Capítulo 16 Florescer

O convite chegou numa tarde cinzenta. Papel simples, letras cursivas. Era do colégio onde estudei na infância — aquele que tantas vezes me fez sentir invisível. A professora de literatura, agora aposentada, organizava um evento com antigos alunos que seguiram caminhos criativos. Alguém indicou meu nome por causa dos textos que andei publicando em pequenos blogs.

“Queremos que compartilhe sua história.”

Fiquei olhando para aquele envelope por longos minutos. Parte de mim quis rasgá-lo. Outra parte, mais firme, mais recente, disse: vai.

Comuniquei à família durante o jantar.

— Fui convidada para falar sobre minha história num evento do colégio — disse, sem rodeios.

Clara sorriu de imediato. — Isso é incrível!

Miguel ergueu as sobrancelhas. — Vais mesmo voltar lá?

— Sim. Pela primeira vez, sem medo.

Teresa apenas disse: — Leva quem tu és. E não quem esperam ver.

Na noite do evento, vesti uma blusa azul-clara, simples, a mesma cor que a mãe costumava usar quando estava calma. Era meu amuleto.

Jonas segurou minha mão o tempo todo até me chamarem ao palco. Havia mais de cem pessoas. Muitas que eu conhecia. Algumas que me fizeram sentir pequena no passado.

Mas não era mais a mesma Isabel de antes.

— Boa noite — comecei. — Meu nome é Isabel. E durante muito tempo, tentei caber nos silêncios da minha própria história.

Falei por vinte minutos. Sobre crescer sentindo-se a peça errada. Sobre a dor de ser mal interpretada. Sobre a cura que começa quando paramos de pedir licença para existir.

— Não sou perfeita — finalizei. — Mas aprendi a ser inteira. E isso basta.

Ao final, houve um breve silêncio. E então, aplausos. Verdadeiros. Limpos.

Saí do palco com lágrimas nos olhos. Jonas me abraçou forte. Clara também estava lá. Teresa, ao fundo, sorria. E Miguel... Miguel filmava tudo com o telemóvel, os olhos brilhando.

Naquela noite, escrevi no meu diário:

"Durante muito tempo, fui o fantasma de uma ausência. Hoje, sou presença inteira. E ninguém mais vai me deixar em silêncio."

E adormeci com uma paz nova: a de quem não só foi perdoada, mas também se perdoou.

Meses depois, publiquei um pequeno livro com os textos que escrevi ao longo dos anos. Intitulei:

A Minha Favorita Filha.

Não como uma provocação.

Mas como um lembrete.

De que cada uma de nós pode — e deve — ser a favorita de si mesma.

Porque foi ali, entre os cacos de todas as versões que me disseram ser, que encontrei aquela que sempre fui.

E floresci.