Capítulo 5 — O mural e a promessa
O sol ainda nem tinha tocado o topo das montanhas quando Adrian já estava de pé, encarando o próprio reflexo no espelho rachado do quarto. Seus olhos carregavam o peso de uma noite mal dormida, mas havia algo diferente naquela manhã. Uma decisão silenciosa que começava a tomar forma dentro dele.
Se Elise precisava de tempo, ele daria. Mas não iria embora.
Desceu as escadas da casa onde estava hospedado, atravessou a rua de paralelepípedos ainda molhada pelo orvalho, e seguiu até a praça. O cheiro de tinta fresca misturava-se com o aroma de pão recém-saído do forno da padaria ao lado.
O mural já estava quase pronto. Cenas da colheita tomavam forma: mãos segurando cachos de uvas, cestos cheios, crianças correndo entre vinhedos. E no centro, havia um casal dançando, cercado por luzes penduradas como se fosse uma festa. Elise observava tudo de longe, sentada no banco sob a figueira, com um caderno aberto no colo.
Ela sorriu ao vê-lo se aproximar. Um sorriso tímido, hesitante. Mas era um começo.
— Pensei que fosse fugir de novo — ela disse.
— Pensei. Mas percebi que fugir de você seria fugir de mim também.
Ela mordeu o canto do lábio, tentando esconder o quanto aquelas palavras mexeram com ela.
— Noah vai terminar o mural hoje.
— Eu sei. Vim ajudar.
Ela o olhou surpresa.
— Sério?
Adrian assentiu. — Você disse que Lorien precisava de cor. Então talvez eu possa pintar um galho, como ele sugeriu.
Com pincel na mão e tinta nos dedos, Adrian se juntou a Noah. Os dois não falaram muito no começo, apenas trocavam olhares e instruções secas. Mas, com o tempo, algo ali foi mudando. Como se estivessem reconhecendo que, apesar das diferenças, ambos estavam ali por Elise.
Noah foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Ela é especial, né?
Adrian apenas assentiu.
— Só… cuida dela, cara. Mesmo que ela escolha você no fim, eu só quero que ela seja feliz.
Adrian olhou para ele. Havia sinceridade nas palavras, e isso desarmou qualquer desejo de rivalidade.
— Eu também.
Quando o mural ficou pronto, a cidade inteira pareceu se reunir para ver. Crianças apontavam os detalhes, os mais velhos sorriam nostálgicos, e Elise... Elise observava Adrian.
Ele, agora com manchas de tinta até no rosto, parecia diferente. Mais leve. Mais aberto. Como se tivesse largado uma armadura invisível.
— Tá bonito — ela disse, parando ao lado dele. — O galho que você pintou ficou… cheio de vida.
— É porque pensei em você enquanto pintava.
Elise riu, mas seus olhos estavam marejados.
— Você me deixa tão confusa, Adrian.
— Eu não quero confundir. Quero te mostrar que vale a pena. Que a gente vale.
Ela ficou em silêncio por um momento. Depois, tirou um papel dobrado do bolso do casaco.
— É um poema — ela disse. — Escrevi essa manhã. Não sei se é bom, mas... talvez te ajude a entender.
Adrian leu em silêncio. Eram versos curtos, escritos com alma. Falavam de amor e medo, de caminhos que se cruzam e se afastam, mas que, no fim, sempre voltam para o mesmo lugar.
— Posso guardar? — ele perguntou.
— Só se prometer que vai ficar.
Adrian estendeu a mão, os dedos ainda manchados de azul, e entrelaçou os dela.
— Eu fico. Por você.
E, naquele instante, mesmo sem beijarem-se, mesmo sem certezas, havia uma promessa ali.
O mural agora tinha cor.
Mas eles, enfim, tinham esperança.
Elise segurava a mão de Adrian como se fosse a única âncora em meio ao mar que se agitava dentro dela. Por um momento, o tempo pareceu parar. O burburinho das pessoas admirando o mural ficou distante. A única coisa que existia era aquele toque, aquele olhar.
Mas então, Noah se aproximou. Com um sorriso gentil no rosto e os olhos cansados de quem já sabia o que estava por vir.
— Ficou incrível, Elise — ele disse, parando ao lado dela. — Obrigado por estar aqui.
Ela assentiu, soltando lentamente a mão de Adrian, mas sem se afastar dele.
— Foi você quem deu vida a tudo isso, Noah. Eu só... observei.
— Observar também é um jeito de sentir. Às vezes, o mais importante.
Os três ficaram ali por alguns segundos, num silêncio respeitoso, até que Noah respirou fundo e encarou Elise com honestidade.
— Eu sabia que, em algum momento, você ia escolher. E mesmo que doa... eu fico feliz que tenha sido ele. Só promete uma coisa?
— O quê? — ela perguntou, com os olhos marejados.
— Que nunca vai deixar de ser essa versão de você que aparece quando está com ele. Aquela que brilha, que se entrega, que sente.
Elise engoliu em seco, a emoção apertando sua garganta.
— Eu prometo.
Noah sorriu, e dessa vez foi um sorriso cheio de saudade antes mesmo da despedida.
— Vou terminar os detalhes do mural. Depois… acho que é hora de seguir pra outro lugar.
Ele se afastou sem drama, sem mágoa, apenas com a maturidade de quem entendeu que, às vezes, amar alguém também é saber quando partir.
Adrian passou o braço pelos ombros de Elise, puxando-a suavemente para perto.
— Você tá bem?
Ela encostou a cabeça no peito dele e fechou os olhos por um instante.
— Agora eu tô.
E, ali, no centro da praça de Lorien, com o mural como testemunha, ela sentiu que algo dentro dela finalmente se encaixava.
Não era sobre escolher entre o medo e a leveza, entre o passado e o futuro.
Era sobre quem fazia seu presente valer a pena.
E naquele presente, havia uma certeza silenciosa:
Era o nome de Adrian que ela sussurrava.
Era ele o lar que ela nem sabia que procurava.