e pela exaustão que lhe roubava o fôlego, invadindo o consultório aos tropeços, com Kael desacordado e pesado sobre seus ombros finos, seus músculos protestando sob o esforço.

Dr. Aristiades, um homem meio corcunda de meia-idade com longos bigodes grisalhos que emolduravam um rosto marcado pela experiência e óculos de aro de metal que escorregavam pela ponta de seu nariz adunco, ergueu o olhar cansado e resignado em direção aos dois intrusos.

- Senhorita Veridian... O que aprontou desta vez? - Perguntou, franzindo o cenho sob a testa sulcada de preocupação ao ver Kael, com o rosto pálido como cera e ferimentos visíveis que denunciavam um trauma recente.

- Eu o atropelei - Respondeu a ruiva, com um tom de voz casual e desinteressado, como se estivesse comentando sobre a mudança repentina no clima.

O doutor arregalou os olhos por trás das lentes empoeiradas, surpreso com a frieza da confissão.

- Não me olhe assim! Ele que apareceu do nada! - Resmungou a ruiva, enquanto lutava para depositar o corpo inerte de Kael na cama estreita, soltando-o como um saco de batatas com um baque surdo.

Dois dias depois, a dor lancinante na cabeça de Kael era o primeiro sinal de seu retorno ao mundo dos vivos, seguida por um corpo dolorido que parecia ter sido moído e remontado de forma inadequada. Ele abriu os olhos lentamente, piscando para se ajustar à luz fraca que invadia o quarto através de uma janela empoeirada. Ao virar a cabeça com cautela, deparou-se com dois olhos verdes enormes e brilhantes, curiosos e travessos, fitando-o de perto com uma intensidade penetrante. A pele clara e sardenta de Ginger era quase translúcida na penumbra, e seu nariz pequeno e arrebitado parecia ainda menor em contraste com seus grandes olhos.

- Finalmente acordou, bela adormecida - A ruiva sorriu, mostrando os dentes brancos e perfeitos com um pequeno espaço charmoso entre os dois da frente, sua marca registrada.

Ao ouvir aquelas palavras, uma estranha e fugaz sensação percorreu o corpo de Kael. Era como se uma memória distante e nebulosa tentasse romper a barreira da amnésia. Um breve calafrio, um eco familiar em um vazio desconhecido. Bela adormecida... O som daquelas palavras lhe era estranhamente conhecido, embora a imagem de quem as proferira permanecesse oculta nas sombras de sua mente perdida. A sensação se dissipou tão rapidamente quanto surgiu, deixando-o apenas com uma vaga e inquietante impressão.

Kael piscou novamente, a confusão turvando sua visão, tentando desesperadamente entender onde estava e quem era aquela garota de aparência delicada como uma boneca, com meias altas pretas realçando suas pernas finas sob a bermuda. Antes que pudesse articular uma pergunta, ela continuou com uma torrente de palavras:

- Eu sou Ginger Veridian. Mas pode me chamar de Gingy. E você? Qual é o seu nome, grandalhão misterioso?

Kael abriu a boca, mas nenhuma palavra coerente saiu. Sua mente era um vazio gelado, como se uma névoa densa e impenetrável o impedisse de acessar suas próprias lembranças, sua identidade esvaecida como fumaça ao vento.

- Eu... não me lembro... - Murmurou, sentindo o pânico crescer como um nó frio e apertado em seu peito.

Dr. Aristiades, que observava a cena com uma expressão preocupada e atenta, suspirou e se aproximou de Kael, examinando seus olhos e tateando sua cabeça com cuidado. Após alguns minutos de silêncio tenso, ele balançou a cabeça negativamente, com uma expressão séria e ponderada.

- Parece que está com amnésia. A forte pancada na cabeça pode ter causado isso. Pode ser temporária... ou não - Diagnosticou, com um tom de voz cauteloso que não oferecia muito conforto.

Ginger arregalou os olhos verdes, a incredulidade estampada em seu rosto sardento.

- Ou não? - Repetiu, com a voz embargada por uma indignação crescente. Droga, isso só piora as coisas, pensou por um instante.

- Você não se lembra de nada? Nadinha mesmo? Nem seu nome? - Insistiu Ginger, sua aflição genuína transparecendo em seus olhos verdes arregalados.

- Me desculpe, só lembro de você... me ajudando a vir até aqui. Aliás, muito obrigada, Gingy! Fico te devendo essa - Respondeu Kael, sentindo-se um fardo para aquela estranha ruiva de olhos penetrantes.

- É isso aí. Espero que me recompense por salvar sua vida, mesmo que você tenha aparecido do nada na frente da minha carruagem - Respondeu Gingy, um brilho travesso em seus olhos verdes, pensando que merecia uma boa recompensa por toda aquela confusão, apesar de ser a responsável indireta pelo seu estado.

- Acalme-se, senhorita Veridian. Não discutam, o rapaz precisa descansar para se recuperar. Você deve ficar de olho nele - Informou Dr. Aristiades, sua voz rouca carregada de um aviso implícito. Ele se virou e pegou uma tigela fumegante sobre uma mesa lateral, oferecendo-a a Kael.

- Aqui, rapaz. Tome um pouco desta sopa. Vai te fazer bem.

Kael olhou para a sopa com gratidão.

- E você, Ginger? Já comeu algo? - Perguntou o Dr. Aristiades, com um olhar rápido para a ruiva.

- Não, obrigada, doutor. Estou bem - respondeu Ginger prontamente, embora um ronco alto e inoportuno de seu estômago contradissesse suas palavras com eloquência.

O médico ergueu uma sobrancelha ligeiramente, mas não comentou, apenas deixou a tigela de sopa na mesa ao lado da cama de Kael.

Ginger cruzou os braços finos sobre o peito, bufando audivelmente e revirando os olhos com exasperação, a boina preta ligeiramente inclinada por seu movimento. Em seguida, jogou-se de volta na poltrona velha e rangente com um suspiro dramático de frustração.

- Ótimo. Agora virei babá de um grandalhão sem memória. Meu dia só melhora! - Exclamou, o sarcasmo escorrendo de cada palavra.

Kael apenas suspirou, sentindo-se perdido e confuso em um mundo que lhe era repentinamente estranho. Ele não fazia ideia de que sua jornada estava apenas começando, e que a amnésia era apenas o primeiro de muitos desafios obscuros que ele teria que enfrentar, com a imprevisível Ruiva Maluca e seu peculiar senso de estilo como sua improvável guardiã.