Guardião das Sombras

O GUARDIÃO DAS SOMBRAS – CAPÍTULO II

A floresta os engoliu.

Não como um abrigo, mas como um monstro que fecha a boca após fisgar a presa.

A luz das estrelas sumiu de imediato, tragada pela escuridão densa que se agarrava aos galhos retorcidos como fumaça viva. As árvores eram altas e tão próximas umas das outras que não havia espaço para o vento passar. Tudo era silêncio — o tipo de silêncio que pesa sobre os ombros e grita dentro da mente.

Nyra conjurou uma esfera prateada de luz, pequena como um vaga-lume, trêmula como um segredo prestes a ser revelado. A luz dela não espantava a escuridão — apenas a empurrava por alguns passos.

— Erit — sussurrou Théo, sua voz mal saindo dos lábios. — Você também tá sentindo isso?

Ela assentiu, sem parar de andar. Sentia. O chão parecia respirar sob os pés. O ar tinha gosto de ferrugem e de coisa morta. Mas o pior de tudo… era a sensação de estar sendo observada. Como se a floresta tivesse olhos. Como se ela fosse viva.

Erian caminhava à frente do grupo. O corpo rígido. Os punhos cerrados. O olhar fixo em algum ponto invisível entre as árvores.

— Ele está me chamando — disse, quase em transe. — Eu ouço a voz.

Erit acelerou e segurou o braço dele, obrigando-o a parar.

— Você não vai até ele sozinho. Isso não é corajoso. É burrice.

— Eu… não consigo resistir — respondeu Erian. A pele dele estava fria, mas ao redor de seus pés, a terra fumegava com sombras líquidas. — É como se parte de mim já estivesse lá.

— Então lute contra isso.

Mas antes que ele pudesse responder, o chão explodiu.

Uma raiz negra, grossa como um braço de ogro, irrompeu do solo e lançou Théo longe. O garoto gritou, girando no ar antes de cair sobre um amontoado de folhas apodrecidas. Erit gritou seu nome e correu, mas outras raízes surgiram, tentando prendê-la pelos tornozelos.

Nyra ergueu ambas as mãos e liberou uma onda de luz prateada que empurrou as sombras por um instante. Erit se libertou. Théo tossia, mas estava vivo.

Olhos.

Dezenas deles, brotando da escuridão entre as árvores, brilhando como brasas acesas. As criaturas saíram logo depois — feitas de fumaça sólida, com dentes de sombra e garras que não deveriam existir.

Erit chamou o fogo. As chamas surgiram em suas mãos com um rugido faminto, dançando ao redor de seus dedos como serpentes douradas.

— Protejam o Erian! — ela gritou.

Mas era tarde demais.

No centro da clareira que se abrira entre os ataques, Erian pairava no ar, envolto por fios de sombra que o puxavam como marionete. Seus olhos estavam completamente negros. A pele dele parecia brilhar em roxo, como as antigas marcas da infância que nunca haviam sumido de verdade.

— Irmão da escuridão… — sussurrou uma voz ancestral, vinda de todos os lados e de lugar nenhum. — Filho da luz… você retornou.

Erian gritou. Mas não era um grito de dor.

Era um grito de fúria.

De revolta.

De quem foi forçado a carregar um fardo que nunca escolheu.

Erit tentou correr até ele, mas algo invisível a impediu. Bateu contra uma barreira de energia com força, o fogo rugindo em seus punhos.

— ERIAN! — ela berrou.

Do chão enegrecido, surgiu a figura.

Primeiro vieram as mãos — longas, finas, feitas de sombras densas. Depois, o corpo — alto, esguio, coberto por uma armadura orgânica que parecia pulsar. O rosto… ou a ausência dele… era a coisa mais aterradora. Um vazio. Um buraco negro em forma de rosto.

O Guardião das Sombras.

Ele não precisou dizer nada. Sua presença era uma sentença.

Nyra correu até Théo, que mancava em direção a ela. Juntos, ergueram as mãos. A luz dela. O medo dele. As duas forças se uniram.

— Podemos quebrar a barreira? — ele perguntou, ofegante.

— Podemos tentar. Mas não vai ser fácil.

Eles se concentraram.

Enquanto isso, Erian ajoelhava diante da criatura. As sombras sussurravam em sua mente. Velhas promessas. Mentiras disfarçadas de verdades.

— Você sempre foi parte de mim — dizia o Guardião. — Sempre foi meu.

Erian ergueu o rosto.

Seus olhos eram puro abismo.

Erit sentiu o gelo cravar-se em seu peito.

Não era mais uma luta contra o Guardião.

Era contra Erian também.

A barreira de sombras pulsava como um coração vivo, repulsivo e irregular. Cada batida fazia o ar ao redor vibrar, como se a floresta também estivesse sob o domínio do Guardião. Erit socou o escudo invisível mais uma vez, o fogo explodindo em espirais incandescentes, mas a energia apenas se espalhava e se recolhia, indiferente à sua fúria.

— Ele está me escutando — disse Nyra, os olhos semicerrados enquanto pressionava os dedos contra as têmporas. — Erian. Ele ainda está lá dentro… mas está se perdendo.

Théo mantinha-se ao lado dela, com o medo estampado no rosto, mas firme como um pilar frágil que se recusa a cair. A luz que ele compartilhava com Nyra oscilava, instável, como se a qualquer momento fosse engolida por um sopro de escuridão.

Dentro da barreira, o Guardião se ergueu por completo.

Sua presença era como um eclipse: sugava toda luz, esperança e som. Ao seu redor, a floresta se retorcia. Galhos curvavam-se para ele. A própria terra parecia se dobrar.

— Não lute, criança — sussurrou o Guardião, os olhos inexistentes voltados para Erian. — Você já fez sua escolha no momento em que nasceu.

Erian tremia.

As sombras o envolviam, mas não completamente. Ainda havia faíscas de resistência em seus olhos — um brilho tênue, quase apagado, que teimava em brilhar.

— Eu… não sou você — sussurrou ele, a voz quase irreconhecível. — Eu sou mais do que isso.

O Guardião se aproximou, cada passo reverberando no chão.

— Você é o que eu sou. O que os deuses recusaram. Um filho da sombra, abandonado pela luz.

Do lado de fora, Erit ouviu as palavras como punhais.

— Nyra! A barreira… — gritou.

— Está enfraquecendo — respondeu a feérica, com a voz tensa. — Mas precisamos de mais.

— Usa o fogo de Erit — disse Théo, sem pensar. — Junta com a sua luz.

Erit hesitou. Seu fogo não era gentil. Era fúria. Era caos. Mas, naquele momento, não havia escolha.

Ela estendeu as mãos. As chamas saltaram até Nyra, envolvendo a luz prateada dela numa dança feroz. As duas energias colidiram — sombra e aurora, tempestade e calor — e, por um segundo, tudo ficou em silêncio.

E então, a barreira se quebrou.

Como vidro atingido por um trovão.

Erit correu. Nyra e Théo vieram logo atrás. O Guardião virou-se devagar, mas já era tarde.

— Erian! — Erit gritou, estendendo a mão.

O garoto lutava contra si mesmo. A sombra envolvia metade do corpo. A outra metade ainda pulsava com o brilho da Pedra de Sareth, que resistia bravamente à invasão.

— Me ajuda — murmurou ele.

Erit não hesitou.

Ela atravessou as sombras como uma lâmina flamejante e tocou o peito de Erian. O calor a envolveu, mas não era apenas o dela — era o dele também. Ela viu, por um instante, dentro da mente dele: os gritos, as promessas, o vazio deixado pela dor da infância. E, no centro de tudo, um menino chorando, segurando um colar quebrado.

Ela o abraçou.

O fogo queimou.

A luz explodiu.

O Guardião urrou, sendo empurrado para trás por uma força que ele não compreendia.

Erian caiu de joelhos, arfando, coberto de suor e sangue. As sombras se dissolveram ao redor dele, pelo menos por agora.

Mas antes de desaparecer na névoa, o Guardião sussurrou:

— Eu voltarei… e, quando voltar, ele virá comigo.

O silêncio caiu de novo.

Erian chorava, escondendo o rosto nas mãos.

Erit se ajoelhou ao lado dele, abraçando-o sem dizer nada. Nyra fechou os olhos, esgotada. Théo sentou-se, os ombros caídos.

Eles tinham vencido a batalha.

Mas a guerra ainda estava apenas começando.