Capítulo 2 OS Murmúrios do silêncio

Crescer naquela casa era como andar sobre vidro fino. Cada gesto da mamã em minha direção parecia ecoar entre as paredes, ressoando como uma ofensa aos meus irmãos. Mesmo quando ela só me chamava para ajudá-la a cortar cebolas ou varrer o quintal, eu sentia os olhos deles queimando minhas costas.

Com o tempo, o silêncio tornou-se nossa língua comum. Os risos que antes enfeitavam as manhãs desapareceram, substituídos por cochichos abafados. E eu, mesmo tão jovem, aprendi a me calar. A não falar demais. A não brilhar demais. Porque qualquer fagulha minha parecia acender o ressentimento deles.

Lembro de um aniversário. Tinha nove anos. Mamã fez o meu bolo preferido: de laranja com cobertura de chocolate. Cantaram os parabéns, mas sem entusiasmo. O sorriso da mamã era o único verdadeiro ali. Meus irmãos sequer tocaram no bolo. Ficaram no canto da sala, como se estivessem em um velório. Não era ódio... era ausência. Indiferença, talvez. E, de certa forma, essa era a pior forma de rejeição.

Foi nessa época que comecei a escrever num caderno escondido. Era meu único espaço seguro. Nele, eu contava tudo: como me sentia invisível para uns e exageradamente visível para outros. Como era estranho carregar tanto amor e tanta culpa ao mesmo tempo. Era ali, entre as folhas amareladas, que eu conversava comigo mesma.

Mamã notou meu silêncio. Certa noite, sentou-se ao meu lado na cama e segurou minha mão com delicadeza. Ela disse:

Minha filha, você não precisa se esconder para ser amada. Nunca se esconda. Nunca.

Mas como explicar que o esconderijo era o único lugar onde eu não machucava ninguém?

Foi ali que entendi: às vezes, amar demais também pode ser um erro — mesmo sem intenção.