Capítulo 15 A voz de Fora

A tranquilidade que eu começava a cultivar durou pouco. Não porque algo dentro de mim estivesse errado — mas porque, às vezes, o mundo lá fora parece sentir inveja de quem finalmente encontra paz.

Tudo começou com uma mensagem. Um número desconhecido, uma frase curta:

“Cuidado com quem escolhes para amar.”

Mostrei a Jonas naquela mesma noite. Ele leu, respirou fundo e devolveu o telefone com um olhar firme.

— Eu sei quem mandou.

— Quem? — perguntei, o coração disparado.

— Uma ex-namorada. Tóxica. Ficou magoada quando terminei. Já tentou atrapalhar antes.

Sentei-me na beira da cama. Era como se uma sombra do passado tivesse entrado pela janela.

— Ela vai parar?

— Vai — disse ele. — Porque agora sou outro. E tu não tens nada a ver com as dores que ficaram.

Queria acreditar. Mas uma parte de mim ainda lutava com fantasmas. Não por ciúmes, mas porque aprendi, ao longo da vida, que a felicidade sempre vinha acompanhada de uma ameaça.

Na semana seguinte, começaram os boatos. Primeiro no café onde costumo ir. Depois, entre colegas antigos da escola.

— Ouvi dizer que ela tá com o Jonas. Aquele que largou a Ana em plena véspera de noivado.

— Dizem que ela se faz de coitada pra ter atenção.

— Claro que é ela, né? Sempre quis ser o centro.

E, de repente, eu estava de novo no lugar de onde tanto lutei para sair: no centro de julgamentos silenciosos, como se amar alguém com passado fosse um crime — como se o meu passado não bastasse.

Contei para Clara. Ela me ouviu em silêncio, depois disse:

— Eles falam porque têm tempo. Tu tens vida. Escolhe onde colocas tua energia.

— Mas machuca — confessei.

— Eu sei. E por isso mesmo é que tens de continuar. Se parares agora, é como se concordasses com eles.

Jonas também mudou. Ficou mais atento, mais protetor. Mas havia uma tensão nos seus gestos, como se sentisse culpa pelo que começava a cair sobre mim.

— Se quiseres dar um tempo... eu entendo — disse ele, certa noite.

Virei-me de imediato. — Não ouses.

Ele ficou surpreso.

— Eu passei a vida inteira achando que era o problema. Tu me mostraste que sou parte da solução. Não vou fugir só porque está a doer.

Ele me puxou para perto. O abraço dele tinha o peso exato do que eu precisava.

— Então enfrentamos juntos — sussurrou.

Naquele domingo, Teresa reuniu-nos no quintal. Era raro estarmos todos ali sem um motivo claro. Ela serviu chá, cortou frutas, e depois, com aquele jeito calmo e certeiro, disse:

— Sei que estão a falar da minha filha por aí. E sei também que muita gente nesta família, no passado, alimentou histórias em vez de escutar a verdade.

Todos ficaram em silêncio. Até Miguel, que mexia no telefone, parou.

— Mas Isabel não deve explicações a ninguém — continuou. — E se alguém aqui ainda pensa que a opinião dos outros vale mais do que a paz dela, que pense de novo.

Olhei para ela, engolindo em seco. Era como se, depois de tudo, Teresa ainda fosse minha maior defesa. Não por obrigação. Mas por amor.

Na segunda-feira, Jonas apareceu no meu trabalho com flores. Não era meu aniversário. Nem uma data especial. Era só... um lembrete.

— Para que não te esqueças de quem és — disse ele.

Colegas cochicharam. Algumas sorriram. Outras franziram a testa.

Mas, pela primeira vez, eu não me importei.

Segurei as flores com firmeza. Sorri. E voltei para minha mesa com a cabeça erguida.

Porque agora eu sabia: o julgamento dos outros só tem poder sobre quem ainda duvida de si.

E eu já não duvidava.