Capítulo 47 Onde o nome pesa Mais que a voz

Fazer o certo nunca foi sinônimo de paz.

Naquela manhã, Vera me entregou um pen drive com arquivos criptografados. Havíamos combinado de nos encontrar numa praça afastada, como duas mulheres comuns — mas sabíamos que carregávamos nas mãos o tipo de verdade que derruba instituições inteiras.

— Estás pronta para ir até o fim? — perguntou ela, enquanto o vento bagunçava seus cabelos curtos.

— Já cheguei longe demais para voltar — respondi.

O conteúdo do pen drive era devastador: transferências disfarçadas entre ONGs fantasmas, assinaturas forjadas de funcionários mortos, e nomes de políticos europeus recebendo “consultorias” de organizações humanitárias.

Meu nome aparecia em três relatórios. Todos falsificados.

— Precisamos de tempo para cruzar os dados — disse Vera. — Mas uma coisa é certa: tua denúncia foi o fio certo a puxar.

Jonas andava mais calado que o normal. Mas não era o silêncio usual — era outro. Mais pesado. Mais denso.

— Que se passa? — perguntei, certa noite.

— Recebi uma ligação. De um homem chamado Rodrigo Serpa.

— E quem é ele?

— Meu ex-supervisor na ONG Raízes. Foi demitido na mesma época que eu. Nunca entendi por quê. Achava que era só pela minha situação com Letícia.

— E agora?

— Ele quer me encontrar. Disse que tem algo pra me dizer… sobre Letícia. E sobre o motivo real de minha saída.

— Vais?

— Tenho que ir.

Enquanto isso, Lara recebia uma proposta que faria tremer qualquer escritora iniciante: a Feira Literária de Buenos Aires a convidara como uma das jovens autoras em destaque do continente.

— Não entendo — disse ela, passando os dedos no celular. — Eles leram minha crônica traduzida para o espanhol. Querem que eu fale sobre identidade, legado e nome.

— E o que vais dizer?

— Que às vezes, carregar um nome famoso é mais difícil que não ter nome nenhum.

Ela estava dividida.

— Vais aceitar?

— Quero. Mas… o que vão dizer sobre ti? Sobre a nossa família?

— Vão dizer o que quiserem. E tu vais responder com literatura. É assim que se vence.

Jonas encontrou Rodrigo dois dias depois. Voltou com o rosto pálido e os olhos fundos.

— Ele disse que fui usado como bode expiatório. Que a ONG, na época, já estava sendo investigada. Usaram o escândalo com Letícia para encobrir desvios internos.

— E por que agora ele decide falar?

— Está doente. Quer limpar a consciência. E... deixou uma pasta comigo. Com documentos, e-mails. Tudo que compromete os ex-diretores.

— Vais entregar?

— Se isso proteger outras pessoas… sim.

Mas eu via no olhar dele o velho conflito: entre fazer justiça e preservar o pouco de paz que ainda tínhamos.

No dia seguinte, Vera analisou a pasta de Rodrigo.

— Isso liga os diretores da Raízes ao mesmo grupo envolvido nos contratos da UNESCO. Está maior do que imaginávamos.

— E perigoso?

— Extremamente. Vamos precisar escolher aliados com cuidado.

Júlia, que até então observava tudo em silêncio, chamou-me no terraço.

— Eu… não sei se aguento ver vocês enfrentarem tudo isso. Parece grande demais. E eu só queria ter uma vida normal.

— Não tens obrigação de carregar nada, Jú

Fazer o certo nunca foi sinônimo de paz.

Naquela manhã, Vera me entregou um pen drive com arquivos criptografados. Havíamos combinado de nos encontrar numa praça afastada, como duas mulheres comuns — mas sabíamos que carregávamos nas mãos o tipo de verdade que derruba instituições inteiras.

— Estás pronta para ir até o fim? — perguntou ela, enquanto o vento bagunçava seus cabelos curtos.

— Já cheguei longe demais para voltar — respondi.

O conteúdo do pen drive era devastador: transferências disfarçadas entre ONGs fantasmas, assinaturas forjadas de funcionários mortos, e nomes de políticos europeus recebendo “consultorias” de organizações humanitárias.

Meu nome aparecia em três relatórios. Todos falsificados.

— Precisamos de tempo para cruzar os dados — disse Vera. — Mas uma coisa é certa: tua denúncia foi o fio certo a puxar.

Jonas andava mais calado que o normal. Mas não era o silêncio usual — era outro. Mais pesado. Mais denso.

— Que se passa? — perguntei, certa noite.

— Recebi uma ligação. De um homem chamado Rodrigo Serpa.

— E quem é ele?

— Meu ex-supervisor na ONG Raízes. Foi demitido na mesma época que eu. Nunca entendi por quê. Achava que era só pela minha situação com Letícia.

— E agora?

— Ele quer me encontrar. Disse que tem algo pra me dizer… sobre Letícia. E sobre o motivo real de minha saída.

— Vais?

— Tenho que ir.

Enquanto isso, Lara recebia uma proposta que faria tremer qualquer escritora iniciante: a Feira Literária de Buenos Aires a convidara como uma das jovens autoras em destaque do continente.

— Não entendo — disse ela, passando os dedos no celular. — Eles leram minha crônica traduzida para o espanhol. Querem que eu fale sobre identidade, legado e nome.

— E o que vais dizer?

— Que às vezes, carregar um nome famoso é mais difícil que não ter nome nenhum.

Ela estava dividida.

— Vais aceitar?

— Quero. Mas… o que vão dizer sobre ti? Sobre a nossa família?

— Vão dizer o que quiserem. E tu vais responder com literatura. É assim que se vence.

Jonas encontrou Rodrigo dois dias depois. Voltou com o rosto pálido e os olhos fundos.

— Ele disse que fui usado como bode expiatório. Que a ONG, na época, já estava sendo investigada. Usaram o escândalo com Letícia para encobrir desvios internos.

— E por que agora ele decide falar?

— Está doente. Quer limpar a consciência. E... deixou uma pasta comigo. Com documentos, e-mails. Tudo que compromete os ex-diretores.

— Vais entregar?

— Se isso proteger outras pessoas… sim.

Mas eu via no olhar dele o velho conflito: entre fazer justiça e preservar o pouco de paz que ainda tínhamos.

No dia seguinte, Vera analisou a pasta de Rodrigo.

— Isso liga os diretores da Raízes ao mesmo grupo envolvido nos contratos da UNESCO. Está maior do que imaginávamos.

— E perigoso?

— Extremamente. Vamos precisar escolher aliados com cuidado.

Júlia, que até então observava tudo em silêncio, chamou-me no terraço.

— Eu… não sei se aguento ver vocês enfrentarem tudo isso. Parece grande demais. E eu só queria ter uma vida normal.

— Não tens obrigação de carregar nada, Júlia. Mas não estás sozinha. Estamos aqui.

— Eu só queria entender por que tudo que toco parece vir com um peso.

— Porque talvez tenhas nascido num campo de batalha. Mas isso não te impede de escolher ser construtora de paz.

Ela chorou. E eu a abracei.

Na noite anterior à viagem de Lara para Buenos Aires, sentamos as três à mesa: eu, ela e Júlia. Jonas preparou chá, como sempre fazia em momentos importantes.

— E se perguntarem sobre ti? — perguntou Lara.

— Diz a verdade. Mas tua verdade. Não sou um título. Nem um escândalo. Sou tua mãe. Isso basta.

Ela sorriu.

— Então está decidido.

— Vais?

— Vou. Pela escritora que estou me tornando. E pela mulher que me criou com coragem.

No aeroporto, enquanto nos despedíamos, Lara me entregou um envelope.

— Abre só depois que eu decolar.

Assenti. Beijei sua testa.

— Vai, minha filha. E escreve o que o mundo ainda não sabe dizer.

Ela embarcou. O avião partiu.

Abri o envelope.

Era uma carta. Escrito à mão:

*“Mãe,

Se eu aprender a transformar dor em palavras, é porque tu me ensinaste.

Se algum dia eu cair, espero lembrar do que tu fazes: levantar, mesmo com os joelhos em sangue.

Não és perfeita. Mas és verdade. E isso, pra mim, sempre será o suficiente.

— Lara.”*

Chorei.

Chorei como mãe.

E como mulher que sabe que sua história, enfim, está nas mãos certas.