O Âmbar Das Sombras

O eco dos passos de Thanatos Protocol ressoava com uma cadência quase ritualística no amplo corredor da base oculta. O chão de concreto bruto vibrava levemente com cada impacto, como se toda a estrutura pudesse sentir a presença daquele ser. As paredes, revestidas com um metal frio e gastado pelo tempo, refletiam o som em ondas que se chocavam contra as colunas metálicas, criando uma sinfonia mecânica que preenchia o espaço com um tom grave e sinistro.

Thanatos avançava em silêncio quase absoluto, como uma sombra viva deslizando por entre os escombros da antiga instalação militar. A máscara que cobria seu rosto, moldada no formato ameaçador de um crânio, era ao mesmo tempo seu emblema e escudo, com olhos que brilhavam em um âmbar intenso e pulsante, parecendo janelas para uma alma dilacerada, ou talvez para uma máquina programada para matar.

Seraphina o observava em pé, imóvel como uma estátua viva, seus olhos aguçados fixos no oponente. Ela absorvia cada pequeno detalhe: a maneira como seus ombros se moviam ligeiramente antes de cada passo, o leve tremor que percorria seu braço quando preparava o próximo ataque, o som abafado do ar que escapava de sua respiração sob a máscara. Não era um amador, podia sentir isso em cada fibra do seu corpo. Alguém que já tinha visto a morte de perto, e que já a havia imposto a outros.

Seu coração não batia acelerado, pelo menos não externamente. Por dentro, porém, cada batida parecia marcada no compasso dos passos do inimigo, como um relógio mortal contando o tempo até o início do combate.

O silêncio foi quebrado pelo ranger agudo do concreto sob o impacto do primeiro movimento. Thanatos avançou com uma estocada brutal, as garras metálicas à frente mirando diretamente a garganta de Seraphina com uma precisão cirúrgica. A lâmina dos seus dedos de aço parecia um raio, prestes a dilacerar a carne e os vasos sanguíneos mais vitais.

Seraphina inclinou a cabeça para o lado no último instante possível, desviando por uma fração de segundo que poderia ter sido fatal. Seu corpo se moveu com a graça letal de uma predadora, evitando o ataque com uma agilidade quase sobre-humana. A poucos milímetros do contato, ela contra-atacou com um gancho ascendente, um golpe rápido, explosivo, que explodiu contra a armadura de Thanatos.

O impacto produziu uma chuva de faíscas que voaram para todos os lados, iluminando a penumbra da sala com pequenos brilhos dourados e vermelhos. O som do metal contra metal era ensurdecedor e agudo, reverberando pela base como o rugido de um trovão contido.

Seraphina deu um passo para trás, os olhos semicerrados, avaliando seu adversário. Um leve cheiro metálico impregnava o ar, um aroma quase imperceptível, mas que saltava para sua mente treinada, uma marca registrada.

Era titânio. Reforçado, personalizado, uma liga rara usada em armaduras de alta tecnologia, capazes de suportar ataques violentos e ainda assim manter a mobilidade. Isso significava uma coisa: Thanatos não era um mercenário qualquer que ela pudesse despachar facilmente. Ele tinha patrocínio, acesso a equipamentos avançados, e, pelo jeito, habilidades suficientes para justificar tudo isso.

Seraphina deslizou para o lado com um movimento fluido e calculado, esquivando-se de uma sequência rápida de ataques. Thanatos desferia golpes com garras afiadas como navalhas, tentando dilacerar e desequilibrar. Mas ela contra-atacava com uma combinação feroz: cotoveladas diretas, chutes circulares que varriam o ar com força e socos curtos e precisos. Seu estilo era brutal e direto, uma mistura letal de Muay Thai com a imprevisibilidade selvagem do Rough and Tumble, uma arte marcial de rua que exigia coragem e agressividade.

Enquanto lutava, Seraphina começava a perceber padrões nos movimentos do inimigo. Um leve atraso em certos golpes, uma repetição quase imperceptível na sequência de ataques. Cada esquiva, cada impacto, despertava flashes em sua mente. Memórias? Não, não eram suas. Eram dados, informações adquiridas em missões passadas, fragmentos de arquivos secretos.

“Echo compilou uma lista de hostis de classe D até S... Vilões com habilidades únicas, escondidos, contratados por grupos obscuros...” A voz de Echo, na comunicação mental, vinha clara e firme em sua cabeça, um lembrete constante da complexidade da missão.

Então, algo estalou dentro dela. Um lampejo de reconhecimento, uma conexão súbita. Ela arregalou os olhos, os músculos tensos, quase congelando por um instante. “Esse padrão de ataque... eu já vi antes.”

Thanatos não esperou. Investiu novamente, dessa vez com uma técnica mais refinada. Ele agachou-se, impulsionando-se com a mão livre no chão, e girou com um ataque cruzado vindo de cima, as garras afiadas mirando desferir um golpe mortal.

Seraphina usou os antebraços para um bloqueio firme em forma de escudo, o som do metal ao metal reverberando como uma explosão contida. A força do impacto a lançou para trás, obrigando-a a saltar para ganhar distância.

Respirava fundo, o suor escorrendo pela têmpora, o rosto marcado por uma concentração intensa. Ela sabia que aquele não era um confronto comum, era uma batalha mental, física e estratégica, uma luta onde cada erro poderia ser fatal.

Ela recuou alguns passos, não por medo, mas para ganhar tempo para análise. Em sua mente, várias informações se misturavam, formando um quebra-cabeça complexo.

Thanatos Protocol, nome de código, uma identidade criada para espalhar terror. Mas o homem por trás da máscara era muito mais do que isso.

‘Nome real: desconhecido. Vilão de classe C. Ex-executor do Governo de Moscou. Desaparecido há sete anos após eliminar sua própria equipe de infiltração...’ E então a ficha caiu. Um estalo mental, como se todas as peças finalmente se encaixassem. Ela o reconheceu.

“Eu sei quem você é,” disse Seraphina, com uma voz firme e cortante, limpando o sangue do canto dos lábios com o dorso da mão. O vilão parou, surpreso com a certeza na voz dela. “Você não é só um brutamontes com garras,” continuou, o tom gélido. “Você é Mikhail Drekanov, codinome: Thanatos Protocol.”

O silêncio foi pesado, quase palpável. Os olhos âmbar dele brilharam com uma mistura de surpresa e raiva.

“Ex-soldado do 9º Batalhão de Reconhecimento Russo,” ela prosseguiu, “conhecido por executar ordens sem hesitação... até o dia em que exterminou seus próprios superiores depois de descobrir que seriam usados como moeda de troca.”

Thanatos ficou imóvel por um instante, como se digerisse cada palavra, processando a revelação inesperada. Então, seu corpo pulsou, a aura âmbar irradiando pelas juntas metálicas da armadura.

“Sua EVP é uma forma de indução neural combinada com um exoesqueleto reforçado,” continuou Seraphina, com a voz firme, cada palavra como um golpe. “Você converte a dor em aceleração neuromuscular. Quanto mais dano você sofre, mais rápido e forte você fica.”

No fundo da sala, Ethan arregalou os olhos surpreso. “De onde... você sabe tudo isso?” Seraphina apenas manteve o olhar fixo no inimigo, respondendo com um leve sorriso de desdém. “Seus dados estavam arquivados nos registros da Divisão de Inteligência Avançada. Um grupo que conhece muito bem vilões como ele.”

Ela fez uma pausa dramática, saboreando a ironia do momento. “E, sinceramente, esperava mais.”

Thanatos rosnou, o som distorcido pelo modulador da máscara, uma mistura de raiva e desafio. “Você vai se arrepender de me provocar, garota.”

Seraphina não recuou nem um milímetro. “Você vai se arrepender de me subestimar, seu desgraçado de merda.”

Os dois avançaram simultaneamente. O choque entre seus corpos foi como o impacto de dois titãs. O concreto sob seus pés ruiu com o impacto, rachaduras surgindo em teias que se espalhavam pela superfície, como cicatrizes da batalha.

Seraphina girou com o cotovelo, acertando a têmpora dele com um impacto seco, surdo, que fez Thanatos cambalear. Ela aproveitou o impulso para desferir uma rasteira em arco, derrubando-o momentaneamente.

Mas o adversário não era fácil. Com uma força surpreendente, ele se impulsionou do chão e lançou o peso do corpo sobre ela, tentando imobilizar seus braços com um aperto de ferro.

Seraphina lembrou-se das palavras de Elysian, ecoando como um mantra em sua mente. “Se o adversário for mais forte fisicamente, quebre o ritmo. Não tente vencer na força. Vença na técnica.”

Com a agilidade de uma serpente, ela deslizou o corpo, criando um espaço que forçou um deslocamento na clavícula dele. Com um movimento rápido e brutal, típico do Krav Maga, pressionou o dedão dele contra o pulso, aplicando força suficiente para quebrar o encaixe do osso. Thanatos rugiu em dor, mas não recuou.

Sem perder tempo, Seraphina avançou com uma sequência rápida: socos firmes no abdômen, joelhadas fortes no tórax, e uma cotovelada giratória que fez o inimigo cambalear para trás, colidindo violentamente contra uma pilastra metálica.

Ele sorriu, um sorriso sombrio e cruel que fazia os olhos âmbar brilhar ainda mais. “Agora sim... tá ficando divertido.”

Thanatos Protocol recuperava o equilíbrio com uma rapidez assustadora. Seu corpo arqueava, absorvendo o impacto, enquanto uma aura de energia âmbar começava a pulsar ao seu redor. Faíscas de luz percorriam as articulações metálicas do exoesqueleto, como pequenos relâmpagos elétricos que anunciavam a tempestade que estava por vir.

“Você não entendeu nada...” murmurou, a voz distorcida pelo modulador. “Lutar comigo no mano a mano é suicídio.”

O ar ao redor dele tornou-se denso, quase sufocante, vibrando com uma energia invisível, mas palpável. “Meu EVP não é como o dos outros. É instável, agressivo, e completamente adaptado ao campo de batalha.”

O chão estremeceu com um som baixo e profundo, como se a própria base se rebelasse contra a presença daquele monstro.

A armadura de Thanatos começou a vibrar violentamente, enquanto uma aura de energia âmbar se expandia a sua volta, formando um choque térmico invisível que fazia o ar parecer ondular como o calor sobre uma estrada de verão.

“Classificação média de EVP, mas com uma especialização única,” explicou Seraphina em voz baixa, quase para si mesma, como se tentasse decifrar um enigma.

Thanatos ergueu os braços lentamente, em um gesto ameaçador. “Força retroativa neural.”

Sua voz tornou-se grave, animalesca, carregada de fúria. “Quanto mais dano recebo, mais rápido, forte e resistente me torno. Cada ferimento meu... se converte em vantagem.”

Thanatos continuou com um olhar repleto de intenção assasina. “Dor é o combustível do meu poder. E agora, menina... eu estou em chamas.” Ethan, ao fundo, se colocou em guarda, pronto para agir se algo saísse do controle.

Mas Seraphina permaneceu firme, o corpo ligeiramente inclinado para frente, mãos cerradas em punhos. Seus olhos afiados como lâminas fixos no inimigo. E então, algo mudou. Um sorriso frio, cortante, brotou em seu rosto.

“Se eu usasse tudo de mim...” Pensou, enquanto um lampejo dourado cintilava brevemente sob o disfarce, um vislumbre de sua verdadeira energia. “esse sujeito seria tão frágil quanto um lápis velho.”

Thanatos correu com uma velocidade que parecia rasgar o ar ao redor, a aura âmbar se intensificando como uma chama viva. Seraphina não se moveu. Ela sabia que desviar seria desperdiçar energia.

O ataque veio forte, direto, brutal, mirando o tórax dela como um martelo que iria esmagar qualquer resistência. Mas ela não desviou. No instante final, seu punho direito se fechou de um jeito diferente. A respiração cessou por um segundo, o tempo pareceu congelar.

Ela concentrou sua EVP não em explosão, mas em precisão absoluta. Sua mão relampejou com um brilho branco opaco, quase invisível para olhos comuns, um movimento seco, sem espetáculo, mas devastador.

O soco atingiu exatamente entre a terceira e a quarta costela do lado esquerdo, em um ponto vital. Thanatos travou. Seu corpo ficou rígido, como uma máquina cujos circuitos foram cortados abruptamente. Ele tentou puxar o ar, mas o som que saiu foi um silvo abafado, rouco.

“Pulmão esquerdo... paralisado.” sussurrou Seraphina com precisão cirúrgica. “E o direito está prestes a colapsar também, se você tentar forçar a respiração com o auxílio neural.” Thanatos caiu de joelhos, tossindo sangue escarlate que manchava o chão escuro.

A máscara, já rachada, se fragmentava ainda mais, como um reflexo da fragilidade escondida sob a armadura. Antes que ele pudesse reagir, Seraphina se moveu como uma sombra, rápida demais para os olhos normais acompanharem.

Com um giro elegante, sua mão deslizou pelas costas de Ethan, que nem percebeu até ser tarde demais. Ela puxou a pistola que ele sempre carregava no coldre interno da jaqueta, uma arma compacta, mas precisa.

Thanatos ergueu os olhos para ela, tentando buscar alguma réstia de esperança. Mas antes que pudesse agir, dois tiros certeiros atingiram o ombro direito, exatamente na conexão que controlava o movimento, e o joelho esquerdo.

As ligações neurais nas articulações foram destruídas com uma precisão cirúrgica, sem matar, mas deixando-o devastado. Thanatos tombou no chão, caído como um titereiro que perdeu o controle dos fios.

Ethan permaneceu imóvel, olhos arregalados, incapaz de reagir enquanto o corpo imenso do vilão convulsionava como um peixe fora d’água.

Seraphina andou lentamente até ele, agora completamente paralisado, encarando-o com um olhar frio e determinado. “As suas ligações neurais foram desativadas,” afirmou, abaixando-se para ficar na mesma altura do inimigo, olhos cravados nos dele.

“Os canais de sangue nos membros inferiores e superiores estão inutilizáveis.” Ela fez uma pausa para deixar a mensagem cair pesada. “Se a Ordem quiser fazer perguntas, ele vai responder... mesmo que babando em um tubo de respiração.”

Thanatos tentou abrir a boca para articular algo, mas nenhum som saiu. Seraphina virou o rosto para o lado, limpando o sangue da bochecha com a manga.

Ethan engoliu seco, ainda atônito. “Você fez isso com um único golpe preciso... e depois atirou como se estivesse derrubando alvos de papel...” comentou.

Seraphina lançou um olhar cortante para ele. “Eu disse que os soldados do exército eram patéticos,” respondeu com ironia cruel. “E você devia agradecer por não ser o próximo alvo.”

Ethan levantou as mãos em sinal de rendição. “Okay, okay... estou do seu lado, tenente-marechal.”

Ela bufou, uma risada amarga escapando. “Não me chame assim. Eu matei aquela patente junto com metade da minha alma naquela guerra.”

Um silêncio estranho caiu entre eles, pesado como um véu de chumbo. Thanatos ainda agonizava atrás, imóvel e impotente.

Seraphina caminhou até os documentos que haviam sido largados no início do combate. Suas mãos tremeram levemente ao reler os papéis manchados de sangue.

Havia nomes demais. Palavras demais. E, entre elas, duas frases em vermelho pulsavam como sinos de condenação, vibrando com uma energia ameaçadora.

OPERAÇÃO LIMIAR FINAL Alvos: REMANESCENTES DAS RUÍNAS E ORDEM DE ÉREBO

Ela estreitou os olhos, seu pensamento se dirigindo imediatamente a Elysian. Ele. Com sua mente afiada como lâmina, precisava saber disso para pensar em contramedidas eficazes. Mas naquele momento, não era hora de revelar tudo. “Ethan, pegue o comunicador,” ordenou, a voz firme.

“Precisamos extrair isso para os superiores da Ordem. E Thanatos...” Ela fez uma pausa. “Vai ser levado. E se sobreviver ao trauma... talvez fale.”

Seraphina se virou para a saída da base, seus passos firmes e decididos ecoando novamente pelo corredor.

Antes de atravessar a porta, lançou um último olhar para o vilão caído. Um lampejo de desprezo cruzou seu rosto. “Vilões como você adoram brincar com a dor,” disse com desprezo. “Mas não sabem o que é viver com ela.” E saiu.

Seus passos firmes desaparecendo na escuridão, deixando para trás a certeza de que o mundo lá fora ainda tinha muito mais a temer do que aquele monstro caído dentro daquela base esquecida