Traído pelo Sangue~
A primeira coisa que notei foi o frio.
Não era como o frio normal da noite, nem como o frio que você sentiria em um dia chuvoso. Não, esse frio penetrava em meus ossos, como o próprio sopro da morte. O som de água corrente enchia meus ouvidos e, quando abri os olhos, as linhas borradas me fizeram piscar.
Por um longo momento, pensei que ainda estava caindo. Meu corpo parecia suspenso no ar. Meu corpo doía — cada movimento enviando dores agudas pelo meu abdômen e membros, e eu nem tinha me movido ainda. Me forcei a olhar ao redor, apenas para descobrir que estava perto de um rio.
O rio. Eu tinha caído em um rio.
Levantei minha mão até meu rosto, sentindo a umidade da minha pele. Meu cabelo grudava em mim, emaranhado e pesado com água. Cada centímetro do meu corpo parecia machucado. Cerrei os dentes, forçando meu corpo a cooperar comigo.
Tentei me levantar. Meu estômago latejava onde tinha sido esfaqueada. Foi só então que percebi como tudo estava quieto. Sem guardas me perseguindo. Sem o rosto do Tio Hugh pairando sobre mim. Apenas o som da água correndo, rápido demais para eu acompanhar. A última coisa que me lembrava era do penhasco, do ar frio e do meu grito.
Mas agora, eu estava... em outro lugar. Um lugar completamente diferente. Por um momento, o pânico surgiu em meu peito. Onde estou? O pensamento ecoou em minha mente. Olhei para o ferimento em meu estômago, onde o sangue havia começado a coagular ao redor da facada. Não era tão profundo quanto parecia no início. Pressionei minha mão contra ele, rangendo os dentes contra a ardência. Como eu poderia ter sobrevivido a isso?
Me forcei a ficar de pé, tropeçando no início mas recuperei o equilíbrio. Olhei ao redor, mas ainda estava na floresta, só que não era tão densa quanto a de casa. Casa. Estremeci internamente ao pensar em minha casa. Eu não tinha mais uma agora. Não depois de ser traída por aqueles que considerava família. As palavras do Tio Hugh ecoaram em meus ouvidos novamente. Ele assassinou meus pais e agora herdará tudo que me pertence. Quão cruel a deusa pode ser comigo?
Suspirei alto, me contorcendo quando o ferimento em meu estômago ardeu. Olhei ao redor novamente, me perguntando onde exatamente eu estava. O ar tinha um cheiro diferente aqui, como se eu estivesse em uma terra completamente nova. Mas onde?
Caminhei pela floresta pelo que pareceram horas, talvez até um dia. Meu estômago revirando. Eu estava ficando mais fraca a cada segundo que passava, e ainda assim não tinha saído da floresta. Era como se não houvesse nenhuma estrada aqui. Eu sentava perto de uma árvore por alguns minutos e então continuava minha caminhada, mastigando folhas aleatórias que via, esperando que não fossem venenosas.
Finalmente, encontrei um pequeno riacho. A visão da água clara e corrente parecia um milagre. Me ajoelhei, juntando as mãos para beber a água fria. Soltei um suspiro trêmulo, meus ossos tremendo de exaustão. Mal tinha bebido o suficiente quando ouvi.
"Ei! Você aí!" Uma voz profunda gritou para mim, e eu congelei, meu coração batendo forte no peito. Fechei os olhos com força, esperando com todas as minhas forças que isso não fosse a fronteira de alguma alcateia.
Olhei para cima para ver figuras se movendo entre as árvores. Suas vozes ficaram mais claras conforme se aproximavam. "O que você está fazendo aqui? Quem é você? Declare seu propósito," o homem rosnou.
"Me desculpe... eu estava com sede," consegui dizer com voz rouca.
Um dos guardas se aproximou, suas sobrancelhas arqueadas enquanto me olhava. "Uma desonesta ou uma espiã?" ele disparou para mim.
Uma desonesta? Eu realmente comecei a parecer com aqueles selvagens?
"Olhe para ela," outro murmurou. "Ela está ferida. Como ela poderia ser uma espiã?"
"E espiãs não podem estar feridas? O Alfa Cain tem muitos inimigos. Ela pode ter sido enviada disfarçada. Aposto que esse ferimento também é falso," o terceiro disse.
Se eu estivesse em meu estado normal, estaria zombando desses três em minha mente.
"Não sou uma espiã. Eu só estava com sede e vim beber água. Me desculpe, mas vou seguir meu caminho agora," respondi e me levantei para sair, apenas para ter um deles agarrando meu braço com força.
"Onde você pensa que vai? Você percebe onde está? Você está no bando Vehiron," o guarda cuspiu.
Meus olhos se arregalaram com suas palavras. Como isso é possível? Como eu poderia ter chegado ao sul vindo do leste? E ainda por cima no bando Vehiron?
"Você vem conosco. Ninguém entra em Vehiron e sai sem a permissão do Alfa Cain," o guarda rangeu os dentes.
Engoli em seco, o pânico aumentando em meu peito. Bando Vehiron. Eu tinha ouvido o nome em sussurros. A alcateia governada por um alfa impiedoso. As histórias que ouvi sobre ele eram arrepiantes. Um homem que matava seus inimigos sem misericórdia. Um homem que assassinou seu próprio pai.
"P-Por favor, não quero problemas," minha voz tremeu, tentando libertar meu braço. "Só preciso encontrar meu caminho de volta."
"Você não vai a lugar nenhum," o guarda rosnou, apertando ainda mais. "O alfa decidirá o que acontece com você." Ele rangeu os dentes e me empurrou para andar.
Finalmente, chegamos ao local, e lá estava ele. Os guardas me empurraram rudemente para o chão.
Minha respiração falhou no momento em que pousei os olhos no homem. Alfa Cain. Ele estava sentado no que parecia ser um trono de madeira? Os próprios olhos do homem pousaram em mim, e vi algo brilhar em seu olhar.
Minha respiração ficou presa enquanto o observava. Alfa Cain era um homem alto com ombros largos. Cabelos escuros caíam soltos ao redor de seu rosto, e uma sombra de barba em seu maxilar lhe dava um aspecto rústico. Seus olhos, porém, eram algo diferente. Olhos verdes penetrantes que me cativaram.
"Alfa Cain," um dos guardas disse, apertando meu braço um pouco mais forte como se para garantir que eu não fugiria. "Nós a encontramos na borda da fronteira. Ela alega que está apenas de passagem, mas achamos melhor trazê-la até você." Ele disse, estufando o peito com orgulho.
O olhar do Alfa Cain era intenso, quase como se estivesse vasculhando minha alma. Tentei desviar o olhar, evitar a atração de seu olhar, mas meus olhos se fixaram nos dele. Sua expressão era ilegível, seu rosto como pedra, mas aqueles olhos...
E então, ele se levantou. Deu um único passo à frente, seus olhos nunca deixando os meus. Seus lábios se partiram, e uma única palavra saiu, baixa e profunda.
"Companheira."