Fushi girou ligeiramente sua cadeira de rodas para encarar Mabel e Ferme à mesa. A sala estava em silêncio, exceto pelo leve estalar de um relógio pendurado na parede.
Mabel cruzou os braços e foi direta:
— Você sabe o que ocorreu em Umbralis, né?
Fushi não hesitou. Seu olhar por trás das faixas era firme.
— Um tal de Sekai e um tal de True invadiram o local, roubaram alguma coisa da família Netherheart e causaram um estrago considerável. Sim, eu estou a par de tudo isso.
Mabel assentiu com um movimento leve de cabeça, e Ferme manteve o silêncio, apenas observando.
— Mas não é só isso — continuou Fushi, ajustando a posição da cadeira com as mãos. — Sekai e True fazem parte de um grupo criminoso que tem se movimentado de pouco a pouco. Pouca gente sabe os detalhes. Recentemente, esse grupo atacou uma vila nos arredores de Sutheros. Um lugar pacífico, que vivia isolado, cheio de escritas antigas.
Ferme franziu a testa.
— E o que eles queriam lá?
— Roubaram os escritos mais antigos da vila. Queimaram parte do templo. Mas o pior foi o método. Eles usaram uma criança chamada Eren para ganhar a confiança dos moradores, especialmente do ancião da vila, que era seu avô. Quando o velho abaixou a guarda... foi morto de forma covarde. Provavelmente queria descobrir ou entender algo com base nesse artefato.
O silêncio pairou pesado por um instante.
— Sekai e True não estavam diretamente envolvidos nesse ataque — continuou Fushi — mas o grupo ao qual pertencem orquestrou tudo. Isso já diz muito.
— Eles sabiam? — perguntou Mabel, fria.
— Sekai sabia, provavelmente. True... é difícil dizer. Esse garoto parece viver num mundo que só pensa em lutas e glória pelos relatos. De todo modo, estão inseridos demais nisso pra fingirem inocência agora.
Ferme cruzou os braços.
— Como você soube disso?
Fushi soltou uma leve risada pelo nariz.
— Meus informantes não são poucos. Ainda que essa cadeira me limite, meu alcance vai bem longe.
Mabel se recostou, pensativa.
— Então... eles não são só delinquentes. Estão em algo maior.
— Muito maior. E se vocês cruzaram o caminho deles em Umbralis... é provável que eles já tenham incluído seus nomes na lista de problemas a eliminar.
Fushi se inclinou para frente, sério.
— Se vocês vão continuar se movendo contra esse grupo, recomendo que não subestimem o que estão enfrentando. Eles estão organizados, conectados, e não têm medo de sujar as mãos — ele fez uma pausa, depois completou: — Nem com crianças.
Mabel olhou para Ferme de lado, e ele a encarou de volta, sem dizer nada.
Fushi então estendeu a mão até uma pequena gaveta da mesa e retirou um envelope.
— Isso é tudo o que reuni sobre eles até agora. Nomes, aparições, padrões de movimentação. Não é muito, mas é melhor que nada.
Ela pegou o envelope e guardou sem ler.
— Obrigada — respondeu seca.
Fushi então sorriu levemente, apesar das faixas no rosto encobrirem quase toda sua expressão.
— Não precisa agradecer, princesa. Se for possível ferrar com essa organização antes que eles se espalhem mais, todos ganham com isso.
A conversa não havia terminado, mas as peças começavam a se mover.
Fushi girou lentamente a cadeira de rodas em direção à janela, observando por um instante o movimento distante da cidade através do vidro embaçado.
— Com licença — disse ele, voltando-se de novo para Mabel e Ferme. — Mas me pergunto... o que exatamente vocês pretendem fazer a partir daqui?
Mabel, ainda sentada, respondeu com naturalidade e sem hesitação:
— Vamos até o castelo abandonado da primeira rainha de Axoland. Tem algo lá que quero ver com os meus próprios olhos.
Fushi ficou em silêncio por alguns segundos, visivelmente surpreso com a resposta.
— Hm... ousado — comentou. — Não sei se vocês estão cientes, mas há relatos de movimentações estranhas naquela região nas últimas semanas. Gente que sumiu, animais que abandonaram suas rotas migratórias, e até mesmo alguns comerciantes que se recusam a passar perto de lá.
Ferme franziu levemente o cenho.
— Você acha que tem relação com o grupo de Sekai e True?
Fushi inclinou a cabeça.
— Não posso afirmar. Mas... é uma coincidência curiosa demais pra ignorar, não acham? Se forem mesmo até lá, façam isso com cautela.
Mabel não disse nada. Apenas assentiu com a cabeça, com os olhos fixos em Fushi.
Ele então suspirou e ajeitou as faixas que cobriam sua mandíbula.
— De qualquer forma... só posso oferecer abrigo para vocês por hoje. Já mandei preparar acomodações nos quartos de hóspedes — ele se virou para a porta, apertando um pequeno botão em sua cadeira.
Poucos segundos depois, duas empregadas surgiram à porta, curvando-se levemente.
— Um banquete será servido ao cair da noite — concluiu Fushi, com a voz voltando ao tom neutro e calmo. — Por ora, recomendo que descansem. As empregadas irão guiá-los até os quartos.
Ferme levantou-se primeiro, seguido por Mabel, que lançou um último olhar a Fushi antes de caminhar até a porta.
Sem mais palavras, seguiram as empregadas pelos corredores do casarão silencioso.
Corte para a cidade de Umbralis.
A fumaça do cigarro subia em espirais lentas, dissolvendo-se no ar gelado da sacada. Clemearl estava sentada no chão, encostada na parede, com os olhos inchados e a maquiagem borrada. As mãos tremiam, sujas de cinza, e o cigarro quase se apagava entre os dedos. Lágrimas escorriam em silêncio pelo rosto.
Quando a porta atrás dela se abriu, ela nem olhou. Já sabia quem era.
— ...Lizbeth.
Lizbeth se aproximou devagar, abaixando-se ao lado da irmã gêmea. Observou-a por alguns segundos em silêncio, antes de sentar ao seu lado e passar o braço pelos ombros dela.
Clemearl soltou o cigarro e cobriu o rosto com as duas mãos, desabando.
— Será que eles descobriram como usar aquilo...? — a voz dela saiu sufocada, quebrada. — E a gente foi tão incompetente a ponto de deixar eles roubarem o artefato?
Ela puxou o ar com dificuldade, engolindo o choro mal.
— Quanto tempo ela tem de vida ainda, irmã? — murmurou. — Quanto tempo eu ainda vou poder ver o sorriso da minha filha...?
Lizbeth apertou o ombro dela com mais força.
— Clem...
— Quanto tempo a Esther vai estar com a gente? — Clemearl gritou, com a garganta arranhada de desespero. — Eu... eu não consigo mais fingir que está tudo bem. Eu sou a diplomata das pragas, Lizbeth. Eu devia ter impedido isso, era minha responsabilidade. Minha filha... ela vai morrer por causa da minha falha.
Lizbeth virou-se completamente para ela e a puxou para um abraço apertado. Não disse nada por um tempo, deixando Clemearl afundar no choro que ainda restava.
— Você falhou? — ela disse, com a voz calma. — Talvez. Eu também. Todos nós. Mas agora não é hora de culpa. É hora de lutar pelo tempo que ainda temos com ela, tentar achar outro método de parar a maldição, tentar achar a causa ou motivo e confiar em Mabel para que ela recupere o artefato.
Clemearl soluçou, tremendo nos braços da irmã.
— Eu só... não quero perdê-la.
— E não vai — Lizbeth afirmou, firme. — Não se ela tiver você do lado dela até o fim. Se for um mês ou dez anos, você vai estar ali. E ela vai saber disso.
As duas ficaram abraçadas ali, no chão frio de Umbralis, enquanto o vento batia contra as janelas e o céu nublado refletia o que vinha por dentro.
Silêncio.
Só o som da respiração entrecortada de Clemearl preenchia a sacada.
E lá no céu, o sol começaria a se por enquanto Delta e Esther brincavam no quintal alegremente.
Claro! Aqui está a continuação, mantendo o tom leve e bem alinhado com a personalidade de cada um:
Mansão Ashbor, Asherea.
As grandes portas da frente se abriram devagar, revelando Nidaime, Lys e o Velho, que observavam a imponência da mansão com olhares bem diferentes.
— Parece que a princesa não estava brincando sobre “ter amigos ricos”... — comentou Nidaime, com as mãos nos bolsos e um sorriso torto. — Vem, “burro de carga”, seu quarto de princesa te espera.
— Cala a boca — rosnou Lys, carregando uma quantidade absurda de sacolas. Algumas com roupas, outras com mantas, e até uma com botas novas. — Isso tudo aqui foi necessidade, não capricho!
O Velho, por outro lado, já tinha sumido da vista do grupo, sendo escoltado por uma das empregadas para um quarto de luxo exclusivo, todo sorridente.
— Finalmente alguém reconhece minha importância nesse grupo! — ele dizia animado, com as costas eretas como se tivesse vinte anos a menos.
Enquanto isso, Lys e Nidaime seguiam para os andares superiores.
— Você vai dividir quarto com a Mabel — avisou Nidaime, batendo levemente no ombro dela. — Tenta não roubar nada.
— Como se eu fosse idiota — respondeu Lys, revirando os olhos. — Nem doida de roubar da realeza...
Eles pararam diante da porta. Nidaime bateu duas vezes antes de abrir.
— Mabel, chegou tua nova colega de quarto. Trata bem da nossa mula de carga — disse ele, com um sorriso debochado.
Mabel estava sentada à beira da cama, lendo um livro. Quando viu Lys entrando carregada de sacolas e embrulhos, baixou lentamente o livro com uma cara de 🫥.
— ...isso tudo é teu?
Lys jogou parte das sacolas na poltrona ao lado e cruzou os braços.
— Nunca fui mimada na vida, ok? Primeira vez que posso escolher o que vestir sem alguém me expulsar da loja por "parecer uma ladra". Tô me dando esse luxo, já que agora aparentemente sirvo pra alguma coisa.
Mabel piscou, depois deu um sorrisinho.
— Entendi... então é assim que você gasta seu primeiro dia como “convidada oficial” de um nobre.
— Antes isso do que morrer de frio — respondeu Lys, pegando uma das novas mantas e se jogando em cima da cama com gosto. — Aliás, essa cama é absurda. Eles plantam algodão com magia aqui?
Mabel apenas riu de leve, voltando ao livro.
— Bem-vinda à aristocracia, então.
— Se todo nobre fosse igual àquele de cabelo branco, talvez eu nem odiasse tanto eles... — comentou Lys, puxando uma das cobertas para si.
— Só cuidado, ele é fofo só até te dar um sermão inteiro sobre postura e “tom de voz”.
— Já percebi — disse Lys, virando de lado. — Mas... não é tão ruim assim. Por enquanto. Sino ecoou pela mansão, anunciando a hora do jantar. Uma empregada entrou no quarto, com um sorriso educado:
— Senhorita Mabel, senhorita Lys, senhor Nidaime, senhor Ferme e senhor... — ela parou, olhando para o velho — o senhor também estão convidados para o jantar na sala principal.
Os três trocaram olhares rápidos e logo se levantaram.
Enquanto caminhavam pelos corredores amplos e bem iluminados, encontraram Fushi já esperando na sala de jantar, sentado em sua cadeira de rodas com expressão calma.
Ele olhou para Nidaime e falou com um tom respeitoso:
— Você parece ser alguém poderoso. Deve ser uma ajuda valiosa para a princesa.
Nidaime sorriu de lado, respondendo com a habitual calma:
— Só tento fazer meu trabalho direito.
Então, Fushi se voltou para o velho que acompanhava o grupo.
— E você, parece alguém de grande sabedoria.
Antes que o velho pudesse responder, Mabel soltou, sem cerimônia, com um leve tom de deboche:
— “Sábio” é uma ova. Ele só fala demais.
Fushi olhou para Mabel, arqueando uma sobrancelha, mas manteve a compostura.
— Entendo... — respondeu, voltando a se acomodar na cadeira.
Nidaime e Lys seguiram para o lugar indicado, e logo todos estavam reunidos ao redor da longa mesa, prontos para a refeição.