Na madrugada seguinte, Dário despertou abruptamente, como se algo o chamasse no silêncio da noite.
Olhou para a janela e percebeu que a luz da lua ainda clareava seu quarto, tingindo tudo de tons pálidos e prateados. O relógio em cima da escrivaninha marcava pouco mais de 2h da manhã.
O motivo de seu sono prolongado não fora apenas o cansaço dos treinos intensos, mas também um plano deliberado: ele queria testar habilidades novas em segredo, longe dos olhos atentos de Caelenna, Garron ou dos criados da mansão.
Na noite anterior, havia experimentado combinar o jab de boxe com a Energia Áurea e o resultado fora promissor, um golpe explosivo, ainda bruto, mas carregado de potencial.
Agora, desejava ir além: experimentar técnicas da Casa Vauren e adaptá-las ao seu próprio estilo de combate, misturando instintos de sua vida passada com as possibilidades que este novo corpo oferecia.
O antigo Dário, cuja memória ainda ecoava vagamente em sua mente, possuía apenas noções básicas de artes marciais nada refinado.
Para ele, aprender tudo do zero seria um desperdício de tempo precioso. Melhor seria adaptar, inovar, tornar o aprendizado eficiente e funcional.
Seu objetivo era simples: tornar-se forte rapidamente.
Deslizando para fora da cama, Dário trocou de roupas com movimentos rápidos, escolhendo uma camisa leve e calças flexíveis, próprias para treino.
Em vez de sair pela porta e arriscar ser visto pelos criados, abriu a janela com cuidado e saltou para o jardim, aterrissando com a leveza de um gato.
O ar da madrugada era frio e úmido, carregado com o cheiro da terra molhada. As estrelas cintilavam como vigias silenciosas no céu escuro.
O campo de treinamento ficava a uma curta caminhada dali, atrás da mansão, isolado por quilômetros de terras que pertenciam exclusivamente à Casa Vauren.
Aqui, neste domínio sagrado, poucos ousariam aproximar-se sem permissão ainda mais em plena madrugada.
Dário avançou pelas trilhas de pedra, atento a qualquer som.
Felizmente, os servos da mansão são guerreiros e mestres marciais que confiavam em suas habilidades e não montavam guardas regulares durante a noite.
Caelenna e Garron eram capazes de lidar com ameaças se necessário.
Depois de alguns minutos caminhando, ele chegou ao campo de treinamento.
O local era vasto, aberto, sem cercas ou portões, rodeado apenas por fileiras de árvores escuras. Diversos bonecos de treino, alvos de madeira, armas enferrujadas e equipamentos de prática estavam espalhados, parecendo fantasmas sob a luz da lua.
Dário olhou em volta, certificando-se de que estava sozinho.
Em silêncio, atravessou o campo e pegou uma espada de madeira simples.
Queria começar com algo familiar: a escrima.
Iniciou com movimentos básicos cortes diagonais, estocadas, defesas.
A cada golpe, ajustava a postura, equilibrava o peso do corpo, buscando a eficiência.
Gradualmente, começou a incorporar técnicas que lembrava de sua vida passada, movimentos fluidos, combinações rápidas, segredos que seus antigos mestres lhe haviam ensinado.
Com o passar dos minutos, seus braços começaram a pesar e a respiração ficou irregular.
Treinar enquanto canalizava Energia Áurea era exaustivo. A cada ataque, a energia dourada vibrava em suas veias, forçando seus músculos além dos limites.
Após cerca de trinta minutos de treino constante, Dário parou e caiu de joelhos, suando intensamente.
Ele respirou fundo, sentindo a fria brisa noturna acariciar sua pele ardente.
Fechou os olhos e deixou a energia se acalmar.
Depois de um breve descanso, retornou agora focado em treinar o trabalho de pés, a precisão dos deslocamentos, a perfeição na execução dos movimentos.
Sabia que um guerreiro de verdade não era apenas forte: ele era preciso, eficiente, letal.
Foi então que decidiu: era hora de praticar a técnica fundamental da Casa Vauren, o Punhal Solar.
Essa técnica consistia em concentrar uma faísca de Energia Áurea na ponta da lâmina ou dos próprios dedos, criando um raio de perfuração interna.
Se executado corretamente, o Punhal Solar poderia atravessar defesas frágeis, danificar meridianos, imobilizar ou matar um inimigo com um único golpe.
Era uma habilidade básica para os padrões da Casa Vauren mas, nas mãos certas, tornava-se uma arma mortal.
Dário já havia estudado o manual.
Sabia que precisava dela. Em seu estado atual, ainda era fraco demais para enfrentar verdadeiros adversários.
Dominar uma técnica como essa poderia ser a chave para vencer batalhas rapidamente, antes mesmo que os inimigos percebessem o perigo.
Claro, era ingênuo pensar que apenas a família Vauren possuía tais habilidades. Outras casas também teriam truques similares.
Mas no momento, qualquer vantagem era vital.
Refletindo, Dário teve uma ideia ousada:
"E se eu fundisse o Punhal Solar com o jab de boxe?"
O jab era rápido, econômico, e servia para manter a distância e abrir brechas na defesa inimiga.
O Punhal Solar era um ataque decisivo, capaz de perfurar defesas.
Se combinasse ambas as técnicas, poderia criar um movimento rápido e fatal, capaz de pegar qualquer adversário desprevenido.
Era arriscado.
O controle da Energia Áurea exigia precisão absoluta e Dário ainda não dominava completamente sua circulação interna.
Mesmo assim, decidiu tentar.
Durante mais de uma hora, insistiu.
Golpe após golpe, tentativa após tentativa, a frustração começou a crescer.
Seu corpo protestava, seus músculos tremiam, o suor encharcava suas roupas.
Cada vez que tentava canalizar a Energia Áurea no momento do golpe, algo falhava: ou o fluxo era instável, ou o golpe saía sem força.
O campo de treinamento mergulhou num silêncio absoluto, interrompido apenas pelo som abafado dos seus passos nas pedras gastas.
Dário parou, arfante.
Apoiou-se em um dos bonecos de treino, os olhos fixos no horizonte noturno.
Precisava se concentrar.
"Eu sou a lâmina."
"Eu sou a lâmina."
Repetiu o mantra mentalmente.
Então, avançou para o centro do campo.
À sua frente, um boneco de treino, uma estátua de madeira reforçada com placas de couro o esperava silenciosamente.
Ele ajeitou os ombros, sentindo a Energia Áurea vibrar em suas veias.
Fechou os punhos.
Primeiro, lembrou-se do Punhal Solar: uma concentração intensa de energia em um único ponto, comprimida até o limite.
Deixou o fluxo dourado correr até os nós dos dedos, tingindo-os com um brilho tênue, como brasas invisíveis.
A sensação era estranha, como carregar uma centelha viva dentro dos ossos.
Então, moveu-se.
Seu pé avançou.
O ombro girou.
O punho disparou como uma flecha, um jab direto, rápido, econômico.
CRACK!
O som seco ecoou pelo pátio vazio.
Por um breve instante, tudo ficou imóvel.
Então, uma rachadura silenciosa percorreu a estrutura do boneco de treino, no exato ponto onde o golpe atingira.
Dário recuou, olhos arregalados.
A superfície externa do boneco parecia intacta mas, sob o couro reforçado, a madeira havia sido perfurada, destroçada internamente, como se uma lança invisível tivesse atravessado seu coração.
Ele olhou para seus próprios punhos.
Pequenas chamas douradas dançavam nos nós dos dedos, tremeluzindo como faíscas prestes a se apagar.
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