Um Beijo

Desci as escadas e encontrei Papai, Mamãe, Isaías e Tio Ray reunidos. Aparentemente, eles estavam conversando sobre algo porque quando cheguei, a conversa parou, e seus olhares caíram sobre mim.

Que se danem quaisquer que fossem seus pensamentos, eu simplesmente os ignorei e continuei andando. Hoje, apesar da minha relutância, eu novamente tinha que ir à escola para passar o resto do meu tempo estudando lá.

Ser uma das alunas mais competentes me fazia sempre querer manter minha posição, especialmente depois de saber que tenho um defeito onde eu não tinha o que o lobisomem médio tem. Eu não podia cair só por causa disso, e eu tinha que subir mais alto.

Meus passos pararam quando Tio Ray chamou meu nome. Virei-me e vi Mamãe me fazendo sinal para ir até eles e sentar.

"Eu tenho que ir," eu disse, recusando o convite deles. Afinal, era uma conversa de adultos, certo?

"Gostaríamos de conversar por um minuto." Papai cortou outra frase que eu estava prestes a dizer. Sua entonação era tão fria, como se houvesse uma tremenda raiva que ele estava abrigando.

O que era isso de novo? Eu não sentia que tinha feito algo.

"Eu fiz algo errado de novo?"

Ele balançou a cabeça. Não como uma resposta à minha pergunta, mas sim uma forma de desespero que ele sentia. Talvez.

"Eu não sei como mais te avisar. Isso foi longe demais, Ioris. Eu não esperava que você fizesse isso e causasse tanto mal." Ele olhou para baixo e me fez pensar ainda mais.

Virei-me para Isaías, que estava em silêncio. O olhar em seus olhos implicava raiva, mas eu não sabia o que o deixava assim.

Não muito depois, eu ainda estava olhando para meu irmão gêmeo, e ele levantou o rosto. O lampejo de raiva era ainda mais evidente, com lágrimas se acumulando ali.

"Eu não sei o que você está pensando, Ioris. Você é um mal!"

"O que está acontecendo? Eu não tenho ideia do que vocês estão falando."

Tio Ray suspirou. Embora ele não fizesse a mesma acusação, seu olhar para mim era doloroso. "Há algumas notícias desagradáveis, eu diria até más notícias, Ioris. Uma, Lyla, a companheira de Isaías, foi atacada por algo que ela disse que se parecia apenas com fumaça negra; ela está hospitalizada agora."

"E tenho certeza que isso é tudo obra sua!" gritou Isaías.

"Eu não tinha ideia sobre a fumaça e o que quer que tenha acontecido com sua vadia, seu idiota!"

"Ioris! Olha sua linguagem!"

"Vocês não querem e precisam olhar o que dizem para mim, hein? Vocês são os que têm me ostracizado desde o início e sempre me acusando de merda. Devo ficar em silêncio sobre todo esse maltrato?"

"Ioris, nós não estamos te acusando."

"Não, Mamãe. Não. Vocês estão me acusando só porque eu não consegui um lobo; vocês estão me chamando do que eles me chamam—um demônio. Vocês estão dizendo que eu tenho poderes demoníacos. E o que mais? Vocês não acham isso doloroso?"

Tio Ray estava prestes a tomar as palavras de Mamãe, mas eu rapidamente levantei minha mão para bloquear sua intenção. "Você é igual, Tio. Você sabe como aconteceu, o que aconteceu na noite de inauguração, e o cheiro que continuamos sentindo, e parece tão estranho; você sabe tudo antes, durante e depois, mas nunca tentou me defender."

Todos ficaram em silêncio com minhas palavras. Todo esse tempo, eu nunca tinha falado tanto, fazendo todos pensarem que eu agora era uma dissidente. No entanto, eu tinha que fazer isso porque se não fosse eu, então ninguém me defenderia.

"Há mais uma coisa que eu gostaria de dizer antes de responder a todas as suas palavras, Ioris." Tio Ray pausou sua frase, e então, logo depois, ele continuou, "Você está certa sobre uma coisa. Você está certa, Filhote. Ela não é uma boa mulher. Eu a peguei fazendo amor com um dos soldados até mesmo na nossa noite de núpcias."

Eu sufoquei minha boca aberta. Eu sabia que aquela mulher era uma vadia. Ela queria que Tio Ray lhe desse uma posição alta. Eu sabia disso. No entanto, eu nunca esperava que ela fizesse isso mesmo depois de se tornar uma luna de uma alcateia enorme como O Caçador da Lua, especialmente na noite de núpcias.

"Oh, Tio, sinto muito. Eu nunca pensei que ela—"

"Sem problemas, Ioris. Na verdade, estou grato por isso. E agora vou te dizer por que não fiz nada para te defender. Você pode ser minha sobrinha, mas eu sou um alfa. Não posso defender um sobre o outro antes de saber qual é o problema. Não tolero bullying, mas tenho que provar que eles estão errados sobre você. No entanto, o oposto é verdadeiro."

Fiquei atordoada ao ouvir as palavras do Tio Ray. Em outras palavras, ele acreditava que eu tinha poderes demoníacos?

"Então você acredita nas bobagens deles?" Meus olhos devem ter ficado vidrados a essa altura. E com certeza, aquelas lágrimas foram derramadas finalmente.

"Sinto muito, Ioris. Eu não te castiguei, nem seu pai, porque queríamos te melhorar. Se essa é sua força, vamos praticá-la bem."

"A partir de amanhã, você deve treinar com os outros para se tornar uma guerreira ou outra coisa. Mais importante, seu poder deve estar no caminho certo. Para ajudar os fracos e proteger a alcateia, não o contrário." Papai acrescentou às palavras do Tio Ray.

Achei que as palavras deles eram claras o suficiente, mas eu não queria ouvir mais. Eu gostei da ideia deles de me tornar uma guerreira, mas não de suas razões para fazê-lo.

Ainda assim, eles me acusaram de ter magia negra e prejudicar muitas pessoas. Eu não sabia como eu mesma fiz isso.

"E eu mesmo vou te treinar," respondeu Isaías com um sorriso malicioso. "Eu nunca vou perdoar o que você fez com Lyla, Ioris. Você vai ter que aguentar, não importa o quê."

Olha só! Mesmo com uma ameaça tão terrível, nem meu pai, minha mãe, nem Tio Ray me defenderam. Eles ficaram em silêncio como se não importasse se Isaías fizesse isso, como se eu merecesse.

Eu apenas assenti, sabendo muito bem como eles me julgavam. Agora, o tratamento deles era o resultado de suas suposições injustificáveis. Até as palavras de uma vadia como Lyla—eles ouviam, mas não a minha voz.

Eu era membro da família deles; eles deveriam ter confiado em mim, mas não foi o caso.

Eu me levantei, fugi e fiz o meu melhor. Eu não tinha lobo, mas podia correr tão rápido quanto Isaías. Essa era uma das habilidades que se destacavam em mim. Mas, claro, era inútil para eles.

Meus passos pararam quando uma baforada de fumaça negra espessa bloqueou meu caminho. Eu não queria vê-lo. Ele já tornou a vida muito difícil para mim. Apressei meu passo e fingi não vê-lo, mas quando entrei em outro caminho pela floresta, a fumaça me confrontou e me empurrou contra um grande tronco de árvore.

Senti como se alguém estivesse na minha frente. Era tão real que me fez pensar que eu poderia estar fora de mim para imaginar um objeto sem corpo como uma pessoa.

"Por que você está me evitando, pequena loba? Você está com raiva de mim por colocar sua melhor amiga no hospital?"

"Meu palpite está correto. Você é o culpado. E mais uma vez, você me colocou em apuros."

"Você quer que eu me vingue deles?"

"Não ouse tocá-los! Ou eu nunca vou te perdoar!"

A criatura riu, então pareceu redirecionar sua atenção para mim. Ele estava se aproximando. Eu podia sentir a respiração de sua boca roçando meu rosto. Era tão fragrante que eu só podia engolir minha saliva.

O que exatamente ele é? Por que ele mantinha isso em segredo de mim?

Ele não disse nada, mas em vez disso parecia estar indo embora. No entanto, antes de fazer isso, havia uma coisa que eu senti que ele tinha feito comigo.

Um beijo—ele me deu um beijo que eu nunca tinha sentido antes. Era tão frio, mas ativou todos os sinais nos meus centros nervosos e o surto de hormônios que fez todo o meu corpo tão ansiante.

O beijo parecia tão real, mas ainda assim, eu não vi a aparência da criatura. E quando ele partiu, meu coração tremeu.

O que ele tinha feito comigo?

O que tinha acontecido com meu coração?