O cheiro do bolo de laranja recém-saído do forno invadia cada canto da casa, misturando-se à ansiedade que eu sentia no peito. Era aniversário da minha mãe, Teresa. E eu queria que tudo fosse perfeito — não só para ela, mas também para nós. Para a nossa família, que parecia cada vez mais fragmentada.
Passei dias preparando uma surpresa. Vasculhei álbuns antigos, revirei caixas de lembranças, reli bilhetes antigos com cuidado e carinho. Cada foto, cada pedaço de papel amarelado pelo tempo me contava uma história que eu não queria esquecer. Queria transformar tudo isso num presente — algo que nos fizesse lembrar que, em algum momento, nós já fomos felizes juntos.
Montei um mural com as melhores lembranças: risos na praia, picnics no quintal, aniversários passados, momentos simples, mas cheios de amor. Colei tudo num grande painel que coloquei bem no centro da sala. E esperei.
Quando minha mãe entrou e viu o que preparei, os olhos dela brilharam com lágrimas. Ela sorriu, tocou as fotos com a ponta dos dedos como se pudesse voltar no tempo. Por um instante, senti que meu esforço tinha valido a pena.
— Está lindo, minha filha… — ela sussurrou, emocionada. — Você se lembra de tudo…
Mas o que deveria ter sido um momento doce, logo se transformou numa tempestade.
— Lembrar é fácil quando a vida sempre sorriu pra você — murmurou meu irmão mais velho, encostado no batente da porta.
Eu me virei, surpresa.
— O que você quer dizer com isso?
Ele deu de ombros, mas o olhar dele me atravessou como uma faca. — Esquece. Não é nada.
— Não, fala. — Eu senti minha voz tremer, mas precisava entender. Precisava saber por que sempre existia esse vazio entre nós.
— Você não percebe, Isabel? Desde que éramos crianças, tudo era sobre você. As fotos, os elogios, os cuidados. Sempre você.
Fiquei sem ar por um segundo. Aquilo me atingiu de uma forma que eu não esperava.
— Eu só quis fazer algo bonito… — murmurei.
— Bonito pra quem? — disse o outro irmão, com os braços cruzados. — Pra mostrar mais uma vez que é a favorita?
Minha mãe interveio, confusa e aflita. — Não falem assim. Ela só quis trazer boas lembranças...
— Mas e as nossas lembranças, mãe? — meu irmão retrucou. — Alguém se importou com elas?
Ali, no meio da sala, senti meu coração afundar. Eu não queria ser a causa daquela dor. Nunca desejei ocupar um espaço que tirasse o deles. Sempre achei que o que eu recebia era amor igual. Mas agora, tudo parecia diferente. Tudo parecia falso.
— Eu não sabia que vocês se sentiam assim… — minha voz falhou. — Eu achava que… que éramos uma família unida.
Eles não responderam. Só ficaram ali, olhando para o mural, como se cada foto fosse uma ferida.
E foi nesse silêncio que minha mãe finalmente disse:
— Há coisas que vocês ainda não sabem.
Ela estava parada no centro da sala, com os olhos marejados, como se carregasse um peso antigo demais para continuar escondendo.
— Isabel não nasceu por acaso. E talvez hoje… seja o momento de contar a verdade.
Meu coração bateu mais rápido. A verdade? Qual verdade?
Eu não sabia o que esperar. Só sabia que, dali em diante, nada mais seria como antes.