Na manhã seguinte, naquele mundo reluzente, um quarto abrigava um silêncio não um silêncio assustador, mas sim o tipo de silêncio que antecede um dia longo e repleto de desafios.
Dário, recém-desperto, fitava o teto luxuoso acima de si. Bocejou e murmurou:
— É... Parece que não foi um sonho.
Levantou-se da cama com calma e caminhou até a janela. Ao abri-la, foi recebido por uma brisa leve e pelo canto de pássaros de plumagens estranhas.
A luz do sol matinal tingia o quarto com tons dourados e aconchegantes, como se o mundo o convidasse a sair e explorá-lo.
Do alto de seu quarto, Dário podia ver o jardim animado, repleto de vida. Pássaros que jamais vira em sua vida passada dançavam entre as árvores, e a paisagem que se estendia diante dele parecia saída de um sonho, um privilégio reservado apenas aos nobres e herdeiros.
Enquanto observava tudo atentamente, seus pensamentos corriam soltos.
Estava na hora de dar início à sua jornada, ficar mais forte e, um dia, enfrentar os Filhos do Céu.
Nesse momento, uma voz suave o tirou de seus devaneios.
— Jo-Jovem mestre? Está acordado?
Dário se virou em direção à porta, reconhecendo imediatamente a voz.
— Minna, entre. Já estou acordado. respondeu ele com naturalidade.
A maçaneta girou com um leve estalo e Minna entrou com passos cuidadosos. Ela curvou-se respeitosamente e disse:
— Jo-Jovem mestre, permita-me arrumar seus aposentos e ajudá-lo a trocar de roupas.
Dário a encarou por um momento, pensativo.
"Arrumar o quarto, tudo bem... mas me ajudar a vestir? Isso é um pouco desconfortável."
Não era por vergonha, mas por hábito. Em sua vida passada, ele jamais deixara alguém trocar suas roupas uma regra pessoal enraizada por traumas antigos da infância.
Após refletir brevemente, respondeu:
— Pode arrumar o quarto, sim. Mas quanto às roupas... deixe que eu mesmo cuido disso. Na verdade, prepare-me um banho. Depois, quero uma boa refeição.
Minna assentiu prontamente, sem questionar. Já havia percebido comportamentos estranhos no dia anterior e preferiu não levantar dúvidas.
O quarto estava quase intacto, exceto pela cama desalinhada e os livros sobre a escrivaninha, que Dário já havia organizado. Minna rapidamente deixou tudo em ordem.
...
Após o banho e devidamente trocado, Dário optou por uma roupa mais simples, embora ainda elegante. Sentou-se à enorme mesa de refeições.
Como de costume, os criados só se sentavam depois dele, em sinal de respeito e hierarquia.
Terminada a refeição, Dário chamou em voz firme:
— Caelenna?
Ela apareceu rapidamente, com a postura rígida de sempre.
— Sim, jovem mestre?
— Leve-me até o campo de treinamento, ordenou.
O olhar de Caelenna e de Minna se cruzaram, como se tivessem visto um fantasma. Dário não pôde deixar de rir amargamente por dentro.
O antigo Dário era um mimado fanfarrão, que evitava qualquer esforço físico. Seu lema era: "Por que eu deveria fazer isso, se sou o jovem mestre?"
Após se recompor, Caelenna respondeu, ainda um pouco desconfiada:
— Como quiser, jovem mestre. Por aqui.
Dário a havia chamado intencionalmente. Queria se aproximar dela, ganhar sua confiança... ou talvez plantar uma semente de desconfiança calculada. Sabia que ela já suspeitava de algo.
Ele ainda não sabia se existiam outras entidades reencarnadas nesse mundo, mas preferia se preparar para o pior. Seu plano exigia isso. E, assim que seu suposto pai retornasse de viagem, Dário daria início ao próximo passo.
Enquanto caminhavam pelos corredores em direção ao campo de treinamento da família Vauren, Dário lançou uma pergunta aparentemente casual:
— Caelenna... se, por acaso, alguém tentasse me envenenar, o que aconteceria?
As palavras pairaram no ar como um trovão silencioso. O mundo pareceu parar. Caelenna, Minna e até alguns criados que estavam por perto congelaram, muitos deles tremendo visivelmente.
Depois de alguns segundos, Dário sorriu e disse, com leveza fingida:
— Hahaha, era só uma brincadeira. Relaxem.
E voltou a andar, como se nada tivesse acontecido.
Caelenna, no entanto, o fitou com seriedade. Sabia que palavras como aquelas não eram ditas por acaso, essas palavras podiam acender guerras.
Mesmo assim, o acompanhou em silêncio, enquanto Minna, ainda em choque, os seguia alguns passos atrás. Os demais criados ficaram paralisados, sem saber como reagir.
No restante do trajeto, reinou um silêncio pesado.
Dário observara com atenção as reações: se alguém ousasse atentar contra ele, e fosse descoberto, haveria sangue muito sangue. A família Vauren, pelo que acabara de testemunhar, era orgulhosa e vingativa contra seus inimigos e agressores. Essa era uma peça essencial em seu plano.
Após cerca de trinta minutos andando, chegaram ao campo de treinamento. Era vasto, e o som dos gritos dos guerreiros em treino ecoava de longe.
Dário se aproximou de um homem alto, musculoso, com aura serena, mas olhar severo. Seus olhos mostravam disciplina, e sua postura exalava autoridade.
Seu nome era Garron Vauren.
Ele fora adotado por Théon, pai de Dário, após uma tragédia que assolou uma das linhagens secundárias da família: os Tharek. Esta ramificação, leal por gerações aos Vauren, fora dizimada quando uma onda de bestas demoníacas atacou a cidade onde viviam. Entre elas, havia uma criatura no Reino Monarca. Os Tharek lutaram até o fim. Quando os reforços chegaram, encontraram apenas um sobrevivente: um jovem coberto de feridas.
Comovido pela bravura da linhagem extinta, Théon adotou o garoto e deu a ele o nome Vauren, como sinal de respeito e confiança.
Desde então, Garron tornou-se parte da família, um irmão mais velho para Dário em aparência, mas com a postura firme de um instrutor veterano.
.......