Os invernos em Vernhollow não eram brandos. A neve caía sem trégua, cobrindo os telhados de palha e as trilhas de pedra com um manto espesso e silencioso. Era uma vila onde o tempo parecia dormir, onde as pessoas viviam com pouco, e falavam ainda menos.
Lior já tinha doze invernos. Embora seus cabelos castanhos e olhos dourados o fizessem parecer apenas mais um garoto da aldeia, havia algo em seu silêncio que incomodava os outros. Os mais velhos diziam que ele “ouvia coisas”. As crianças o evitavam. E Mila, sua mãe, embora sempre sorrisse, carregava nos olhos o peso de muitos segredos.
Certa manhã, Lior acordou com o som de vozes que ninguém mais ouvia. Um sussurro frio, vindo do bosque além das colinas congeladas.
— Venha... Lior... desperte...
Ele se sentou na cama, respirando com dificuldade. O símbolo em seu peito — aquele que ninguém mais via — ardia em um brilho tênue. Ao olhar pela janela, viu uma figura de manto branco parada à beira da floresta.
Sem pensar, vestiu o casaco grosso de lã, pegou sua adaga de caça e saiu em silêncio, atravessando a neve como um vulto.
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No bosque, os galhos nus pareciam ossos retorcidos. A figura havia sumido, mas os sussurros continuavam, agora mais intensos, como se o vento falasse uma língua esquecida.
Lior seguiu até uma clareira onde, no centro, havia uma pedra antiga coberta de gelo. Ela pulsava com um brilho azulado, e runas circulavam ao redor como pequenos vaga-lumes.
Ao tocá-la, uma onda de energia o envolveu. O chão sumiu. O céu girou. E de repente, ele estava... em outro lugar.
Uma sala circular, repleta de espelhos flutuantes. Cada espelho mostrava uma cena: batalhas antigas, magos caídos, torres queimando, dragões voando entre nuvens negras.
Uma voz soou atrás dele:
— Finalmente acordou.
Lior se virou. Uma mulher encapuzada, com olhos prateados e pele tão pálida quanto a neve. Ela o observava com um misto de compaixão e urgência.
— Você tem menos tempo do que imagina, herdeiro da luz.
— Quem... quem é você? — perguntou ele, o coração disparado.
— Uma sombra da antiga torre... um eco do que foi perdido. Meu nome não importa. O que importa é que eles já sabem. O selo que o protegia está se rompendo.
Ela estendeu a mão e, num lampejo de magia, colocou algo em sua palma: um pequeno cristal envolto por uma runa flamejante.
— Quando a lua ficar vermelha, use isso. E fuja. Você precisa encontrar os Fragmentos da Torre antes deles. Ou tudo será esquecido outra vez.
Lior tentou perguntar mais, mas tudo se dissolveu em luz.
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Acordou deitado na clareira, coberto de neve. A pedra antiga havia sumido.
Ao abrir a mão, o cristal estava lá.
E no céu, entre as nuvens cinzentas... uma tênue lua vermelha já despontava no horizonte.