O Nome Que Ela Sussurrou

Capítulo 4 — O nome que ela sussurrou

O vento balançava as folhas das videiras, e o céu, ainda nublado, parecia refletir o humor instável de Adrian. Fazia dois dias que ele não via Elise. Depois do encontro à beira do lago, algo dentro dele havia mudado — como se ela tivesse tocado uma parte sua que ele nem lembrava mais que existia.

Ele caminhava pela trilha de terra batida, chutando pequenas pedrinhas com a ponta da bota. Não queria admitir, mas sentia falta dela. Do jeito que ela sorria antes de dizer algo impulsivo, da maneira como observava o mundo como se fosse sempre a primeira vez.

E então, como se o destino estivesse de brincadeira, ele a viu.

Elise, sentada na varanda da casa amarela, com um livro no colo e os pés descalços sobre a mureta de pedra. Só que ela não estava sozinha.

Um cara — alto, cabelo castanho escuro cortado baixo nas laterais e bagunçado no topo, camiseta cinza manchada de tinta, tênis velho — estava ao lado dela, rindo de alguma piada que Adrian não ouviu. Ele se inclinou e disse algo perto demais do ouvido dela, e ela riu daquele jeito que Adrian pensava ser só deles dois.

Seu estômago revirou.

— Ah, então você voltou mesmo — disse Elise, ao notar Adrian parado na cerca. Ela fechou o livro no colo. O sorriso no rosto dela vacilou por um segundo, mas logo voltou. — Esse é o Noah. Ele tá pintando um mural aqui na cidade.

— Adrian — disse ele, sem estender a mão. A voz saiu mais seca do que pretendia.

— Prazer, cara — Noah respondeu com naturalidade, passando a mão pelo cabelo curto. — Elise fala bastante de você.

Adrian encarou Elise por um segundo a mais do que deveria. Ela desviou o olhar.

— Legal — foi tudo o que ele conseguiu dizer antes de dar meia-volta, sentindo algo apertar no peito.

Mais tarde naquela noite, Elise estava deitada na cama, com a janela aberta e a brisa da noite bagunçando seus cabelos. Pensava no jeito que Adrian a olhou. Como se ela tivesse feito algo errado. Mas ela não fez... fez?

Noah era só um velho amigo de verão. Um que voltou diferente. Mais bonito do que ela lembrava. Mais confiante. Mas ele não era Adrian.

E quando seus olhos começaram a pesar, uma lembrança voltou como um sussurro:

— Adrian...

Foi o nome dele que ela sussurrou antes de adormecer.

Na manhã seguinte, Adrian apareceu na pequena praça central de Lorien, onde estavam pintando o novo mural. Era cedo, mas Noah já estava lá, pincelando cores vivas num fundo azul. Elise observava ao lado, com um copo de café nas mãos e o cabelo preso num coque desajeitado.

Ela sorriu ao ver Adrian, mas o sorriso morreu quando notou o olhar dele. Havia algo contido ali. Não era raiva, nem ciúmes óbvios. Era pior: indiferença ensaiada.

— Bom dia — ela disse, tentando parecer casual.

— Bom dia — ele respondeu, encarando o mural. — Então é isso que andam fazendo?

— Noah teve a ideia de pintar cenas da colheita. Diz que Lorien precisa de cor — ela explicou, dando um gole no café. — Você acha brega?

Adrian deu de ombros. — Não é minha cidade.

Noah desceu do andaime e limpou as mãos no pano preso à cintura.

— Ei, Adrian. Quer ajudar? Pode pintar um canto aí, nem que seja só um galho.

— Prefiro observar — ele respondeu, cruzando os braços.

Elise percebeu. O jeito como os dois se olhavam não era só educação desconfortável. Era uma batalha silenciosa, e ela era o campo minado.

Naquela tarde, Elise foi até o lago sozinha. Precisava respirar. Precisava entender o que estava acontecendo dentro dela.

Adrian tinha um jeito de deixá-la vulnerável, como se ela pudesse contar seus medos mais profundos e ele não fosse rir. Mas Noah... Noah trazia leveza. Era como sol depois de uma tempestade.

Ela jogou uma pedrinha na água e viu as ondulações se espalharem.

No fundo, sabia que teria que escolher. Mas como se escolhe entre o que faz o coração disparar... e o que faz a alma descansar?

Adrian a encontrou ali pouco depois. Ele não disse nada de imediato. Apenas se sentou ao lado dela, observando o reflexo das árvores na água.

— Você gosta dele? — ele perguntou, sem encará-la.

Elise mordeu o lábio. — Eu gosto... de você.

Adrian finalmente olhou nos olhos dela. Havia algo entre eles. Sempre houve. Mas agora, com Noah, era como se o destino estivesse testando os dois.

— Então por que parece que ele tem mais espaço na sua vida do que eu? — ele murmurou.

Elise não soube o que responder.

No fundo, ela também queria entender.

O silêncio se estendeu entre eles, denso como as nuvens que se formavam no céu. Elise abraçou os joelhos, tentando encontrar palavras que fizessem sentido até pra ela mesma.

— Eu não sei o que tá acontecendo — ela confessou. — Quando você chegou, bagunçou tudo. E agora o Noah aparece… com aquele jeito fácil, leve. Eu me sinto segura perto dele. Mas com você...

Ela parou, olhando para a água, depois para Adrian.

— Com você eu sinto tudo ao mesmo tempo. Medo, raiva, saudade… vontade.

Adrian passou a mão pelos cabelos curtos, frustrado. Ele queria abraçá-la, dizer que tudo ia ficar bem, mas ao mesmo tempo sentia a necessidade de se proteger.

— Você não precisa escolher agora — ele disse, mais calmo do que se sentia. — Mas só me diz uma coisa.

Ela ergueu o rosto.

— Quando você pensa em mim… ainda sente?

Elise demorou a responder. E quando o fez, foi quase num sussurro:

— Eu nunca parei de sentir.

Adrian sorriu de leve, um daqueles sorrisos pequenos, que quase passam despercebidos,mas que dizem tudo.

— Então me deixa provar que isso vale a pena — ele pediu.

Ela hesitou, mas assentiu.

Naquela noite, Elise voltou pra casa com o coração em guerra. Noah mandou uma mensagem: "Amanhã vou terminar o mural, queria que você estivesse lá."

Ela olhou para a tela, depois para o vazio do quarto, sentindo-se dividida entre dois caminhos que pareciam opostos demais.

Mas antes de dormir, como da última vez, uma lembrança voltou.

Só que dessa vez, ela não disse em voz alta. Apenas pensou.

"Adrian."

E dormiu sorrindo.

Por que,no fim,era sempre o nome dele que ela sussurrava.