Mais Real Que Um Sonho

Capítulo 3: Mais Real Que Um Sonho

O dia amanheceu mais claro em Lorien. Pela primeira vez desde que Adrian chegara, o sol se atreveu a atravessar as nuvens e banhar os vinhedos com um dourado tímido, mas acolhedor. A brisa era leve, e o perfume das flores silvestres espalhava-se pela trilha até o lago.

Adrian caminhava com as mãos nos bolsos, sentindo um leve frio no estômago. Não sabia exatamente por que — talvez fosse pela expectativa de vê-la de novo. Talvez fosse porque, naquele lugar esquecido pelo tempo, Elise se tornava cada vez mais presente em seus pensamentos.

Ao chegar, ela já estava lá.

Sentada à beira do lago, agora com um vestido claro e uma manta nos ombros, ela olhava o reflexo da água como se conversasse com ele em silêncio.

— Achei que você não viesse — disse ela, sorrindo sem desviar o olhar.

— Eu também. Mas algo me puxou — ele respondeu, sentando-se ao lado dela.

— Alguma coisa, ou alguém?

— Alguém, definitivamente.

Ela riu, daquela forma contida e bonita que fazia os olhos dela brilharem.

— Trouxe algo hoje? — ele perguntou, apontando para o caderno no colo dela.

— Não escrevi. Só desenhei — disse, virando o caderno para mostrar. Era um rascunho dele, olhando para o lago. Sem muitos detalhes, mas era inconfundivelmente ele.

Adrian ficou em silêncio, surpreso.

— Eu... pareço assim, nos seus olhos?

— Um pouco menos confuso — ela respondeu, provocando.

— E nos seus?

— Nos meus olhos você é um mistério tentando se fingir de resposta. — ela disse, com delicadeza.

O vento soprou de leve, fazendo com que os cabelos dela dançassem mais uma vez. Ele sentiu vontade de estender a mão e afastar uma mecha do rosto dela, mas não o fez. Ainda não.

— Posso te mostrar um lugar? — perguntou ela, depois de um tempo.

— Claro. Desde que você não me perca no caminho.

Ela se levantou, ele a seguiu. Caminharam por uma trilha estreita entre as árvores, em silêncio confortável. Depois de alguns minutos, chegaram a um campo aberto, cercado de girassóis, escondido atrás de uma velha cerca de madeira.

— Uau... — Adrian disse, olhando ao redor. — Parece que o tempo parou aqui.

— É onde venho quando quero lembrar quem eu sou, mesmo quando tudo parece bagunçado.

— Então agora faz sentido por que você quis me trazer.

Ela o olhou de lado, fingindo ofensa.

— Achei que você entenderia, Beaumont. Você também anda meio bagunçado ultimamente.

— Talvez porque estar perto de você me deixe assim.

Elise desviou o olhar, corando. Era raro vê-la sem resposta.

Ele se aproximou um passo.

— Posso te contar um segredo? — ele perguntou, num tom mais baixo.

— Depende. Vai me fazer sorrir ou chorar?

— Vai te fazer sentir.

Ela assentiu devagar. Ele se aproximou mais.

— Desde que cheguei aqui, tenho tentado entender por que Lorien parece tão diferente. Mas acho que a resposta é simples: é porque você está aqui.

Os olhos dela brilharam, e por um segundo, Elise deixou a guarda abaixar.

— E você... me faz esquecer que o mundo já foi cruel.

O silêncio entre eles era quase um laço. Um campo cheio de girassóis, duas almas tocando a superfície uma da outra com cuidado e vontade.

Adrian estendeu a mão. Dessa vez, ela aceitou. Entrelaçaram os dedos com naturalidade. Caminharam mais um pouco entre as flores, sem dizer nada.

No final da tarde, sentaram-se de novo à beira do lago. O céu estava tingido de rosa e dourado.

— Se esse dia fosse uma carta, — disse Elise — eu não queria colocá-lo no envelope. Queria deixá-lo aberto pra sempre.

Adrian sorriu, com o coração quente.

— Talvez a gente não precise de envelope. Só de memória.

Ela encostou a cabeça no ombro dele.

— Então promete que vai lembrar?

— Prometo. Prometo que vou lembrar de cada detalhe.

E ali, sob o pôr do sol mais bonito que Lorien já vira em semanas, Elise e Adrian encontraram algo que não precisavam entender.

Só sentir.

E dessa vez, isso bastava.

A noite havia chegado, mas nenhum dos dois tinha pressa. Elise ainda estava com a cabeça apoiada no ombro de Adrian, e ele parecia incapaz de se mover. O lago refletia as cores do céu noturno, e o campo de girassóis atrás deles já dormia em sombras suaves.

— Acho que é hora de ir — disse Elise, mas sua voz saiu quase como um sussurro, como se ela mesma não quisesse quebrar aquele momento.

— A gente pode ficar só mais um pouquinho? — Adrian respondeu, apertando levemente os dedos entrelaçados aos dela.

Ela sorriu, olhando para o céu. Uma estrela cadente riscou o horizonte como um segredo atravessando o tempo.

— Fez um pedido? — ele perguntou.

— Não. — ela respondeu, sincera. — Quando se está feliz, não se pede... só agradece.

Adrian ficou em silêncio, sentindo o peso suave daquelas palavras. E, por dentro, agradeceu também.

Na manhã seguinte, a cidade parecia mais viva. Os pássaros cantavam com entusiasmo, as ruas tinham mais risos do que de costume. Adrian caminhava em direção à antiga livraria da praça. Elise dissera que estaria lá.

Ao empurrar a porta de madeira, o som do sininho soou suave, quase como uma nota de piano. Ela estava de costas, empilhando livros, o cabelo preso de forma bagunçada e charmosa.

— Vai me acusar de perseguição se eu disser que gosto de te ver assim, entre livros e poeira? — ele disse, sorrindo.

— Só se não trouxer um café junto — ela respondeu sem virar, mas já sorria também.

Ele colocou dois copos em cima do balcão. Ela virou, e os olhos dela se encontraram com os dele por tempo demais.

— Trouxe reforço — ele disse.

— Então está perdoado.

Sentaram-se num canto da livraria, entre estantes antigas e almofadas gastas. Era como se aquele espaço tivesse sido feito para encontros que não precisam de pressa.

— Já pensou que talvez... talvez a gente tivesse que se conhecer aqui? — Adrian perguntou, olhando ao redor.

— Tipo... destino?

— Tipo teimosia do universo.

Elise riu, pegando um dos livros ao lado.

— O universo tem bom gosto, então.

— Concordo.

Ela o olhou, sem pressa, como quem observa um quadro e tenta entender cada traço. Adrian sentiu o coração apertar de novo, daquela forma boa e estranha que só ela conseguia provocar.

— Sabe, Adrian... — ela começou, mordendo levemente o lábio inferior — você me deixa com vontade de me permitir.

— Se permitir o quê?

— Ser feliz.

Ele segurou a mão dela sobre o livro aberto.

— Então deixa.

Os dias passaram com leveza. Elise e Adrian encontraram pequenos pedaços de eternidade em tardes no campo, manhãs na livraria e noites à beira do lago. Às vezes não precisavam dizer nada — um olhar bastava. Outras vezes, falavam sobre tudo, desde sonhos bobos até medos que moravam no fundo do peito.

Ela o desenhava em cadernos velhos, ele lia poemas que nunca teve coragem de mostrar a ninguém. Riam. Discutiam qual sabor de sorvete era o mais injustiçado do mundo. Criaram um esconderijo secreto embaixo da ponte velha, onde guardavam cartas que escreviam um para o outro, como se cada bilhete fosse um pedaço da história deles.

E mesmo com a sombra de segredos pairando sobre ambos — as cartas antigas de um avô misterioso, o passado da mãe dela — havia algo ali que era só deles. E que crescia.

Certa tarde, enquanto colhiam flores perto da trilha, Elise parou de repente.

— Adrian... e se tudo isso for só um sonho bonito?

— Então eu nunca quero acordar.

Ela sorriu, mas havia uma sombra atrás daquele sorriso.

— Promete que, aconteça o que acontecer, você vai lembrar do que a gente tem aqui?

Ele se aproximou, segurou o rosto dela entre as mãos e disse com a voz mais firme que já usara:

— Eu não vou esquecer. Porque isso aqui... é real demais pra ser só um sonho.

E, naquele momento, ele a beijou.

Foi um beijo lento, terno, do tipo que não precisa de pressa nem de garantias. Era um beijo que dizia tudo que eles ainda não tinham coragem de falar em voz alta.

Quando se separaram, Elise tinha os olhos fechados. E lágrimas.

— Eu não sabia que podia sentir tudo isso de novo — ela sussurrou.

— E eu não sabia que podia encontrar você.

Naquela noite, enquanto voltava pra casa, Adrian encontrou um envelope embaixo da porta. A caligrafia era familiar. Seu coração apertou.

Era mais uma daquelas cartas que pareciam vir do seu avô — mas ele já sabia: eram escritas por alguém mais.

Dentro, só uma frase:

"A verdade se aproxima, Adrian. E ela vai bater primeiro no seu coração."

Ele engoliu em seco.

Sabia que Elise tinha algo a ver com tudo aquilo. Mas, pela primeira vez, isso não o assustava.

Porque agora ele não estava mais apenas curioso.

Ele estava apaixonado.

E isso mudava tudo.