Capítulo 41 - O Gelo que Quebra Muros.

Em outra parte do Labirinto da Morte

Minna caiu de joelhos ao lado de Íris, seus pés afundando na lama escura e fétida da região para onde haviam sido transportadas. O solo pulsava uma energia pútrida, espiralando em ondas caóticas que ameaçavam corromper qualquer traço de pureza em seus corpos. Ao redor, árvores mortas pareciam implorar por descanso, e a névoa densa distorcia a percepção do espaço. A Zona Predatória foi brutal, mas aquilo… era diferente. Como se tivessem sido cuspidas para um recanto abandonado da criação.

“Isso não estava nos planos”, sussurrou Íris, tentando manter-se de pé.

Minna assentiu, olhos atentos, enquanto seu anel de runas brilhava fracamente em reação ao ambiente. “Eu usei a minha recompensa para estar ao seu lado… parece que o Ego da Indentidade decidiu nos jogar juntas nesta maldição.”

Antes que pudessem trocar mais palavras, um gemido gutural ecoou pela floresta distorcida. Das sombras, quatro figuras cambaleantes emergiram cultivadores mortos, mas não destruídos. Suas peles esverdeadas estavam repletas de runas corrompidas que pulsavam em tom violeta. Trajavam vestes despedaçadas de antigos clãs e impérios. Seus olhos, vazios, queimavam com o brilho de uma Energia Áurea apodrecida.

“Zumbis cultivadores… não mortos gerados pela contaminação extrema do Éter Caótico,” disse Íris, franzindo o cenho. “Eles mantêm fragmentos de suas técnicas, e não sentem dor.”

Minna ativou instintivamente sua barreira gélida, conjurando duas lanças de gelo puro que giraram ao seu redor como satélites letais. Íris puxou de seu bracelete um par de adagas negras com gravuras familiares: o brasão dos Lutharen.

Elas avançaram. O combate foi brutal.

As lanças de Minna atravessavam os peitos dos zumbis, mas a carne deles se regenerava grotescamente. Íris, em contrapartida, era mais precisa, suas adagas cortavam articulações e ligamentos com a precisão cirúrgica de uma assassina treinada. Ainda assim, dois zumbis se lançaram sobre ela ao mesmo tempo, obrigando Minna a congelar o chão sob os pés dos inimigos, facilitando um contragolpe da amiga.

Depois de alguns minutos intensos, os corpos caíram, imóveis.

“Isso foi só a recepção,” murmurou Íris, respirando com dificuldade. “Você precisa estabilizar seu corpo e sua energia, Minna. Eu seguro as pontas.”

“Srta Íris, você deve ir primeiro” Minna retrucou, apontando o cristal de fogo que Íris recebera como recompensa. “ Seu Corpo especial pode ser desperto completamente assim.”

Íris hesitou. Por um instante, o brilho carmesim em seus olhos cintilou. “Não posso me dar ao luxo de baixar a guarda agora. Você primeiro. Eu... eu tenho mais controle sobre meu corpo.”

Minna mordeu o lábio inferior, hesitante. Mas sabia que Íris estava decidida. Com um gesto, ela se afastou até uma clareira próxima, criando uma cúpula de gelo ao seu redor. Em suas mãos, dois cristais começaram a brilhar: o de gelo, com reflexos azul-prateados, e o segundo, menor, com uma estrutura de quartzo esbranquiçado a essência do corpo especial que acabara de despertar.

Ela sentou-se, respirou fundo e canalizou a Energia Áurea. O mundo ao redor silenciou.

Enquanto isso, Íris se manteve em guarda. Sua respiração era ritmada, e seus olhos varriam os arredores como os de uma caçadora à espreita. A energia corrompida pressionava seu corpo, e ela sabia que o fogo interior estava prestes a ruir as barreiras que ainda o continham.

O solo estremeceu.

Cinco novas figuras emergiram. Diferentes dos anteriores, vestiam armaduras parcialmente intactas, e em seus olhos brilhava uma luz cruel, consciente. Um deles falava numa língua esquecida, como se invocasse algo.

“Esses… eram cultivadores no auge do Reino Guerreiro”, sussurrou Íris, rosnando.

Ela não esperou.

Em um giro veloz, Usou a Lâmina Cortês da Serpente Branca, uma das técnicas da família Lutharen que criava uma sequência de cortes no ar. Suas adagas brilharam com runas de sangue, e o impacto incendiou um dos zumbis instantaneamente. Mas os outros responderam com velocidade surpreendente.

Uma lança de ossos corroídos passou de raspão, cortando a lateral de sua costela. Íris gemeu, cambaleando, mas sorriu um sorriso feroz.

“Chega de contenção…”

Seus olhos brilharam em dourado. O brasão de uma Fênix surgiu em suas costas, e junto dele, asas translúcidas de fogo se abriram, faiscando no ar. Um grito ancestral rasgou o espaço ao redor.

Do peito de Íris emergiu um círculo dourado envolto por chamas brancas: a manifestação parcial do Corpo da Fênix Celestial.

— Chamas do Alvorecer da Fênix, Seu grito se manifestou através das chamas.

Seu cabelo flutuava em meio às ondas de energia que explodiam de seu núcleo. Ela se moveu como uma estrela cadente, cortando os inimigos com golpes envoltos em chamas que purificavam a corrupção. Cada movimento parecia harmonizar destruição e renascimento.

Minna, dentro da cúpula de gelo, sentiu o impacto.

Ela abriu os olhos, agora prateados com tons de azul profundo. Seus meridianos pulsavam com força renovada. As correntes gélidas em seu corpo haviam se assentado. O cristal especial havia sido consumido com sucesso. Seu corpo agora era um com o Corpo Glacial do Gelo Eterno, um físico raro, capaz de congelar até mesmo a essência do tempo em pequenas áreas.

Com um estalo de dedos, a cúpula de gelo que protegia Minna se estilhaçou em milhares de fragmentos cristalinos. Flocos de neve flutuaram suavemente, dançando no ar pesado e pútrido da caverna como se desafiando a corrupção ao redor. Por um instante, era como se o próprio mundo tivesse congelado para admirar sua presença.

— Íris! — Minna gritou, rompendo a barreira de silêncio com a voz embargada.

A aura ao redor da jovem oscilava violentamente, como brasas prestes a se apagar. Íris estava de joelhos no centro de um círculo de destruição, os corpos de criaturas distorcidas e encrustada em cinzas e gelo. As chamas azuladas que a envolviam se recolhiam pouco a pouco, retornando ao seu peito como se cansadas... ou tristes.

Minna correu até ela e a segurou antes que desabasse. Sentiu a pele da outra fria como gelo recém-formado, mas também carregada com uma energia intensa e bela, como uma flor desabrochando na neve.

— Você devia ter despertado com calma... Murmurou Minna, puxando-a para seus braços, como se quisesse aquecê-la com a própria vida.

Íris esboçou um sorriso fraco, seus lábios tremendo levemente, os cílios úmidos de suor e orvalho congelado.

— Minna... será que você pode parar de me chamar de "Srta."? Disse, ofegante. — Além disso... poderia se afastar um pouco? Acho que vou morrer congelada... terminou com uma risadinha fraca, brincando com a própria situação.

Minna arfou, surpresa. Depois abaixou a cabeça, envergonhada, mas com um pequeno sorriso no canto dos lábios.

— Certo, Íris... falou com ênfase no nome. — Mas só porque você quase morreu me protegendo. Isso me dá o direito de chamá-la sem formalidade.

Íris deu uma risada baixa, ainda apoiada nos braços da outra. — Ah, então é assim que funciona agora? Me arriscar por você vira licença pra me tratar como igual?

— Não. Minna olhou para ela, mais firme. — Isso é o que você se tornou pra mim agora: alguém importante. Uma... amiga.

Por um instante, nenhuma das duas falou. O som distante de estalidos nas raízes e nas paredes do labirinto parecia ecoar como o suspiro de uma entidade antiga. Mas naquele canto da escuridão, envoltas por cristais de gelo e brasas tímidas, havia algo mais forte que o medo: cumplicidade.

Íris olhou para Minna com olhos brilhantes, cansados, mas vivos. — Obrigada por me proteger antes... na Zona Predatória. Você não precisava fazer aquilo. Mesmo sabendo que...

— Mesmo sabendo que talvez eu te odeie um pouquinho por estar no coração do meu mestre? Minna interrompeu com um meio sorriso, afiado e sincero.

Íris corou levemente, surpresa com a franqueza. — Eu...

— Relaxe. Minna ajeitou uma mecha de cabelo da outra com delicadeza. — Eu pensei que te odiava. Mas, depois de te ver lutar. De ver você rir, chorar, duvidar e ainda assim levantar por mim... percebi que não. Que não é esse tipo de sentimento. Eu tenho ciúmes, sim. Mas não de você... e sim da força que você mostrou quando estava fraca.

— Isso é... — Íris começou, emocionada.

— É burrice. Mas também é humano. — Minna suspirou, ajudando-a a se sentar melhor. — E acho que estamos começando a nos entender.

Ambas sorriram. Dessa vez, não havia tensão, apenas calor. Íris estendeu a mão, ainda trêmula. Minna hesitou, então entrelaçou os dedos com os dela.

Ali, naquele instante entre brasas e cristais, entre o orgulho e o medo, as duas jovens selavam algo que ainda não sabiam nomear mas que já era real. Companheirismo. Aliança. Amizade.

E talvez... irmandade.

O teto da caverna tremeu levemente, como se o próprio labirinto reconhecesse o laço recém-formado. Mas sob as pedras e raízes escuras, algo que esperava.

E algo dentro do solo corrompido... as observava.