Três dias se passaram.
Dário permaneceu recluso, submerso em silêncio absoluto, como um monge selando o próprio espírito. Dedicou esse tempo à harmonização entre seu físico recém-despertado e a Energia Áurea que agora fluía por seus meridianos como um rio de lava contida brutal, poderosa, mas sob controle. Técnicas que antes exigiam esforço e concentração agora se revelavam quase por instinto, como se seu corpo finalmente tivesse acordado para a dança da guerra.
Mas enquanto seu corpo se moldava à nova realidade, era sua mente que tramava o futuro.
Ele não era mais apenas um cultivador promissor. Era um jogador no tabuleiro do destino. E seu primeiro movimento precisava ser calculado.
Sentado diante de uma mesa repleta de pergaminhos, mapas e livros ancestrais, Dário mergulhava nos registros secretos da Casa Vauren, entregues por Theon. Documentos antigos listavam desde informações militares e comerciais até dados minuciosos sobre famílias nobres, da mais alta até as caídas em desgraça. Seus negócios, alianças e influência estavam todos ali.
Esses arquivos haviam sido trazidos por Velkara, a pedido direto de Dário. Ele sabia que a missão de caçar o Filho do Céu não possuía limite de tempo, mas também não pretendia arrastá-la por longos meses. Antes de agir, precisava conhecer todos ao seu redor aliados, inimigos e peças neutras.
Após horas imerso nos textos, Dário alcançou o último tópico: a Casa Lutharen.
Leu sobre Renard Lutharen, o atual chefe da casa, e em seguida sobre Íris, sua noiva. Ao revisar os membros secundários da família, seus olhos brilharam ao encontrar um nome que despertava lembranças nas profundezas de sua mente: Caelus Aurelion.
O Cavaleiro Pessoal de Íris. E alguém que o antigo Dário desprezava com um certo incômodo instintivo.
Dário leu atentamente os relatórios sobre ele. Passado desconhecido, primeira aparição registrada junto de uma caravana atacada nos arredores de Orvandyr, uma cidade comercial sob influência da Liga Dourada. Caelus salvou a caravana, entre eles membros ligados aos Lutharen, e foi posteriormente acolhido pela guilda. Após breves demonstrações de força e lealdade, conquistou a posição de protetor pessoal de Íris.
Coincidência?
Dário sorriu, aquele sorriso frio e afiado como uma lâmina oculta.
— É sempre assim, não é?
Os dados batiam. A aparição milagrosa, a ascensão rápida, o talento descomunal. Com base em sua leitura e nas memórias do antigo Dário, a probabilidade de Caelus ser o Filho do Céu era de, no mínimo, 80%.
Só havia uma forma de confirmar: aproximar-se.
— Sistema, detalhe a missão.
> [Missão Estratégica – Localize e Elimine o Primeiro Filho do Céu]
› Dificuldade: Desconhecida
› Alvo: (Identidade a ser descoberta)
› Recompensa: Olho do Mercador Vilanesco, +1 Baú Prata.
› Penalidade: Interferência Celestial; Reforço Inimigo se falhar
• Dica: O Filho do Céu atual atrai aliados naturalmente. Aproxime-se de sua rede. Quebre seu ciclo de sorte. Distorça sua lenda. Crie sua própria história como contraponto.
Dário estreitou os olhos. Não bastava destruir o herói com força bruta. Era preciso esvaziar sua lenda, apagar sua luz, corromper sua narrativa.
A vitória viria à subversão.
Levantou-se e trocou sua túnica de treinamento por um manto escuro com bordas douradas, ocultando o brilho de seu núcleo recém-desenvolvido. Prendeu os cabelos com um laço discreto e ativou o Passo do Eclipse, uma técnica furtiva que mascarava sua presença, abafava sua energia e embaralhava sua assinatura áurica.
---
No salão principal, encontrou Caelenna e Velkara. A primeira o observou com desconfiança. A segunda, com crítica aberta.
— Então decidiu agir, garoto? perguntou Velkara, cruzando os braços.
— Sim. Caelenna, poderia marcar um encontro com minha noiva Íris?
As duas mulheres ergueram as sobrancelhas em uníssono. Era uma pergunta carregada. O antigo Dário vivia atrás de Íris com uma obsessão sufocante. Apesar da mudança evidente em seu comportamento e do despertar milagroso de seu físico, não era fácil apagar o passado. Aquilo parecia, no mínimo, suspeito.
Percebendo o desconforto, Dário suspirou internamente e disse:
— Encontrei algumas pistas. Preciso confirmar. Além disso, manter-me isolado por mais tempo pode levantar suspeitas... e perder oportunidades.
Velkara pareceu ponderar. Por fim, assentiu levemente e desapareceu como um vulto, pronta para cumprir o pedido. Restaram apenas Dário e Caelenna no salão.
— Caelenna, poderia me dar um treinamento pessoal? pediu, com firmeza.
Ela respondeu com um aceno.
— Sim, jovem mestre.
---
O campo de treinamento pulsava com energia. O chão era marcado por pegadas, sulcos e resíduos de energia Áurea dispersa. Lá estavam Garron e um grupo de novatos do Esquadrão de Assassinos Sagrados. Ao notar a aproximação de Dário e Caelenna, interrompeu o exercício e se virou, com um sorriso debochado.
— Ora, pirralho. Achei que tivesse entrado em coma. Hahaha!
Dário ergueu uma sobrancelha.
— Tive que me ajustar ao meu novo corpo e físico especial. Solidificar a Energia Áurea nos meridianos com um físico dual... é desconfortável.
Seu tom provocativo despertou uma veia saltando na testa de Garron.
— Parece que está com muita energia acumulada... Vamos ver se sobrevive a um treino de verdade.
O brilho malicioso nos olhos de Garron denunciava que ele já planejava um inferno particular.
Mas Dário ergueu a mão e o cortou:
—Hoje não. Caelenna irá me treinar e corrigir minhas falhas. Claro, se quiser disputar o posto com ela, fique à vontade.
O silêncio que se seguiu foi cortante. Garron olhou para Caelenna. Ela estava fria, impassível, com uma espada nos quadris e um olhar que prometia dor. Ele engoliu seco.
— Tsk. Por hoje você escapa, moleque. Resmungando, ele voltou sua atenção para os novatos.
Dário riu por dentro e então voltou-se para Caelenna. Pegou uma das espadas cerimoniais do arsenal e a segurou com firmeza. Posicionou-se à sua frente.
Ela permaneceu imóvel, observando-o com a paciência e o olhar predatório de uma mestra avaliando sua presa.
Ambos sabiam o que viria a seguir.
E enquanto a lâmina cintilava sob o sol, Dário respirou fundo e pensou:
"Está na hora de descobrir o quanto realmente mudei."
.....