Entre Rachaduras E Promessas

Capítulo 9 — Entre Rachaduras e Promessas

No dia seguinte.

Era o tipo de manhã que parece ter sido escrita à mão, com sol escorrendo pelas janelas e o cheiro distante de pão quentinho invadindo os corredores antigos da mansão Beaumont. A luz dourada dançava entre os móveis envelhecidos, e os sinos da igreja marcavam o início de um novo dia em Lorien.

Adrian acordou com o peito leve, sentindo ainda no corpo o calor do toque de Elise na noite do festival. A aliança — pequena, discreta e brilhante — descansava firme em seu dedo. Ele sorriu sozinho, ainda deitado, com os olhos voltados para o teto alto do quarto.

Era estranho como, de repente, a ideia de amar parecia simples.

Desceu as escadas assobiando uma melodia qualquer, o cabelo bagunçado, o coração tranquilo. Na sala de jantar, o avô já estava sentado à cabeceira da longa mesa, o jornal aberto, o café servido, a rotina intacta.

Mas algo quebrou o ritmo.

— Essa aliança — disse o avô, sem levantar os olhos — é dela, não é?

Adrian parou no meio do movimento, ainda com a mão estendida para pegar o pão.

— É nossa — respondeu com firmeza.

O som do jornal sendo dobrado foi como uma pausa no tempo.

— Eu achei que você tivesse entendido quando pedi que se afastasse daquela garota.

— Eu entendi. Mas escolhi não obedecer.

— Você está arriscando tudo por um capricho.

— Elise não é um capricho.

— Ela é o reflexo de um passado que precisa ficar enterrado, Adrian!

— É isso? — Adrian rebateu, encarando o avô com mais dor do que raiva. — O medo que você tem não é por mim. É por você. É por algo que esconde.

O velho Beaumont se levantou. O olhar, mais do que severo, era abatido. Um cansaço antigo, feito de memórias que ele não tinha coragem de dizer em voz alta.

— Você ainda é ingênuo demais para entender.

— Então me explica, ué! — a voz de Adrian subiu um tom. — Me conta, por que tanta raiva? Por que tanto segredo?

— Porque a verdade arruína, Adrian.

— Mais do que o silêncio?

O avô não respondeu. Apenas apontou para o alto da escada.

— Suba. E não saia. Você está proibido de sair dessa casa.

Adrian apertou os lábios, engolindo a raiva como quem engole pedra. Subiu as escadas, uma de cada vez, sentindo cada degrau ranger com o peso da frustração.

Trancou a porta do quarto e ficou ali, andando de um lado para o outro, até que algo chamou sua atenção: uma rachadura no teto, perto do armário. Era nova. Ou talvez... estivesse ali o tempo todo, só esperando ser notada.

Subiu na cadeira, tocou o gesso com cuidado. A parte se soltou como se cansada de segurar tanto tempo o segredo. E ali, escondida numa fenda do forro, uma pequena caixa de madeira repousava como um sussurro esquecido.

Adrian a puxou com delicadeza. Ao abrir, encontrou um colar: uma flor de prata envelhecida presa a uma corrente fina — o mesmo modelo que Elise usava no pescoço. Só que esse... era outro. O irmão gêmeo.

Junto dele, uma carta. Amarelada, mas intacta.

“Para você, meu amor. Mesmo que nunca leia.”

A caligrafia era delicada. Feminina. Familiar.

Adrian reconheceu na hora: era a mesma das outras cartas anônimas. Mas essa tinha um destinatário. E uma assinatura.

"Para Arthur — com todo o meu amor,

C."

Arthur. O nome de seu pai.

C. Seria quem?

O coração de Adrian disparou. Leu os trechos da carta com os olhos marejados:

“Não sei se você vai conseguir me perdoar por ter desaparecido. Mas você sabe o motivo. Sua família nunca aceitou que uma garota simples, sem título nem fortuna, pudesse amar você sem querer nada em troca.”

“Se você estiver lendo isso, é porque eu finalmente criei coragem de guardar tudo o que vivemos num lugar seguro.Talvez você entenda que, às vezes, o amor vem na forma errada, na hora errada — mas mesmo assim é verdadeiro.”

Adrian fechou os olhos por um instante. Aquela carta era mais que confissão. Era uma passagem secreta para um passado que ele nunca conheceu.

Com a caixa nas mãos, desceu as escadas em silêncio, pulou a janela dos fundos e correu pelas ruas de Lorien — o coração batendo forte demais para caber no peito.

Chegou até a estufa. Lá estava ela.

Elise.

Sentada entre flores, escrevendo em seu caderno como se o mundo ainda coubesse nas entrelinhas.

Ele se aproximou devagar. Ela o viu e franziu a testa.

— Adrian? O que aconteceu?

Ele se sentou ao lado dela e estendeu a caixinha.

— Eu encontrei isso.

Ela abriu. Ao ver o colar, o ar sumiu por um instante.

Então, lentamente, tirou o seu de dentro do vestido.

Colocaram os dois pingentes lado a lado. E, com um leve clique, eles se encaixaram como metades feitas um para o outro.

Foi nesse instante que perceberam algo gravado no verso.

Uma palavra? Não. Um número.

12:04

Elise franziu o cenho.

— Isso estava aqui?

— Não. Só apareceu agora… quando unimos os dois.

Ela passou os dedos devagar sobre os números.

— Pode ser uma hora. Ou uma data.

— Ou uma senha pra algo que ainda não descobrimos — Adrian murmurou.

O silêncio cresceu entre eles, mas dessa vez era um silêncio cheio de sentidos. Cheio de histórias que começavam a se ligar.

— Adrian... minha mãe se chamava Clara.

— E meu pai era Arthur.

Eles se entreolharam. Mas ainda não podiam concluir nada. Era muito cedo. As peças estavam soltas, mas já estavam na mesa.

— Eu acho... que eles se amaram — disse Elise, a voz embargada.

— E que foram separados.

Adrian tirou a carta do bolso e colocou nas mãos dela.

Ela leu. Em silêncio. E quando terminou, havia lágrimas nos olhos.

— Ela... ela escreveu pra ele. Mas nunca conseguiu entregar.

Adrian assentiu, apertando a mão dela.

— Talvez... agora a história deles encontre um novo final. Através da gente.

Antes que dissessem mais, passos se aproximaram. Noah.

— Elise?

Ela se levantou, limpando as lágrimas rápido demais.

— Noah...

Ele olhou os dois, os colares. Entendeu sem precisar perguntar.

— É dele, né?

Ela assentiu.

— Eu queria... — Noah começou, mas parou. Depois suspirou. — Eu só queria que tivesse sido diferente.

— Eu sei — ela sussurrou.

— Mas fico feliz por você. Mesmo que doa. Só... promete que vai ser feliz de verdade.

— Eu prometo.

Noah forçou um sorriso, virou-se e se afastou.

Deixando para trás não só uma cena, mas um pedaço dele.

Elise voltou até Adrian. Ele a esperava com o céu nos olhos.

— Ele vai ficar bem?

— Vai. Mas talvez demore.

Adrian assentiu. Então tirou algo do bolso.

Logo algo caiu da caixa.

Era uma fotografia antiga.

Em preto e branco.

Um homem — Arthur — de olhar suave. Uma mulher — Clara — com sorriso delicado e o colar de flor no pescoço.

Elise levou a mão à boca.

— É ela,minha mãe! — Disse Elise espantada.

— E o meu pai!. — Afirmou Adrian.

Se sentaram ali, com o pôr do sol se espalhando no chão de pedra.

Dois jovens que carregavam pedaços de uma história maior do que eles.

— Nossos pais não tiveram um final feliz...

— Então o nosso tem que ter.

Disse Adrian,enquanto segurava a mão dela, e por um segundo, o mundo parou.

Naquela tarde, entre cartas, colares e rachaduras, Elise e Adrian perceberam que não estavam apenas apaixonados.

Estavam reescrevendo o destino.

Costurando o passado com os fios do presente.

E construindo, enfim, um novo começo.