Capítulo 2: Entre Vinhedos e Silêncios
O céu ainda era nublado em Lorien, como se o sol hesitasse em aparecer desde a chegada de Adrian.
Naquela manhã, ele voltou ao lago.
Elise já estava lá, sentada na mesma posição de antes, como se aquele pedaço de mundo fosse só dela. Os pés tocando a água fria, o caderno no colo, os cabelos soltos dessa vez, dançando com o vento.
— Achei que você não voltaria. — disse ela, sem desviar o olhar do caderno.
— Achei que você não notaria. — ele respondeu, sentando-se ao lado dela.
— Eu noto mais do que parece, Beaumont.
Silêncio.
Um silêncio bom, daqueles que não precisam ser preenchidos.
— Por que escreve tanto? — ele perguntou, observando os rabiscos no papel.
Ela olhou pra ele de canto.
— Porque algumas coisas doem menos quando viram palavras.
Adrian não soube o que responder. Só ficou ali, olhando para o reflexo das nuvens na água e para a forma como Elise parecia pertencer à paisagem, como se fosse parte do próprio lago.
— E você? — ela perguntou. — O que faz quando quer fugir?
— Eu não fujo. Só... me escondo.
— Paris não tem muitos lugares pra se esconder, imagino.
— Paris tem milhões. Mas nenhum como esse.
Elise sorriu. Não aquele sorriso irônico de antes, mas um pequeno gesto de cumplicidade, como se algo nele tivesse feito sentido.
— Meu pai amava esse lugar. — ela disse. — Ele dizia que Lorien podia curar qualquer dor... mas também podia criar novas.
— E ele ainda está aqui?
— Não. Foi embora. Como todo mundo que promete ficar.
Adrian encarou Elise, e pela primeira vez, sentiu um tipo de dor que não era só dele. Uma dor compartilhada, silenciosa, invisível — mas real.
Eles ficaram em silêncio de novo. Só o vento entre as folhas, o som leve da água e dois corações tentando entender um ao outro.
Antes de irem embora, Elise parou, olhou pra ele e disse:
— Se quiser continuar voltando... não precisa pedir permissão. Mas também não espere que eu seja fácil de entender.
— Eu não esperava que fosse. — ele respondeu, firme.
Ela riu, dessa vez mais leve, e caminhou de volta pela trilha.
Naquela noite, Adrian sonhou com uma carta.
Uma caligrafia familiar, uma assinatura que ele não conhecia. A fita vermelha se desfazendo sozinha entre seus dedos.
Acordou com o coração acelerado. Levantou e foi até a escrivaninha. A caixa ainda estava lá. Mas... faltava uma carta.
Alguém tinha mexido nela.
No café da manhã, o avô fingia ler o jornal, mas seus olhos estavam alertas.
— Dormiu bem? — perguntou, sem tirar os olhos da página.
— Não muito.
— Talvez esteja se acostumando ao clima de Lorien.
Adrian não respondeu. Sabia que o velho Edmond sabia mais do que deixava escapar.
Mais tarde, na praça da cidade, ele viu Elise de longe.
Ela conversava com uma senhora mais velha, que ria alto. Estava diferente naquele momento: leve, quase despreocupada.
Adrian se aproximou devagar, sem fazer barulho. Elise percebeu, claro.
— Espiando agora? — ela brincou, virando-se pra ele.
— Observando. É diferente.
— Hm. Stalker poético. Belo upgrade.
Ele riu, sem jeito.
— Você parece outra pessoa quando está com os outros.
— E você parece perdido o tempo todo. Empatamos.
— Não nego. — Adrian respondeu. — Mas... me sinto menos perdido perto de você.
Ela ficou em silêncio. Por um segundo, o olhar dela vacilou.
Mas então respondeu:
— Isso é perigoso, Beaumont.
— Por quê?
Ela deu um passo mais perto.
— Porque quando você se encontra em alguém, é fácil se perder de si mesmo.
Eles ficaram se olhando por tempo demais. Até alguém chamar Elise de longe.
— Amanhã, no lago. — ela disse, antes de virar as costas.
Adrian assentiu. Nem precisou dizer sim.
À noite, ele ficou olhando a janela do quarto, o vento balançando as cortinas, a caixa com as cartas ainda ali, como um segredo que sussurrava seu nome.
Lorien guardava histórias.
Mas Elise... Elise era um enigma inteiro.
E Adrian estava pronto pra se perder tentando decifrá-la.
Naquela noite, enquanto o relógio antigo da casa marcava meia-noite com um tilintar grave, Adrian desceu as escadas em silêncio.
Passou pela sala escura, atravessou a varanda e seguiu em direção ao vinhedo. As folhas farfalhavam com o vento noturno, e a lua desenhava sombras compridas no chão.
Lorien estava viva — pulsando mistérios e memórias.
Ele parou perto do portão de madeira que dava para a trilha do lago. Ficou ali por alguns minutos, sem entrar, apenas sentindo o ar gelado, como se esperasse ver Elise surgir do escuro.
Mas não surgiu ninguém.
Só o som do vento e o pressentimento de que tudo estava prestes a mudar.
Com um último olhar para o caminho adormecido, Adrian sussurrou para si mesmo:
— Eu vou descobrir quem você é, Elise. Mesmo que isso me destrua.
E então voltou para casa, sem saber que o próximo amanhecer traria mais do que respostas.
Trazeria escolhas.
E corações divididos.