O Castelo perdido parte final

A carroça avançava firme entre as trilhas de terra batida e vegetação densa. O sol do meio-dia rompia entre os galhos, lançando feixes retos sobre os caminhos irregulares enquanto a carruagem mais moderna puxada por dois magojumentos percorria a estrada em direção ao Castelo Abandonado do Antigo Reino de Axo. Lá dentro, o ambiente estava silencioso e o grupo, cansado e atento, não desperdiçava palavras à toa. Mabel permanecia no fundo da carroça, com as costas recostadas na madeira lateral e os braços cruzados sobre os joelhos. Os olhos fitavam o chão de madeira.

O vento bagunçava seus cabelos brancos, mas ela não se importava. Desde que haviam deixado Asherea, seu semblante permanecia inexpressivo. Fechado, o peso de tudo ainda pulsava forte. As imagens rodavam em sua cabeça os rastros de sangue no quarto de Fushi, o cheiro metálico na noite, a morte dos empregados, a presença daquela coisa chamada Housenka. Tudo aquilo havia acontecido sob seu nome, sob seu título. Ela era a princesa e mesmo assim... não evitou nada.

A culpa batia com força no estômago.

Foi quando Sophia, sentada perto da lateral da carroça, notou. Ela se levantou e caminhou até a amiga, se sentando ao lado de Mabel no canto.

— Ei. — disse baixinho.

Mabel não respondeu, mas seus olhos se moveram, reconhecendo a voz.

— ...Você não precisa carregar tudo sozinha.

— Alguém precisa. — Mabel respondeu sem tirar os olhos do chão.

Sophia suspirou. Cruzou os braços sobre os joelhos e olhou para frente, para a estrada.

— Você não é de ferro, Mab. Nem todo mundo vai sobreviver nessas missões, mas o que importa é o que a gente faz depois... E você tá fazendo. Tá indo atrás. Tá tentando entender e resolver. Isso já é mais do que o suficiente.

— ...Eles morreram dentro da própria casa, Sophia. Sob o teto que eu entrei. Fushi sumiu, talvez morto... ou pior. E se for por minha causa?

Sophia virou o rosto para ela.

— A culpa é da Crimson Reign. Eles que nos atacaram covardemente, não você.

Um silêncio curto.

— Mas... — Mabel começou.

— Mas nada. — interrompeu Sophia. — Você é a princesa, sim. Mas isso não te torna uma deusa. Não tem como controlar tudo. Nem você, nem ninguém.

Mabel enfim a encarou por alguns segundos. E Sophia sorriu.

— A gente vai dar um jeito. Confia.

Mabel soltou um suspiro, baixo, e deu um leve aceno com a cabeça. Depois, deitou a cabeça no ombro de Sophia por um momento. Não falou nada. E Sophia também não. Apenas ficaram ali, lado a lado, deixando a carroça seguir seu rumo.

Ao fundo, Ferme cochilava com os braços cruzados, Nidaime mantinha um olho fechado e outro atento na estrada, Lys roía um pedaço de pão seco em silêncio e o velho cantarolava algo que ninguém queria entender.

A viagem seguia firme. A carroça cruzava regiões que outrora pertenciam ao antigo domínio do reino de Axo, agora tomadas por mato alto, ruínas cobertas de trepadeiras e trilhas mal sinalizadas. O cenário era cada vez mais desolado, dando a clara impressão de que ninguém havia se atrevido a pisar naquela região há anos.

Na carroça, o silêncio voltou a reinar por um tempo após a conversa entre Mabel e Sophia. A princesa permanecia quieta, mas agora seus olhos observavam a estrada à frente com mais clareza. O fardo continuava lá, mas ao menos agora ela lembrava que não precisava carregá-lo sozinha.

Ferme, ainda meio sonolento, acordava com o balanço mais intenso da carroça. Esfregou os olhos, olhou ao redor e viu Mabel mais firme, menos abatida. Relaxou um pouco, voltando a se recostar.

Nidaime mantinha uma postura alerta. Ele sabia que os arredores daquele castelo não eram exatamente “seguros”. Ainda que poucos se aventurassem até lá, os rumores sobre aparições, armadilhas e atividades mágicas antigas circulavam entre estudiosos há anos. O castelo da Primeira Rainha não era só uma ruína. Era um lugar carregado de história, e história quase sempre significava perigo.

— Já estamos próximos — avisou ele após um tempo, olhando para o velho, que guiava a carroça com mais cuidado diante do terreno irregular. — Em meia hora, com sorte, a gente vai ver as torres do castelo surgirem no horizonte.

O velho assentiu, sem desviar os olhos da estrada.

— Vocês acham que o grupo ainda tá lá? — perguntou Lys, com o tom mais sério que o de costume.

— Se tiverem deixado alguma pista, já vai servir — respondeu Mabel.

Sophia inclinou o corpo para frente.

— E se for uma armadilha?

— Então vamos esmagar quem estiver lá — Ferme disse seco, sem olhar para ninguém.

Lys o encarou de canto e sussurrou:

— Adoro esse tipo de otimismo homicida...

— Fica tranquila, pirralha. — Nidaime retrucou. — Se for emboscada, pelo menos agora a gente não é só três idiotas e um velho.

O velho olhou para trás, irritado:

— O quê?

— Nada, mestre. — Nidaime respondeu com um sorriso sarcástico.

Todos voltaram ao silêncio por alguns minutos. O clima no grupo oscilava entre o peso das perdas recentes e a ansiedade de chegar ao castelo. Era ali que talvez encontrassem respostas. Ou mais perguntas.

Lys ajeitou os equipamentos próximos de si, estalando os dedos, e sussurrou com um pouco de ironia:

— Se aparecer mais algum psicopata, dessa vez eu acabo antes de ele soltar a primeira frase...

Mabel, mesmo séria, soltou um pequeno sorriso.

E então, ao virar de uma curva no caminho ladeado por árvores secas, todos puderam ver.

Lá adiante, entre montanhas e campos abandonados, surgia a silhueta escura do Castelo Abandonado de Axo.

O topo das torres quebradas, as janelas altas encobertas por heras e o portão principal ainda de pé. O tempo o havia castigado, mas não o destruído. A presença do lugar era pesada, ancestral. Como se aquele pedaço do mundo tivesse sido arrancado de uma era antiga e esquecido no tempo.

O velho diminuiu a marcha da carroça.

— Chegamos, princesinha.

Mabel se levantou devagar, observando as torres.

— Então vamos descobrir o que tem aqui dentro. E se eles estiverem... vamos encerrar isso.

Todos se entreolharam concordando.

Dentro da carroça, o grupo preparava-se para descer. As armaduras leves, os mantos e as armas já estavam posicionadas. Lys afiava sua lâmina, Nidaime verificava os cristais de encantamento e Sophia finalizava um novo lacre mágico ao redor de seus braceletes.

Antes que qualquer um pudesse colocar o pé para fora, Mabel se levantou no canto onde estava sentada e falou com firmeza:

— Esperem um pouco.

Todos se voltaram para ela.

— Antes de chegarmos a Asherea, quando estávamos ainda na estrada... eu tive uma visão. Não foi uma premonição vaga nem um sonho... foi uma das projeções do meu Chronos Vision. E nela... — Mabel encarou o grupo, cada um de seus companheiros em silêncio. — ...eu vi meu próprio corpo. Morto. No chão de pedra. Em um lugar igual a esse.

Sophia franziu o cenho.

— Você tem certeza?

— Absoluta, era esse castelo.

Ferme apertou os punhos e encarou a entrada do castelo lá fora.

— Quem estava lá?

— Eu não consegui ver claramente. Mas eu senti... havia uma presença de alguém muito forte me observando, alguém que sabia exatamente onde e quando atacar, eu morri sem entender de onde veio o golpe.

Lys suspirou, cruzando os braços com certa tensão.

— E mesmo assim a gente veio até aqui?

— A visão mudou, na primeira vez, vocês não estavam comigo. — Mabel falou encarando Lys. — Eu estava sozinha. Agora... não estou. E por isso precisamos ter o máximo de cuidado.

Nidaime assentiu, mais sério do que o habitual.

— Nenhuma porta será aberta sem cobertura. Nenhum selo será quebrado sem um escudo.

— E nem respirem forte demais sem perguntar antes. — Ferme completou.

— Eu não quero heroísmos desnecessários. — Mabel prosseguiu. — Se virem qualquer coisa suspeita, qualquer sombra ou mudança no ar... avisem. Não abaixem a guarda por nada, isso não é só um lugar antigo, é uma armadilha à espera de um erro e eu não pretendo morrer por causa de um descuido.

Sophia olhou para ela com um sorriso leve, ainda que preocupado.

— Então vamos garantir que esse futuro nunca aconteça, Majestade.

Mabel assentiu uma única vez, e então virou-se para a porta da carroça.

— Vamos entrar.

Os portões antigos do castelo se abriram lentamente, soltando um rangido abafado pela poeira acumulada. A entrada dava acesso a um extenso salão escuro, com pilares largos e rachados sustentando o teto alto. Cada passo ecoava com força, levantando a poeira. O ar era seco, denso e úmido.

Mabel andava na frente, cautelosa. Seus olhos percorriam cada detalhe das paredes de pedra, das tapeçarias rasgadas, das estátuas meio quebradas e dos vitrais cobertos de fuligem.

Por dentro, seu coração estava disparado.

“Essa arquitetura… é do primeiro ciclo do reinado de Axo. Aqueles frisos nas colunas são da época do terceiro rei. Aquela tapeçaria… é a representação da união dos Dois Clãs Reais! E ali… aquele brasão é da Casa Ursoft, extinta há mais de quatrocentos anos!”

Ela queria gritar, fazer pinturas, pegar um caderno e anotar tudo. Queria tocar nos relevos esculpidos nas paredes, examinar cada centímetro dos vitrais e vasculhar os pergaminhos da biblioteca que provavelmente ainda existia nos andares superiores.

Mas por fora, seu semblante era rígido. Impecável. Uma princesa em missão.

— Mabel… — Sophia sussurrou ao seu lado — você tá suando, tá tudo bem?

— Estou só… mantendo a atenção. Esse lugar pode ter armadilhas. — ela respondeu seca, ainda que com um brilho excessivo nos olhos.

Ferme, logo atrás, observava as esculturas com atenção. Ele reparava nos símbolos, nos detalhes do chão gasto… mas não deixava de dar uma olhada de canto em Mabel de tempos em tempos. Estava óbvio que ela estava se segurando.

— É impressão minha ou você tá quase tendo um ataque de empolgação? — murmurou em voz baixa.

Mabel tossiu, ajeitando a gola da capa com dignidade forçada.

— Foco na missão, O’malley.

— Aham.

Mais atrás, Nidaime analisava os padrões mágicos esculpidos nas paredes e escaneava a mana do ambiente. Ele estava sério, mas murmurava encantamentos de rastreamento de tempos em tempos. Lys e o Velho andavam juntos ela com a mão na bainha da espada, ele com um bastão pronto para bater no que se mexesse estranho.

O grupo passou pelo salão principal, por corredores cobertos de musgo e tapeçarias rasgadas, encontrando pequenas câmaras, corredores sem saída e escadarias quebradas.

Havia marcas de magia por todo lugar. Selos antigos, inscrições apagadas, fluxos interrompidos de mana e uma sensação constante de que alguém os observava.

— Estamos sozinhos? — Lys perguntou, olhando para cima.

— Por enquanto. — Nidaime respondeu, de forma seca.

Mabel parou diante de uma grande porta de pedra com símbolos antigos de contenção mágica.

— Esse lugar… é real demais pra ser coincidência. E essa porta aqui… leva para o salão dos tronos, o centro do poder da antiga realeza de Axo.

Ela olhou para os outros com seriedade.

— Não abram isso sem eu ordenar, quero fazer uma verificação primeiro.

Mas por dentro?

“MEU DEUS, ESSA É A PORTA ORIGINAL DOS TRONOS REAIS DE AXO! E ESSE SÍMBOLO ERA USADO SÓ PELO PRIMEIRO REI! EU QUERO ENTRAR, PELO AMOR DAS CRÔNICAS, DEIXEM EU ENTRAR AGORA!”

Mabel fechou os olhos. Respirou fundo. Reprimiu o sorriso histérico.

E voltou à postura de comando.

— Avancem com calma, exploraremos tudo, esse lugar… tem segredos demais para ignorarmos.

Os passos ecoavam pelo castelo como sussurros de um passado morto. Estavam agora em uma ala lateral, onde colunas corroídas pelo tempo sustentavam tetos arqueados cobertos por teias. Havia estátuas decapitadas, algumas caídas, outras ainda em pé, imóveis como se esperassem por algo — ou alguém.

— Esses afrescos... — comentou Nidaime, se agachando diante de uma parede com inscrições apagadas — são anteriores à fundação de Axoland. Isso aqui é mais antigo do que pensávamos.

Mabel não respondeu. Ela examinava os detalhes com os olhos semicerrados, absorvendo tudo como uma criança com um brinquedo proibido. Ferme mantinha a postura ao lado dela, atento a qualquer som estranho. Sophia caminhava na retaguarda, guiando o velho por um corredor estreito que se abria mais à frente. Enquanto isso Lys se mantinha em silêncio. Andava junto ao grupo, mas aos poucos, seu passo diminuía. Ela deixava de comentar e responder. Simplesmente... se calava. Sua presença foi aos poucos se apagando, mas ninguém percebeu.

Em determinado momento, Nidaime fez um gesto chamando todos para se aproximarem de uma porta coberta por raízes que pareciam ter crescido de dentro das pedras.

— Isso aqui foi selado por alguém de propósito.

Todos se aproximaram para observar.

Mabel avançou assim que Nidaime sinalizou a porta coberta pelas raízes. Seus olhos brilharam por um breve instante mas ela forçou o rosto de volta à seriedade.

— Isso aqui... — ela passou a mão sobre os galhos como quem toca uma relíquia — não é qualquer vedação. Essas raízes foram encantadas. Provavelmente com magia de terra. Pode ter sido um ritual ou ocultação. A textura da madeira... está fossilizada por dentro. Elas não cresceram, foram invocadas.

— Consegue quebrar? — Ferme perguntou, com a mão já tocando o punho da espada.

— Não com força bruta. Vai estilhaçar a estrutura do castelo se fizer isso. Mas… — Mabel se virou de costas e pegou algo de seu manto, um pequeno espelho rachado com runas — isso aqui veio da biblioteca dos Netherheart. É um Espelho de Interferência. Se eu usar ele e canalizar um encantamento de sensor junto, posso encontrar o ponto de origem da invocação mágica e anular com pressão reversa. Em teoria.

— Só teoria? — Sophia cruzou os braços.

— Bom, nunca foi testado. Mas se der errado, só o teto desaba. Nada demais — disse, já desenhando os círculos mágicos no chão com a ponta dos dedos.

— Claro, nada demais — murmurou Nidaime, ajeitando o chapéu.

Mabel ficou de joelhos e canalizou a mana com precisão. Uma luz azulada contornou as linhas feitas com mana pura no chão e se ligou às runas do espelho. Aos poucos, as raízes começaram a ranger. O som foi agudo, como madeira sendo torcida sob pressão absurda.

— A magia de aprisionamento está desmanchando — Mabel disse com um sorriso discreto — e o mais curioso... isso aqui é uma técnica do período anterior à Rainha Luthiel de Ursoft.

— Isso é pré-Axoland? — o velho se manifestou pela primeira vez, arregalando os olhos — Isso é coisa de... mais de mil anos.

— Sim, e mais do que isso — Mabel se levantou enquanto as raízes se desfaziam em pó — esse castelo não foi abandonado, foi selado, alguém escondeu algo aqui por razões específicas e usou magia proibida para isso.

A porta estremeceu uma última vez antes de se abrir com um estalo seco.

Diante deles, um longo corredor coberto por tapeçarias rasgadas e o brasão antigo de uma família desconhecida estampado nas pedras do piso.

Mabel sorriu. Era discreto. Mas estava lá.

— Vamos. A história não vai se revelar sozinha.

Atravessando o corredor silencioso, o grupo manteve a formação próxima. Ferme estava com a mão na empunhadura da espada o tempo inteiro. Sophia seguia logo atrás de Mabel, atenta a qualquer flutuação mágica ao redor.

Quando finalmente alcançaram o fim do corredor, uma pesada porta de pedra com um símbolo em espiral talhado com runas do alfabeto real antigo bloqueava o caminho. Não havia fechadura visível, mas uma marca de mana ainda pulsava em seu centro, mesmo depois de séculos. Mabel se aproximou lentamente, estendendo a mão, e ao tocar no símbolo, a porta emitiu um zumbido grave e se abriu como se respondesse apenas a ela.

Do outro lado, revelava-se um salão surpreendentemente bem preservado. Ao contrário do restante do castelo, tomado por rachaduras, musgo e desgaste, ali dentro o chão ainda refletia a luz, os pilares estavam intactos e as paredes exibiam dezenas de prateleiras de pedra contendo objetos envoltos em redomas mágicas: armas antigas, pergaminhos selados, orbes, armaduras incompletas, joias e até fragmentos de cristais que irradiavam mana bruta.

— Isso… — Nidaime parou ao lado de Mabel — É uma sala de relíquias. Mas não é comum. Essa magia de conservação... é de grau real. Alguém manteve isso vivo por séculos.

— As redomas ainda estão ativas. Isso aqui não foi deixado ao acaso — completou Ferme.

— Não foi mesmo — disse Mabel, apontando para o chão.

Perto da entrada da sala, marcas de garras profundamente talhadas estavam por todo o mármore. Marcas de cortes em arcos, como se algo ou alguém tivesse tentado violar as redomas recentemente. Havia também resquícios de magia impregnada nas paredes, faixas de energia ainda vibrando, visíveis apenas a olhos treinados.

— Essas marcas... foram feitas há pouco tempo — disse Sophia, se agachando e analisando o padrão das garras com cuidado. — E não são garras normais. Isso foi feito com mana condensada, magia moldada em forma física.

— Então alguém esteve aqui antes da gente — disse Nidaime. — E tentou levar algo que ainda está protegido.

Mabel caminhou até uma das redomas e observou o objeto dentro: uma pequena adaga de lâmina prateada, com inscrições quase idênticas às do Espelho de Interferência que ela usou mais cedo.

— Agora tudo faz sentido. Essa sala foi selada não para proteger o castelo das relíquias... mas para proteger as relíquias do que restou do castelo. Elas são mais antigas do que Axoland. Se caíssem em mãos erradas, poderiam desequilibrar qualquer nação.

— Então esse era o objetivo deles? — questionou Ferme. — A Crimson Reign... Eles queriam o que tem aqui?

— Talvez. Mas se queriam... não conseguiram ainda. As redomas não foram quebradas.

— Mas tentaram — disse Sophia, séria.

— E agora que sabem onde está — Mabel completou — não vão parar até conseguir.

Ela então respirou fundo, andando até o centro da sala, onde havia um pedestal com três slots vazios. Um pequeno letreiro de pedra dizia em língua ancestral:

"Somente os Sangue do Tempo podem mover as chaves da Origem."

Mabel leu em voz alta e ficou em silêncio por alguns segundos.

— Eles não podem roubar essas relíquias sem mim — ela sussurrou.

O grupo se entreolhou em silêncio.

O silêncio solene daquele salão sagrado se rompeu de forma abrupta — não por um tremor, ou por algum feitiço rompido, mas por uma voz conhecida demais.

— Pois é — disse Lys, com a voz mais firme do que o usual, agora carregada de sarcasmo e desdém — a gente não conseguia ativar as relíquias sem coletar mana de alguém da realeza. Tentamos entrar, mas a maldita barreira drenava nossa energia até o limite. Porém agora...

Ela deu um passo à frente, o corpo ainda à meia-luz das tochas, mas sua presença já se tornava incômoda. Sua expressão outrora rebelde e irritada agora assumia um semblante de altiva tranquilidade. Os olhos cianos brilharam com um tom quase prateado, e o cabelo prateado pareceu se alongar ligeiramente, assumindo um brilho metálico.

— ...sinto em lhes dizer que conseguimos.

Nesse instante, todos giraram o corpo na direção de Lys ou melhor, Aiko. O velho arregalou os olhos, Sophia instintivamente estendeu a mão à lateral do quadril, e Ferme cerrou os punhos. Mas foi Mabel quem ficou paralisada por alguns segundos. Os olhos dela não desviavam de Lys.

— Aiko...? — sussurrou Mabel, confusa.

Um leve som de vento cortando ecoou pelo teto do salão. E então, surgindo sobre uma das pilastras acima deles, com o mesmo ar melancólico e olhar perdido no vazio, estava Housenka.

— Bom trabalho, Aiko — disse ele em voz baixa, quase monótona, como se narrasse algo inevitável. — Sabíamos que ela não resistiria ao impulso de nos trazer até aqui.

Aiko ou Lys, como fingira ser girou o pulso lentamente. Um selo mágico, antes oculto sob a pele, se revelava em seu antebraço. O desenho, composto por espirais e cortes, brilhava com um tom carmesim.

— A princesa de Axoland... tão ingênua quanto arrogante — ela falou, com um falso pesar. — Você nos trouxe direto à chave, Majestade. E com sua assinatura mágica já impressa na barreira... as relíquias não estão mais protegidas.

O chão tremeu levemente.

Sophia ergueu uma barreira em volta de Mabel no mesmo instante.

— Aiko... Você mentiu desde o início? — perguntou Ferme, com o maxilar trincado.

— Eu sobrevivi desde criança mentindo, nobrezinho. — respondeu Aiko, um meio sorriso arrogante estampado no rosto.

Housenka apenas observava de cima.

Aiko levantou a mão.

E as redomas... começaram a rachar.