Após derrotar a planta abissal, Dário caminhava entre raízes retorcidas e corredores escuros do labirinto subterrâneo de Vel’Ryn. O solo parecia respirar sob seus pés pequenos pulsos ritmados reverberavam como batimentos cardíacos de uma entidade adormecida, viva, consciente. Não era apenas a pressão da profundidade ou a instabilidade do terreno. Era algo mais. Algo que observava.
Ele mantinha os sentidos aguçados. O Fragmento do Mapa flutuava em sua mão, emitindo um brilho âmbar pulsante. Estava mais ativo do que antes, indicando proximidade de algum ponto relevante. Talvez um altar, um santuário, ou um dos tais portões que os guardiões haviam mencionado. Cada passo o levava mais fundo na serpente viva que era Vel’Ryn, e cada curva podia ser tanto uma oportunidade quanto uma armadilha.
A trilha o conduziu até uma abertura ampla, uma câmara natural, circular, onde estalactites formavam lanças de pedra no teto e fungos de bioluminescência lilás pintavam as paredes com um brilho etéreo. A umidade grudava à pele como uma névoa espessa, e o ar era carregado de energia residual, como se algo ou alguém já tivesse estado ali há pouco.
Foi então que os sons surgiram.
— ...com aquele último selo, poderemos atravessar o Portão Especial. Os outros estão distraídos com aquela maldita Zona Predatória. disse uma voz masculina, abafada, mas audível. O tom era impaciente, quase arrogante.
— É melhor nos apressarmos. Alguém já ativou fragmentos próximos. Se for um cultivador forte ou uma equipe... não podemos correr riscos. respondeu uma voz feminina, com um leve sotaque das regiões costeiras. Tensa, cuidadosa.
— Não se preocupe tanto. A maioria ainda nem saiu da Zona Predatória. E, se saíram, devem estar perdidos no labirinto. Tivemos sorte de sermos levados próximos uns dos outros. completou o primeiro.
— É verdade. murmurou o terceiro. — O labirinto é enorme. Quase todos ou caíram na Zona Predatória, ou ainda estão se recuperando daquele lugar maldito. E mesmo que venham... é só a gente se juntar e matá-los como fizemos com aquela garota.
Dário se ocultou entre duas pedras cobertas por musgos que pulsavam em sincronia com o ambiente. Suprimiu sua presença, como Garron lhe ensinou, reduzindo sua Energia Áurea a um fio tênue. Suas pupilas se estreitaram, atentos a cada detalhe.
Três jovens estavam reunidos no centro da câmara. Dois homens e uma mulher, todos no mínimo no nível Guerreiro Marcial 4 ou 5. Um deles segurava um fragmento do mapa semelhante ao seu. O segundo examinava inscrições no solo, aparentemente um selo ancestral. A mulher parecia desconfortável, lançando olhares para os cantos como se esperasse algo ou alguém.
Dário prendeu a respiração, sentindo algo familiar no ar. Não apenas o cheiro metálico da energia acumulada ou do musgo pulsante. Havia uma presença. Como a sua. Oculta.
"Eles estão perto de abrir o Portão. E estão dispostos a matar para isso...", Dário pensou.
Foi então que sentiu. Uma quarta presença. Oculta. Sutil. Quase em uníssono com o ambiente, mas ainda distinta. Como ele... ou talvez melhor.
Antes que pudesse identificar, o ataque veio.
Uma rajada prateada cortou o ar como névoa afiada. A mulher caiu sem emitir som apenas o baque seco do corpo tocando a pedra úmida. Em seguida, uma estaca de luz envolta por flores sombrias perfurou o peito do homem com o mapa. O terceiro tentou reagir, mas paralisou antes mesmo de erguer a mão.
A assassina emergiu das sombras como uma pintura viva de morte silenciosa. Cabelos esverdeados, olhos prateados com reflexos violeta. Serena. Fria. Letal.
Dário recuou ligeiramente, chocado com a velocidade e precisão. Seus dedos instintivamente se moveram em direção ao fluxo interno de sua Energia Áurea. Mas antes que pudesse agir, ela parou. E olhou. Diretamente para ele.
— Pode sair. disse ela, com uma voz serena demais para o cenário. — Eu já te vi. Sua respiração se iguala à do labirinto... mas seu cheiro é diferente.
Dário se ergueu devagar. Braços levemente erguidos, sorriso enviesado.
— Encantador. Estava me perguntando se você era só bela... ou também mortalmente eficiente.
Ela não respondeu de imediato. Os olhos prateados com tons de violeta o estudavam como uma lâmina estuda a superfície que irá cortar.
— E você? É só curioso... ou pretende me seguir como uma sombra falante?
— Eu prefiro pensar que estava coletando informações antes de decidir se seria o herói, o vilão ou o espectador da cena. Respondeu, lançando um olhar aos corpos. — Mas você resolveu tudo sozinha. Com... eficiência questionável.
Ele lançou um olhar aos corpos. A mulher ainda tinha os olhos abertos, em choque eterno. O sangue escorria como tinta sobre o símbolo do selo.
Ela não se incomodou com o comentário. Apenas o encarava, como se medisse sua densidade, não suas palavras.
Dário ativou os Olhos do Vilão Supremo, discretamente.
> [Alvo: ??? – Perfil Bloqueado]
[Artefato de Encobrimento Ativado: “Máscara dos Véus Quebrados”]
Nível do Artefato: Sagrado
Detecção de Energia Áurea negada.
Reino Marcial: Oculto. Corpo Especial: Oculto.
Seu sorriso vacilou por um instante. Um artefato de nível Sagrado, capaz de ocultar até mesmo seu sistema. Aquilo não era comum. Não era barato. E não era casual.
— Interessante... Já te disseram que você é linda?
Ela, enfim, sorriu. Um leve arqueamento de lábios. Nem aprovação, nem sarcasmo. Apenas controle.
— E você, já disseram que é mais barulhento do que aparenta? Rebateu ela. — Não finja surpresa. Você notou que eu estava aqui.
Dário manteve o sorriso, mas internamente ajustava suas estratégias. Ela não era apenas poderosa. Era metódica. Estava dois ou três passos à frente.
— Já que estamos nesse teatrinho de sinceridade parcial... disse, cruzando os braços — Que tal uma proposta? Há um Portão Especial nesta região. Tesouros, habilidades... talvez algumas respostas. Que tal irmos juntos?
Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos.
— Eu sei sobre o portão. Sei também que ele exige no mínimo quatro portadores de fragmentos sincronizados para abrir. Você é o segundo que aparece. Faltam dois.
Ela sabia mais do que ele. Talvez estivesse na câmara há mais tempo. Talvez soubesse de sua presença desde que chegou aqui ou antes disso. Dário sentiu-se nu.
Dário disfarçou a surpresa. "Ela sabe demais. Não vai ser fácil lidar com ela." Suspirou interiormente
Ele então olha para ela e questiona.
— Então por que matou os outros três?
Ela não respondeu. Apenas se agachou diante dos corpos. Seus dedos tocaram um pingente em forma de pétala dourada no pescoço da mulher morta. Por um instante, seus olhos tremeram. Depois, voltaram à sua calma glacial.
Dário compreendeu. Aquilo não foi apenas execução. Sem motivos. Foi por justiça, por Vingança.
Alguém importante para ela, talvez uma amiga, irmã ou companheira de treino havia sido traída e morta. Os corpos não foram apenas eliminados. Foram julgados.
Ele então perguntou, em voz mais baixa:
— Qual é o seu nome? O meu é Dário. Dário se apresentou dando uma reverência nobre, mas um pouco cômica.
Ela hesitou. Então se afastou, caminhando até um canto da câmara. Antes de se sentar, murmurou:
— Elyra...
Sentou-se de pernas cruzadas, fechando os olhos. Sua presença se fundiu à do labirinto. Era como se a própria Vel’Ryn respirasse com ela.
Dário a observou por alguns segundos, avaliando cada gesto. Depois, assentiu. Caminhou até o lado oposto da câmara e se sentou, replicando a postura. Não era uma aliança. Era o reconhecimento de espaço mútuo.
O silêncio caiu novamente sobre a área onde os dois se encontravam.
E nas entranhas do labirinto, a presença de Elyra, a Flor entre as Sombras, pareceu suspirar... como se uma nova pétala tivesse se aberto.