"Eles chamam de assassinato.
Eu chamo de liberdade.
Nevain diz que sou especial. E ele nunca mente."
Fico parada diante do quadro de seleção de vítimas, os dedos ainda sujos com o sangue dos impertinentes que matei, tocando delicadamente as fotos do meu próximo alvo. Cada rosto carrega uma história. Cada história, um motivo. Mas hoje sinto algo diferente. Um pressentimento ruim... Não gosto de decisões apressadas. Não combinam comigo.
— Qual vai ser a vítima de hoje, Cassie? — A voz de Nevain soa atrás de mim, suave e provocadora, como sempre. Eu sabia que ele estava ali. Ele sempre está ali.
A presença dele me cerca como uma sombra. Familiar. Constante. Às vezes, parece até... real demais.
Não me viro. Só balanço a cabeça levemente, recusando-me a dar uma resposta direta. — Não sou boa com escolhas, Nevain.
A risada dele corta o silêncio como uma lâmina afiada. — Às vezes, a escolha não precisa ser feita. Basta deixar acontecer. Você sabe... está chegando a hora de mais alguém morrer.
Fecho os olhos por um instante. Tentar me concentrar com Nevain por perto é como tentar respirar debaixo d'água. Ele me entende de um jeito que chega a ser incômodo. Mas viciante.
Sinto seus passos silenciosos se aproximarem, até sua respiração tocar meu pescoço. Quente, precisa. Mas não me sinto invadida. Não com ele.
— Apostaria no da terceira linha. Parece o tipo que te daria prazer em destruí-lo — sussurra.
Meus olhos se estreitam ao encarar a foto do homem. Moreno, cabelo cacheado, feio e orgulhoso. Um sorriso frio surge nos meus lábios... Mas algo dentro de mim aperta. Uma fisgada incômoda.
— Nevain, você é tão inteligente... — Digo, quase como uma ironia disfarçada. A frieza na voz dele me tira do eixo. Ele nunca foi assim antes. Ou talvez sempre tenha sido, e agora eu só esteja notando.
Respiro fundo, tentando me libertar da presença sufocante ao meu redor. Um suspiro escapa — não de alívio, mas de tensão.
Me viro para encará-lo. Tudo nele continua como sempre: o uniforme escolar ainda sujo de sangue, o olhar afiado me analisando. Ele provavelmente se pergunta por que hesito. Por que penso tanto.
— Estou bem, Nevain. Joy ainda está de guarda? Chama ele. Faz tempo que não o levo para caçar.
Ele acena e caminha até a porta. O observo desaparecer na escuridão da sala. Algo dentro de mim grita que há algo errado. Mas talvez seja só coisa da minha cabeça. Talvez.
Volto minha atenção ao quadro. O próximo alvo me encara em silêncio. Seu rosto irritantemente convencido parece implorar por uma sessão de tortura bem-feita. Meus dedos coçam.
Um som me distrai — murmúrios abafados atrás de mim. Me viro. A TV está ligada. A luz azulada do aparelho banha meu rosto e me incomoda de imediato. O repórter fala rápido, como se tentasse salvar quem ainda está por aí.
— Uma série de crimes vem chocando a sociedade. Hoje, nesta noite, um rapaz de 25 anos foi morto brutalmente e pedaços de seus membros foram deixados em frente ao portão da família. A arma do crime ainda não foi encontrada...
Reconheço o local na filmagem. Estive lá há poucas horas. O corpo? Era dele mesmo. O que desfigurei com tanto cuidado. A arte do caos.
Solto um riso baixo. Como podem chamar aquilo de "aterrorizante"? Eu estava tão... feliz.
Caminho até a TV e pressiono o botão de desligar. A escuridão toma conta da sala, iluminada apenas pelas chamas das velas. Muito mais relaxante.
Respiro fundo. A sala — fria, silenciosa, estranha — me acolhe como um velho abrigo. Amanda costuma dizer que esse cômodo é esquisito, que parece morto. Mas é por isso mesmo que eu gosto dele. Porque parece comigo.
Me aproximo da porta. O toque da maçaneta mancha o metal com o sangue ainda fresco em minha mão. A luz do outro lado da porta é forte demais. Quando a abro, ela me atinge como uma facada nos olhos. Mas eu não hesito. Saio da sala, ignorando a dor, e sigo em direção ao quintal. Joy deve estar lá.
Caminho pelo corredor, ouvindo o rangido da madeira sob meus pés. Os quadros nas paredes me encaram com imagens distorcidas — visões que ninguém mais vê. Mas não perco tempo com eles. Avanço. Cada passo mais certo que o anterior.
Ao chegar às escadas, desço com calma. O som agudo dos degraus parece uma música para quem sabe ouvir. Quando abro a porta do quintal, o vento frio me envolve como um abraço.
— Joy! Cadê o bebê da mamãe? Hein, Joy!? — Chamar assim me deixa desconfortável, mas ele é um garoto teimoso.
E ele responde. Joy surge ao longe, como um raio em noite sem lua. Seu corpo forte corta a grama, olhos brilhando com ferocidade e alegria. É intimidador. É lindo.
Ele para diante de mim, ofegante e animado. Acaricio seus pelos, sentindo a maciez contrastar com a selvageria dele.
— Vamos caçar, Joy? Que tal se divertir um pouco?
Ele late, empolgado.
Derrepente a voz de Amanda surge na escuta em meu ouvido...
— Joseph Declan. Um completo babaca. Agrediu um adolescente autista e fugiu. Já tem passagens por roubo, extorsão, assédio... E é um drogado sem controle. Divirta-se, Cassie. — Amanda passa as informações rapidamente, enquanto me mantêm informada de seus crimes mais recentes.
— Obrigada por isso, Amanda. Vou me certificar de fazer valer cada segundo.