Narrado por Isabel
Desde que me entendo por gente, há um certo peso que carrego — um peso silencioso, quase invisível, mas constante. Não é um fardo que se vê, é um que se sente... nos olhos dos meus irmãos.
Eu era apenas uma criança quando percebi que algo estava errado. Não era algo que se dissesse em voz alta. Não havia gritos, nem acusações, nem brigas. Mas bastava um olhar atravessado, um silêncio prolongado à mesa, ou aquele jeito deles de me ignorar quando eu tentava brincar, para eu sentir que não pertencia ao mesmo espaço, mesmo estando sob o mesmo teto.
Mamã, Teresa, sempre foi o meu refúgio. Seu abraço tinha o poder de apagar qualquer sombra. Seu sorriso iluminava até os dias mais cinzentos. Ela me amava com uma doçura quase sobrenatural, como se minha existência fosse um presente que ela temia perder. Mas esse amor, por mais puro que fosse, parecia ter um preço. E quem pagava não era só eu.
Meus irmãos — Tiago, Lucas e Rafael — começaram a se afastar de mim ainda na infância. Primeiro deixaram de me incluir nas brincadeiras. Depois vieram os sussurros, os risos baixos entre eles, seguidos de silêncios constrangedores sempre que eu aparecia. Às vezes, bastava eu entrar numa sala para que a conversa morresse. E mesmo tão nova, eu entendia: havia algo errado comigo. Ou talvez... com a forma como a mamã me via.
Não entendia o motivo. Eu fazia tudo certo. Era boa aluna, ajudava em casa, obedecia. Tentava agradar a todos, mas sentia que o simples fato de existir já era um incômodo para os meus irmãos. Aos olhos deles, eu era a favorita. E isso, para eles, era uma afronta.
Lembro-me de uma tarde chuvosa em que me escondi debaixo da mesa da cozinha, apenas para ouvir o que diziam quando achavam que eu não estava por perto. Tiago disse algo que me marcou para sempre:
— Ela é tudo para a mamã... e nós? Somos só o resto.
Senti uma dor no peito tão aguda quanto o frio que me envolvia. Quis sair correndo, gritar que aquilo não era verdade. Que eu não queria ser “tudo”. Queria só ser irmã, filha, parte de algo. Mas permaneci ali, em silêncio, com as lágrimas caindo sobre o chão de pedra.
Aos poucos, fui aprendendo a viver com essa culpa que não era minha. A culpa de ser amada demais.