Capítulo 14 – O Sobrevivente e o Sangue do Rei

O vilarejo parecia uma casca vazia.

Nem gritos, nem corpos, nem corvos. Só cinzas e o som do vento.

Velka caminhava com a mão no punho da adaga, olhos atentos a cada sombra. Eu sentia a presença da Ordem por toda parte, como se a névoa tivesse olhos.

— Aqui tem algo... vivo — murmurei.

Segui o rastro até uma das casas semi-destruídas. Um sussurro escapava das tábuas soltas do chão.

Arranquei os destroços com as mãos.

Ele estava lá.

Coberto de sangue seco, com uma perna quebrada e as duas mãos apertando o cabo de uma espada... não, duas.

Duas katanas, uma negra e outra prateada.

Seus olhos se abriram devagar. Um deles estava cego. O outro me perfurou como uma lâmina nua.

— Você... tem o cheiro de Caos — ele rosnou. — Mas ainda não é ele.

— Quem é você?

— Alguém que não devia estar vivo. Mas a névoa me deixou... porque quer que eu veja o que você vai se tornar.

Ajudamos o homem a sair dos escombros. Velka cuidou dos ferimentos. Ele não falou mais nada até a fogueira arder.

— Fui chamado de Ryujin, mas esse nome morreu com minha família.

— Você sobreviveu ao ataque da Ordem?

— Fui deixado para morrer. O Caçador me poupou. Talvez por piedade. Ou por desdém.

Ele olhou para mim.

— Mas você... você carrega algo maior. Um fragmento do tirano. O sangue do Rei Quebrado. Você é o príncipe herdeiro... de uma ruína viva.

Senti o ar pesar.

— Do que você está falando?

— O poder dentro de você... é herdado. Não só pelo sangue, mas pelo destino. Caos foi o primeiro a carregar essa força. Ele moldou mundos com ela. E agora ela dorme em você, esperando que acorde.

— Então por que ainda não acordou?

Ryujin sorriu com tristeza.

— Porque você ainda não sabe quem quer ser: vingador ou salvador. E essa força exige... clareza.

Ele se ergueu com dificuldade e jogou as duas katanas na minha direção. Cravei os pés no chão para segurá-las.

— Vamos descobrir quem você é, garoto. Mas antes... você vai aprender a lutar como um rei.

Meus braços arderam com o peso das lâminas. Uma negra como a noite. Outra clara como a lua. E juntas, elas pulsavam com algo que reconhecia meu sangue.

Velka assistia à cena em silêncio. Seus olhos diziam tudo: "não importa o que você se torne... eu estarei aqui".

E naquela noite, sob o céu cinzento, o treinamento começou.

Eu era o príncipe esquecido.

Mas logo... eu viraria rei.